2017-12-18
Um primeiro-ministro das Arábias
O autor é Miguel Szymanski, Correspondente Der Freitag e En-24 e o artigo está no DN de 2017-12- 18,
Ele tem a receita para resolver o problema do 6º país mais endividado do mundo - Portugal - e inspirou-se no príncipe que recentemente tomou conta do governo da Arábia Saudita. Vai aqui um extracto da sua proposta a António Costa mas vale a pena ler todo o artigo para o que basta um clique no link acima.
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"Há várias receitas para lidar com o sobre-endividamento do Estado, mas só
uma faz milagres. Portugal continua a ser o sexto país mais endividado do
planeta. É também aquele onde as desigualdades sociais são mais acentuadas
entre as economias ocidentais. O mero pagamento dos juros da dívida pública
consome anualmente mais do que todo o atual sistema público de ensino - sistema
que por isso anda à beira do colapso por falta de meios.
Há boas notícias que só o são para otimistas. Por exemplo, quando um
avaliador internacional diz que a dívida pública portuguesa já vale mais do que
"lixo". Ou quando Mário Centeno, dias antes de ir para o Eurogrupo,
antecipa o pagamento de quatro mil milhões de euros. Mudar o nome na tabuleta
ou retirar de um pântano uma pazada de lama não resolve o problema do pântano,
por muitos holofotes que se aponte à tabuleta e à pá.
A receita japonesa - o Japão é o país mais endividado do mundo - é exportar
excelentes produtos numa quantidade enorme. Infelizmente não funciona num país
desindustrializado como Portugal. A receita alemã, a austeridade imposta por
Berlim aos países do Sul durante os últimos anos, falhou, agravou a
desigualdade, levou os anéis e muitos dedos.
Já a receita do príncipe Salman, herdeiro do trono na Arábia Saudita, demonstrou
recentemente a sua eficácia. Salman, farto de ver alguns dos seus conterrâneos
e colegas príncipes enriquecerem, na velocidade inversa a que os cofres
públicos se esvaziavam, resolveu os dois problemas de uma assentada.
Seria fácil para o primeiro-ministro português seguir a receita árabe:
reduzir a dívida pública para valores aceitáveis e impor alguma ordem num
sistema de enriquecimento desenfreado à custa de bens públicos. Basta olhar
para um cenário que já teve, nas redes sociais, o aplauso de largos milhares de
portugueses, aos quais, no meio do seu entusiasmo, só escapou o intuito
satírico do humilde autor, o mesmo que assina esta coluna.
Aqui, em breve, o resume: o primeiro-ministro convoca os mil mais poderosos
e ricos para um evento no Hotel Ritz em Lisboa. Junto ao hotel, no Parque
Eduardo VII, estão montadas tendas para a grande festa. O primeiro-ministro
entra no salão do Ritz, bate com o indicador ao de leve no microfone para
testar o som. À sua esquerda e à sua direita estão os representantes dos
partidos que apoiam o seu governo.
"Meus senhores, caros convidados, nas últimas décadas enriqueceram à
custa do país. Aumentar impostos não serve de nada, contra os offshores, a
deslocalização de sedes fiscais das empresas e as fugas de capital nada posso
fazer. Por isso, peço que liguem ainda hoje para os vossos bancos e gestores de
fundos e que transfiram 75% das vossas fortunas para a conta da Direção-Geral
de Contribuições e Impostos", diz o primeiro-ministro. Enquanto isso, no
exterior, ouve-se o som de botas a correr no asfalto. Polícias, que aguardavam
ordens nas tendas no Parque Eduardo VII, começam a cercar o hotel de luxo para
ninguém sair. Várias equipas especializadas em interrogatórios musculados
entram no hotel.
Os convidados olham incrédulos uns para os outros. O primeiro-ministro
volta a falar. Explica que nas zonas de serviço do hotel já estão alguns
magistrados a emitir ordens de detenção por suspeitas de fraude fiscal,
branqueamento de capitais, corrupção, gestão danosa e mais meia dúzia de crimes
graves. Ao longo dos dias que se seguem os convidados vão saindo do Ritz, com
barba por fazer e aspeto de quem já não dorme há muito tempo. No salão,
pendurados pelos pés, já só dois ex-ministros insistem que não têm nada em seu
nome.
O primeiro-ministro e o ministro das Finanças estão sentados no bar do
Ritz. "A questão da dívida pública está resolvida", diz o
primeiro-ministro e ergue a sua mini, "um brinde ao príncipe Salman das
Arábias pela inspiração!". "E à minha antecessora, pela ideia de
suspender por uns tempos a democracia. Era isso ou renegociar a dívida",
acrescenta o ministro das Finanças. "
Correspondente Der Freitag e En-24