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2014-07-24

 

É O BES? O GES? A FAMÍLIA ESPÍRITO SANTO? NÃO. É O CAPITALISMO "STUPID"!

A notícia:
“Salgado saiu em liberdade depois de mais de seis horas de interrogatório, ficando sujeito ao pagamento de uma caução de três milhões de euros, proibido de sair de Portugal e de contactar "com determinadas pessoas".
A Procuradoria-Geral da República emitiu entretanto um comunicado onde refere que está em causa "a eventual prática de crimes de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais"[Expresso online].
O artigo de Pedro Santos Guerreiro:
 
É muito interessante o trabalho de Pedro Santos Guereiro publicado na revista do Expresso com o título «Quem tirou o poder a Ricardo Salgado?» e subtítulo: «Guia onomástico para perceber como uma conjugação de inimigos derrubou o número um da economia.» e que vai no fim deste "post".
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Quero deixar claro, no entanto, que não concordo com a sua avaliação desculpabilizadora do papel do rapaz da Tecnoforma que deu em 1ºM, Passos Coelho ou da ministra Maria Luís Albuquerque ou de Carlos Tavares (CMVM) ou de Carlos Costa, governador do BP por não terem e muito bem tentado salvar o GES.
Convenhamos que eles não são estúpidos. Todas estas pessoas nas suas altas funções não podiam fazer outra coisa sem se comprometerm ignominiosamente como fez Granadeiro que "deu" 890 milhões de euros da PT  à RioForte, isto é aos seus amigos e protetores Ricardo ES e Ciª. O dinheiro não era dele e é dinheiro que, a não voltar, serão os utentes da PT e os accionistas a pagar. Não consta que Granadeiro já tenha sido preso.
Antes ainda deste artigo deixo aqui um organigrama do grupo empresarial e das multiplas holdings que serviam de camuflagem aos interesses inconfessáveis "da Família Espírito Santo" (o leitor por favor não confunda o termo "família" que estou a usar com a acepção calabreza, siciliana ou com aquele do filme "Os Padrinhos - The Godfather" de Copola.
A grande "Família Espírito Santo" segundo as últimas notícias inclui 300 "membros familiares" assalariados nas empresas do grande império pluricontinental que, mercê seguramente do seu enorme mérito e talvez também da graça do "Espírito Santo" conseguiram todas uma gloriosa fortuna, que ainda não se sabe que parte nos cabe pagar, se mais se menos do que estamos a pagar pelo BPN.
A família ES, caída em desgraça mas  ao que se supôe, com fortunas gigantescas devidamente acauteladas, não é uma má família. São, como os grandes banqueiros e os grandes plutocratas pessoas do maior respeito e consideração. Roubam? Roubam. Enganam os clientes? Enganam. Traiem os parceiros de negócio? Traiem. Exploram o mais que podem os seus trabalhadores? Exploram. Condicionam os Governos? Condicionam. Defraudam a democaracia e o voto? Defraudam. Fazem da nossa liberdade uma caricatura de liberdade? Fazem. 
Mas... Mas que pensar então de tudo isto? O género humano... as pessoas são más? Sim. Não. É O CAPITALISMO! É de sua natureza. 
Mas então não há saída? Há, suponho. Tem de haver, se a conseguirmos construir. E o primeiro passo é entender como tudo isto funciona. Os mercados, a informação e o resto.  

 
 (Um clique aumenta a imagem)

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O artigo de Pedro Santos Guerreiro:
 




Os líderes dos ramos da família Espírito Santo em julho de 1990. De fato escuro, José Manuel Espírito Santo, Mário Mosqueira do Amaral, António Ricciardi, Manuel Ricardo Espírito Santo e, na ponta direita, Ricardo Salgado / Luiz Carvalho

Ricardo Salgado caiu em desgraça mesmo antes de o Grupo Espírito Santo falhar um só pagamento. Assim foi por causa de uma coincidência de inimigos e de adversários de Ricardo Salgado. Uns aliaram-se, outros encorajaram-se, todos conseguiram romper a barreira dos amigos e aliados de Salgado. Vejamos os seus nomes.
Como no caso BCP, a informação veio de dentro. De fora, não havia informação sobre as contas das holdings de topo, que além disso constituíam um organograma incompreensível de relações entre empresas sediadas no Luxemburgo, na Suíça, nas Bahamas ou no Panamá. Na estrutura, havia acesso a contas, de baixo para cima, do BES, da ESFG (ambas cotadas) e da Rioforte (auditada), mas acima disso já não havia visibilidade. A ES International, que aloja uma dívida superior sete mil milhões de euros, incluindo 1,3 mil milhões que não estavam nas contas, era como se não existisse. Não tinha contas, não tinha equipa, tinha 17 administradores e um contabilista. Parecia uma caixa negra. Foi uma caixa de Pandora.
Só alguém de dentro poderia ter tido acesso a tanta informação. Esse alguém foi o hoje inimigo número um de Ricardo Salgado, o empresário Pedro Queiroz Pereira, provavelmente o único que saiu a rir desta história. Venceu Salgado, deixou-lhe o caminho minado, ficou a controlar o seu grupo familiar (ainda que permaneçam conflitos judiciais com a irmã Maude Queiroz Pereira) e livrou-se do Grupo Espírito Santo, de que era acionista de topo.
Na guerra entre ambos, em que esteve em causa o controlo da Semapa, Pedro Queiroz Pereira criou uma equipa de 16 pessoas, que não fizeram outra coisa se não esgravatar as contas que nem aos acionistas eram mostradas, aceder a escrituras, cruzar informações. Assim constituiu um dossiê que revelava todo o "buraco". Esse dossiê foi parar às mãos do Banco de Portugal. Entretanto, outro inimigo, Álvaro Sobrinho, estava já em guerra aberta com Salgado, tendo como principal arma o conhecimento de casos complexos no BES Angola. E assim chegou o terceiro inimigo, José Maria Ricciardi, que quis virar a mesa quando percebeu a dimensão dos estragos.
Além destes três inimigos, outras figuras foram essenciais para a queda. O juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira, que nunca largaram a família Espírito Santo nas suas investigações. E Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, não pelo que fizeram mas pelo que não fizeram: não ajudaram o banco com empréstimos da Caixa, quando Salgado lhes pediu.
Carlos Tavares interveio decisivamente nos produtos de investimento que estavam a drenar dinheiro dos clientes do BES para o Grupo Espírito Santo, e depois exigiu informação detalhada sobre a real situação no Grupo e no banco. Mas o último inimigo decisivo, o único que Salgado colocará ao mesmo nível de Queiroz Pereira, Ricciardi e Sobrinho, será Carlos Costa. O governador do Banco de Portugal liderou todo o processo que forçou a ES International a escancarar as suas contas. E foi ele que forçou Salgado a fazer o impensável: primeiro, afastou-o da gestão do "seu" banco, depois afastou-o do próprio Conselho Geral. Sem Carlos Costa, e a proteção política que Passos Coelho lhe deu, o desfecho teria sido outro. Incluindo o desfecho na administração, para onde entraram Vítor Bento, João Moreira Rato e José Honório, todos apadrinhados pelo Banco de Portugal.
Muitos outros estarão hoje satisfeitos com a queda de Ricardo Salgado. Não porque fossem seus inimigos, mas porque estavam na galeria dos ódios de estimação. Começando por banqueiros com quem houve afrontamentos, como Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal no BCP, Fernando Ulrich que na negociação falhada de uma fusão entre BPI e BES encontrou práticas inconciliáveis, e João Rendeiro, que se vê agora parcialmente redimido, por não ser o único e por ser pequeno. António Horta Osório passou para os "ódios" quando patrocinou a OPA à PT pela Sonae, onde Belmiro Azevedo ou António Lobo Xavier estavam (e ficaram) do lado dos adversários de Salgado. Américo Amorim foi outro que tal: sempre desalinhado com Ricardo Salgado.
Mas depois havia os aliados, começando nos próprios banqueiros, que hoje já não dirão o mesmo. É o caso de José Marie Sander (aliado do Crédit Agricole) e Lázaro Brandão (do Bradesco) ou dos colegas de administração Amílcar Morais Pires ou Joaquim Goes: já não são indefetíveis. António de Sousa era outro aliado histórico, assim como Faria de Oliveira, que fazia a ligação entre bancos e política. E na política, tirando os ódios da esquerda (Francisco Louçã à cabeça), houve uma aliança fortíssima e depois desfeita com José Sócrates, que aliás teve como ministro da Economia Manuel Pinho, um homem BES. As alianças estavam sobretudo na direita. Neste Governo, Passos não visitava a Avenida da Liberdade (Vítor Gaspar então, nem pensar), mas Paulo Portas era muito próximo (assim como António Pires de Lima). Durão Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa, Eduardo Catroga, Aníbal Cavaco Silva ou Francisco Pinto Balsemão fazem parte do círculo de amigos ou de aliados. Fora de Portugal, as relações iam do rei Juan Carlos de Espanha ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Mas nenhum outro terá sido mais influente nesta crise do que o seu amigo, aliado e advogado pessoal: Daniel Proença de Carvalho.
Além da política, outro círculo de poder está dentro da rede de empresas, quer aquelas com as quais há relações acionistas, quer aquelas com que há relações de crédito. Henrique Granadeiro é um caso muito claro, até pela amizade e relação antiga de conselheiro. Granadeiro, que agora é acusado de ter contagiado a Portugal Telecom com dívida do Grupo Espírito Santo, já disse que foi aconselhado no seu investimento pelo BES. O banco tem uma força decisiva dentro da PT, incluindo com Zeinal Bava e com o administrador financeiro Pacheco de Melo. E incluindo com a Ongoing de Rafael Mora e Nuno Vasconcellos, que sempre foram vistos como emanações de Salgado e que prosperaram com dívida do BES e do BCP.
Na EDP, a relação é hoje menos forte, nomeadamente com António Mexia, outro homem BES, mas mais próximo de José Maria Ricciardi. Dentro do GES, há inúmeros gestores que sempre apoiaram Salgado, como Isabel Vaz ou Isabel Ferreira.
Nas grandes empresas há grandes aliados, como António Mota, ou Vasco Pereira Coutinho, além do general Helder Dias Vieira (Kopelipa), em Angola. As relações com gente do futebol alargam-se a Joaquim Oliveira, mas também aos negócios particulares de Luís Filipe Vieira e José Guilherme, que segundo o livro "O Último Banqueiro", agora editado, deu um presente de 14 milhões de euros a Salgado. Maude Queiroz Pereira ou João Lagos são outros aliados antigos do Grupo. Vasco de Mello nunca o foi, mas acabou por ser ajudado pelo BES no processo de reestruturação do seu grupo. Do outro lado das empresas estão ainda os sindicalistas, como Carlos Silva (da UGT, um dos únicos que defendeu Salgado publicamente nos últimos meses) e Afonso Diz (do Sindicato dos Bancários).
Toda esta rede de poder foi sendo esboroada nos últimos meses. Ricardo Salgado está cada vez mais só. Até que ficou isolado no círculo primeiro e último do seu poder: o da família. José Manuel Espírito Santo, que nos anos 80 defendeu Salgado no processo de sucessão contra o seu próprio irmão, quis ficar de fora do conselho estratégico do banco, demarcando-se. Outro líder da família, o comandante António Ricciardi, alinhou com o filho José Maria contra Salgado. Dos herdeiros de Mário Mosqueira do Amaral e de Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva, e dos seus filhos, não se ouviu ainda palavra.
Mas o sentimento de revolta é generalizado. O verão não vai ser fácil este ano na praia da Comporta. E o inverno será longo para muitos daqueles que sempre viveram com salários, lucros ou créditos do BES.
[Texto publicado na Revista do Expresso, a 19 de julho de 2014 ]

2014-07-23

 

O deputado do PS Sérgio Sousa Pinto arrasa a direção de Seguro

O problema do PS é político, por mais que o queiram converter numa novela
por SÉRGIO SOUSA PINTO, Deputado do PS. Ontem no DN
    ontem no DN

« Quem entenda que os últimos anos foram marcados por uma oposição mobilizadora, determinada e capaz, protagonizada pelo PS e liderante no Parlamento e no País, é natural que não perceba a razão de ser da candidatura de António Costa à liderança do PS.
Quem não reconhece a necessidade de interromper este ciclo no PS, enquanto é tempo para prevenir uma vitória marginal ou mesmo uma derrota nas próximas legislativas, é natural que seja refratário ao significado político da iniciativa de António Costa e ao movimento subsequente, inteiramente espontâneo, que sacudiu o partido e a sociedade portuguesa, ambos mergulhados numa crise de esperança e de confiança.
Com quem protagonizou em posição de destaque esse ciclo perdido receio que não haja mesmo qualquer esperança de vir a travar um debate no plano político, que é o plano devido. Nesses casos, é manifesta a preferência por reduzir o conflito a um duelo de egos, em que a Costa é reservado o papel de ambicioso e maquiavélico vilão e a Seguro o de mártir inconsolável e carpideiro, que passeia pelo País o seu ressentimento, com um punhal cravado na omoplata direita.
A chorosa novelização do problema político do Partido Socialista não resiste aos factos, duros como punhos, de três anos de oposição medíocre, hesitante e no geral errática e inepta. Esse é o problema. Puramente político..........
« Entrámos, então, no ciclo da abstenção violenta, de que nunca mais saímos. Depois ,veio o acordo de regime patrocinado por Cavaco Silva. O precioso convénio amarraria o PS ao programa austeritário, a troco de eleições antecipadas, que o PS putativamente venceria, prolongando-se o convénio num bloco central capitaneado pelo líder do PS e primeiro--ministro - e ungido pelo Presidente. Mas Mário Soares - sozinho - deitou o sonho ao fundo.
Será ainda preciso recordar outro momento alto do desnorte socialista: o único entendimento que o PS considerou irrecusável com a direita, em três anos, foi o desagravamento da tributação sobre os lucros das empresas.
Este penoso elenco está muito encurtado, mas ajudará a compreender a hemorragia eleitoral do PS, de eleição para eleição, até à evidência de que não estaria à altura de libertar o País da direita mais reacionária e implacável que o Portugal democrático conheceu.
A queda do PS nas indicações de voto não é de ontem. O PS precisa de tempo e de força para poder protagonizar uma verdadeira alternativa, que rompa a gaiola de ferro do neoliberalismo europeu e doméstico. Mas isso supunha que quem está agarrado ao poder no partido aceitasse disputá-lo democraticamente, em nome do País e do interesse geral. Este PS, indiferente à agonia lenta que se autoimpôs, permanece refém de uma cultura implacável de sobrevivência, uma esperteza feita de habilidade e manha, completamente estranha à cultura do partido, mas profusamente enfeitada de princípios e valores. Esperemos que as primárias, nascidas desse caldo, sejam o instrumento da sua destruição.»
 (Artigo completo aqui no DN)

2014-07-20

 

Mário Viera de Carvalho: "Eleições primárias"

Como é habitual, Mário Vieira de Carvalho oferece-nos, hoje, no Público, um excelente artigo. Ajuda-nos a compreender o mundo da alienação que é o nosso. O mundo dos mercados. O mundo dominado pelas plutocracias que têm como principal instrumento de domínio os bancos e o sistema financeiro em geral, articulados com o controlo, através de sofisticadas formas de corrupção, dos governos, dos parlamentos, do poder judicial,  das forças armadas e policiais.
Se não conseguirmos alterar a natureza dos partidos e a forma de intervenção na vida política e social, o nosso voto, em periódicas eleições, não passa de uma cortina que esconde o verdadeiro poder da plutocracia financeira.
Os escravos modernos deixaram de ser apenas os operários ou os “trabalhadores” como no século XIX e na maior parte do séc. XX mas e cada vez mais as classes médias e toda a população para lá dos ” 1% “ a que se reduz, hoje, a nova aristocracia rapace.
O caso do BES e antes dele os casos do BPN, do BPP e do BCP são, em Portugal, à semelhança da Europa ou dos EUA, a ilustração desta nova realidade que domina as nossas vidas.
Mas a realidade pode ser alterada. Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades….” De objeto da História, teremos que ser – cada um de nós – cada vez mais, o sujeito da História. Somos muitos, somos a esmagadora maioria. A CONSCIÊNCIA DA NOSSA FORÇA SERÁ A NOSSA FORÇA e o segredo do triunfo.  
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2014-07-10

 

Granadeiro "dá" 900 milhões ao Grupo Espírito Santo e afunda a PT

(Para memória futura. Bastaria o link mas com o tempo a notícia desaparece... In Dinheiro Vivo)

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Não é o Estado Somos Nós

O empréstimo da PT à Rioforte (Grupo Espírito Santo) é uma das piores decisões tomadas por uma empresa portuguesa em décadas. Enfiar (emprestar) 900 milhões de euros num grupo em desagregação não foi apenas um ato de gestão temerário e suicida, foi um inacreditável abuso de confiança que só pode custar o lugar a Henrique Granadeiro na PT e na futura CorpCo (que resultará da fusão entre a PT e a Oi), sendo certo que a reputação profissional do gestor é irrecuperável, a não ser que surja qualquer explicação que, para já, parece improvável. 

            Talvez um destes dias Henrique Granadeiro aceite dar explicações públicas sobre o assunto -- tem, aliás, esse dever --, mas por enquanto tem-se limitado a defender-se através de comunicados de imprensa que pouco justificam e só demonstram o grande serviço que prestou a Portugal. Não há dia que passe em que a imprensa brasileira não insista num ponto: os acionistas portugueses terão de pagar em ações o rombo provocado por Granadeiro. Perderão peso na fusão, lugares, capacidade de decisão.
Isto é: o que Granadeiro fez, se nada acontecer entretanto, foi dar a machadada final na pretensão de Portugal ter uma multinacional na área das telecomunicações. Os 37% que estavam previstos para os acionistas portugueses podem ficar reduzidos substancialmente, o que será apenas o primeiro passo para que, um dia, esse valor se torne ainda mais pequeno e insignificante.
É tudo demasiado grave para que não seja sublinhado. Granadeiro não podia ter feito o que fez e da forma que fez. Só se entende que permaneça no lugar mais uns dias até ficar clara a solução para o problema -- talvez o prolongamento do prazo de pagamento da totalidade ou de parte dos 900 milhões de euros. Quando, na terça-feira, se confirmar que a Rioforte não consegue pagar (seria extraordinário que pagasse, porque a informação posta a circular vai toda em sentido contrário), Granadeiro só tem uma solução: sair e dar uma conferência de imprensa assumindo o erro capital. É o mínimo dos mínimos.
Para quem conhece Henrique Granadeiro, como eu conheço, não deixa de ser duro escrever isto, mas não há outro caminho. Aliás, mesmo que a Rioforte pague, o método silencioso que ele usou para emprestar os 900 milhões de euros não é digno de confiança, não seria admissível em empresa nenhuma, o que me conduz ao último ponto.
Em Portugal, mas não só, muitas vezes as empresas ficam reféns dos gestores. Deixam de pertencer aos acionistas, ficam na mão dos administradores executivos que não só acabam por encontrar maneira de se fixar remunerações (salários e prémios) sem sentido, como, com o passar do tempo, se julgam realmente donos das empresas.

2014-07-01

 

O soberano e os lacaios

O artigo que abaixo reproduzo é de Mário Vieira de Carvalho e saiu no Público de domingo(2014-06-29). Bastava colocar aqui uma ligação, pois ele está online, mas para evitar eventual remoção a prazo deixo-o aqui porque merece que possa ser lido hoje ou depois de amanhã. (O lacaio de libré - à nossa esquerda - foi convocado aqui por mim.)
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"A avaliar pelas últimas eleições, os partidos do governo têm hoje a legitimidade social e política que lhes é conferida por apenas cerca de dez por cento do universo total dos eleitores recenseados. É muito pouco para quem já passou da voz grossa à grosseria. Mas é o suficiente para quem, cada vez mais, demonstra ter uma noção arcaica do Estado e do exercício do poder político.
Dir-se-ia que as declarações delirantes de uma auto-intitulada “professora de direito” sobre a nomeação de juízes do tribunal constitucional, ou de um ex-empresário sobre a necessidade de calibrar o escrutínio dos mesmos, ou ainda a de um eminente economista sobre a sua deles mentalidade de funcionários públicos radicam na conceção de l’état c’est moi, segundo a qual o chefe do executivo personificaria ou deveria personificar todos os poderes do Estado: o legislativo, o executivo e o judicial. Não responderia apenas por um órgão de soberania, antes seria “o” órgão de soberania. Não se encontraria vinculado a uma Constituição, antes a ditaria. Não seria um mero chefe do executivo. Seria o Soberano.
Se, porém, mudarmos de ponto de vista – para uma observação de segunda ordem –, então percebemos que, neste Portugal do século XXI, por via de uma das mais extraordinárias piruetas da história, o soberano não passa, afinal, de um lacaio. Arroga-se uma autoridade absoluta, mas enverga a libré. “Decreta”, “proclama”, “declara” e “calibra”. Mas sempre de libré. Preside. De libré. Discursa. De libré. Participa nos órgãos da União Europeia. De libré. Representa o país. De libré.
Dá-se ares de soberano, mas a libré assenta-lhe na perfeição. Cai-lhe bem nos gestos, no registo grave da voz, no aprumo lento do passo, que fazem da aparente arrogância a mais refinada escola de subserviência. Cai-lhe bem na elegância com que se verga, arremedando poder de decisão. Na diligência com que sabe estender a passadeira, parecendo caminhar sobre ela. Na persuasão a falar e na determinação a agir – em nome de quem verdadeiramente manda. É a libré de chefe de governo: o último grito do pronto a vestir, na União Europeia.
O modelo até parece ter sido talhado em Lisboa, pois não há chefe de governo em que ela assente tão bem. Outros a usam, é certo, mas fica-lhes curta nas mangas. Talvez porque ainda não compreenderam o pleno sentido da “revolução” neoconservadora em curso: a restauração duma ordem feudal, o retorno ao Ancien Régime – a um regime anterior às noções de “soberania popular”, “constituição”, “separação de poderes”, “democracia” e “direitos humanos”.
Não se trata, evidentemente, de restaurar monarquias, embora as existentes não estorvem. Nem de alterar a estrutura formal da governação. Nem, portanto, de privar os povos de eleições, parlamentos, governos e constituições. Trata-se, sim, apenas, de subordinar tudo isso à vontade do soberano. Eis o que se pretende com as tão badaladas “reformas estruturais” e “austeridade”.
E quem é ele – esse soberano a quem chefes de Estado e de governo devem vergar-se como lacaios? Esse novo senhor absoluto que se apodera do Estado e com ele se confunde? Que legisla, governa, interpreta a seu bel-prazer a constituição e as leis, acaba com a independência dos tribunais, põe e dispõe de todo e qualquer direito, suspende o próprio “Estado de Direito”, e degrada os cidadãos à condição de meros súbditos?
É, obviamente, o capital financeiro. É ele que hoje encarna, mudando apenas de roupagem, o modo de governação do antigo regime: l’état c’est moi.
Professor catedrático jubilado (FCSH-UNL)"


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