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2016-02-28

 

Bernie Sanders: Se for eleito passa a ser o Governo dos EU a mandar em Wall Street e não o contrário

"A ganância, a fraude, a desonestidade e a arrogância tomaram conta do mercado financeiro", diz Bernie Sanders, criticando a sua principal rival no Partido Democrata, Hillary Clinton -- Clinton, é a candidata norte-americana destas eleições que mais doações de Wall Street recebeu. "Para aqueles que em Wall Street possam me estar a ouvir hoje, deixem-me ser claro. A ganância não é boa. Na verdade, a ganância de Wall Street e das corporações americanas está destruindo o tecido social de nossa nação. E aqui está uma resolução de Ano Novo que vou manter se eleito presidente: Se vocês não colocarem um fim na sua ganância, vamos acabar com isso por vocês", disse Sanders, num discurso no centro de Manhattan.

Bernie Sanders estabeleceu um programa de dez pontos que promete mudar profundamente o modo como funciona hoje o mercado financeiro americano. Se colocadas em prática, as suas propostas podem revolucionar a economia mundial. Para melhor.Desde o início de sua campanha, Sanders vem denunciando o lobby dos bancos para desregulamentar quase todas as áreas do mercado financeiro, enquanto o Congresso, que deveria representar os interesses da população, vem enfraquecendo as leis do trabalho e os direitos do consumidor.“Na crise de 2008, a ganância, a imprudência e a corrupção em Wall Street quase destruíram os Estados Unidos e a economia internacional. Milhões de americanos perderam seus empregos, suas casas e suas poupanças de uma vida inteira. Enquanto isso Wall Street recebeu a maior ajuda financeira vinda do governo na história do mundo, sem nenhuma contrapartida. A classe média americana continua a desaparecer, a pobreza só aumenta e o fosso entre os muito ricos e o resto do povo está a crescer mais e mais”.
 
Eis aqui os dez pontos da reforma do sistema financeiro americano defendidos por Bernie Sanders:

Um: Por fim aos bancos “grandes demais para falir" (ou too big to fail)

Bernie Sanders sugere reeditar uma lei antitruste contra os grandes bancos, nos mesmos moldes da Lei Antitruste Sherman...
A proposta de Sanders baseia-se nos dados fornecidos pelo próprio sistema financeiro.Em 2008 os contribuintes americanos foram obrigados a socorrer os grandes bancos de Wall Street com a desculpa de que estes eram "grandes demais para falir". No entanto, hoje, três das quatro maiores instituições financeiras nos Estados Unidos -- JP Morgan Chase, Bank of America e Wells Fargo -- são quase 80% maiores do que antes do socorro financeiro de 2008. Por incrível que pareça, os seis maiores bancos americanos respondem por 2/3 de todos os cartões de crédito no país e mais de 35% das hipotecas. Juntos, esses seis bancos controlam mais de 95% das aplicações financeiras e detém mais de 40% dos depósitos bancários. Seus ativos equivalem à 60% do PIB norte-americano.
'Se um banco é grande demais para quebrar, então ele é grande demais para existir'

Dois: Desmantelar os grandes bancos
 
Se eleito, Sanders diz que logo no primeiro ano de mandato vai pedir ao Departamento do Tesouro uma lista das instituições financeiras cujo colapso representa um risco catastrófico para a economia dos Estados Unidos.
De posse do Executivo, Sanders promete acabar com as grandes instituições financeiras, dividindo-as em companhias menores. E ele pode fazer isso sem a aprovação do Congresso, pois o presidente Barack Obama aprovou em 2010 a Lei Dodd-Frank, consolidando as diversas agências reguladoras que existiam na época em uma só autarquia federal, e estipulando regras mais rígidas para as fusões dos bancos. O problema é que Obama nunca aplicou a lei pra valer e Sanders promete fazer isso.
 
Três: Aprovar no Congresso uma Lei Glass-Steagall do século XXI

A Lei Glass-Steagall foi aprovada pelo presidente Franklin D. Roosevelt em 1933 devido à Grande Depressão de 1929.Para evitar uma nova crise, Roosevelt dividiu as instituições entre comerciais e financeiras.Os bancos comerciais, onde a população guarda suas economias, teriam que cumprir regras rígidas de alavancagem, estando proibidos de especular no mercado financeiro. Já as instituições financeiras, como corretoras, estariam livres para aplicar em investimentos mais arrojados, e por isso, mais arriscados também.
A lei servia para proteger os pequenos poupadores e a classe-média dos abusos praticados pelos bancos antes de 1929. Porém a lei foi revogada pelo presidente Bill Clinton em 1999.Durante um debate nas primárias democratas, Hillary Clinton, em defesa do legado de seu ex-marido, disse que a Lei Glass-Steagall não teria evitado a quebra do banco Lehman Brothers. Mas Bernie Sanders lembrou que foram os grandes bancos, como JP Morgan Chase e Bank of Boston, que emprestaram dinheiro da poupança de seus clientes para o Lehman Brothers especular na bolha imobiliária. Caso a Lei Glass-Steagall ainda estivesse em vigor eles estariam proibidos de fazer os empréstimos.
 
Quatro: Por fim à política de “grande demais para se poder prender” (ou too big to jail)

Sanders diz que na sua administração é o governo quem irá regular Wall Street e não o contrário. Ele defende uma “justiça igual para todos”, o que significa incriminar os altos executivos dos bancos e das demais instituições financeiras cujas apostas imprudentes tenham lesado a vida de pessoas simples e da classe-média.
"Os americanos veem todos os dias jovens sendo presos, às vezes até mesmo por posse de pequenas quantias de maconha. (...) Mas quando se trata dos altos executivos de Wall Street, algumas das pessoas mais ricas e poderosas deste país, cujo comportamento corrupto e irresponsável causou dor e sofrimento para milhões de cidadãos, nada acontece com eles. Sequer um registro policial, ou uma temporada na prisão. Não há justiça igual para todos nos Estados Unidos". Não custa lembrar que o ex-presidente democrata Bill Clinton, em seu último dia de trabalho na Casa Branca, concedeu um indulto presidencial à um dos maiores sonegadores da história dos Estados Unidos, Marc Rich. O Caso que ficou conhecido como perdongate. [Em 1983 tornou-se um fugitivo. Fugiu dos Estados Unidos, onde foi condenado por 50 crimes de fraude eletrónica, desvio de fundos, fraude fiscal e violação do embargo ao Irão. Foi o maior especulador de petróleo dos tempos modernos e por contornar guerras, bloqueios e embargos, incluindo o do Irão. Reconheceu em 2009, ter subornados oficiais nigerianos e colaborado com os serviços secretos israelitas. Acabou por ser perdoado pelo presidente Bill Clinton, em 2001, no meio de muita polémica].

Cinco: Criminalizar o atual modelo de negócios em Wall Street
 
Um dos comentários mais incisivos de Bernie Sanders nesta campanha presidencial é o modo como Wall Street faz seus negócios.
"A verdade é que a fraude se tornou o modelo de negócios em Wall Street. Não é uma exceção à regra. É a regra. E sem uma regulamentação mais rígida, é provável que os investidores e operadores em Wall Street continuem com o comportamento corrupto que todos já conhecemos. Quantas vezes já ouvimos o mito de que os desvios em Wall Street podem até ser errados, mas não são ilegais? Deixem-me ajudá-los a acabar com esse mito."
As práticas de Wall Street só não são ilegais porque ao longo da história os bancos fizeram lobby no Congresso para legalizar o que deveria ser considerado crime.
...
Um estudo da University of Notre Dame, em Indiana, sobre ética no mercado financeiro, publicado na The Atlantic em maio de 2015, mostrou que 51% dos executivos de Wall Street acreditam que seus concorrentes praticam atividades antiéticas ou ilegais para obter vantagens no mercado; 1/3 dos executivos também admitiu ter presenciado ou ter conhecimento em primeira mão de atividades ilegais no ambiente de trabalho; e 1/5 dos operadores no mercado financeiro afirmaram que é preciso se envolver em alguma atividade antiética ou ilegal para ser bem sucedido na carreira.

Seis: A criação de um imposto sobre a especulação no mercado financeiro
 
Um dos pontos chave na reforma de Sanders sobre Wall Street é a criação de um imposto sobre as transações financeiras.
...
"Vamos usar a receita do imposto [sobre Wall Street] para tornar as faculdades e universidades públicas gratuitas. Durante a crise financeira de 2008, a classe média deste país socorreu os bancos de Wall Street. Agora, é a vez de Wall Street ajudar a classe média”.~

Sete: Reforma das Agências de Classificação de Risco
 
Depois do crash de 2008, as agências de classificação perderam completamente sua credibilidade. O Lehman Brothers, por exemplo, banco de investimento que quebrou durante a crise, recebeu da Standard & Poor’s um grau ‘A’ no mesmo mês em que decretou falência. Após a crise, ficou claro que as agências de risco davam notas altas para aqueles que pagavam caro por seu serviço.
Na opinião de Sanders, estas companhias são como “raposas vigiando o galinheiro”.
"Vamos transformar estas agências de classificação, que somente buscam o lucro, em instituições sem fins lucrativos, independentes de Wall Street. Não será mais Wall Street quem irá escolher quais agências irão avaliar os seus produtos".
 
Oito: Reduzir os juros do cartão de crédito e as taxas cobradas pelos bancos
 
Nas palavras de Bernie Sanders, os bancos e as companhias de cartão de crédito precisam parar de "extorquir o povo americano com a cobrança de juros altíssimos e taxas ultrajantes".
"É inaceitável saber que os americanos pagam uma taxa de US$ 4,00 ou US$ 5,00 cada vez que vão a um caixa eletrônico sacar dinheiro. E é inaceitável saber que milhões de americanos estão pagando taxas de juros no cartão de crédito superiores à 20% ou 30% ao ano. A bíblia tem um termo para esta prática, chama-se usura". (tradução livre)Bernie Sanders propõe uma lei limitando os juros no cartão de crédito em 15% ao ano e uma taxa máxima no caixa eletrônico de US$ 2,00 por saque.“Os grandes bancos precisam parar de agir como agiotas e começar a agir como credores responsáveis”

Nove: Permitir os correios de oferecer serviços bancários.
...
Dez: Reforma da Reserva Federal

Por último, Bernie Sanders propõe uma reforma no Banco Central norte-americano, de modo que este passe a atender aos interesses da população, ao invés dos grandes bancos."Quando Wall Street estava à beira do colapso, o Federal Reserve agiu rapidamente para salvar o sistema financeiro. Precisamos que o Fed aja da mesma maneira para combater o desemprego e os baixos salários. É inaceitável ver o Federal Reserve sequestrado pelos banqueiros, logo ele que é responsável pela regulação dos bancos. Eu acho que o povo americano ficaria chocado se soubesse que Jamie Dimon, atual CEO do JP Morgan Chase, foi membro do conselho do Fed de Nova York, ao mesmo tempo em que seu banco recebeu um resgate de US$ 391 bilhões do Federal Reserve. Este é o tipo de conflito de interesses que pretendo proibir. Se eleito, as raposas não serão mais as guardiãs do galinheiro na Fed”. 

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2016-02-13

 

Mariana Mortágua:"Défice estrutural: magia negra"

Mariana Mortágua explica muito bem (Público) o que é o "défice estrutural" que a União Europeia sob a hegemonia alemã quer impor a países como Portugal e que objectivos prossegue. O artigo é longo mas esclarecedor para quem queira perceber como Portugal se encontra na situação de país sob tutela. Tutela neoliberal que quer dizer, imposição de condições favoráveis a maior desigualdade, a maior enriquecimento dos 1% da população à custa dos que menos podem, à regressão do Estado social.
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Mariana Mortágua: 



Alguém sabe exactamente como se calcula o indicador que determina as nossas vidas? Se tiver a paciência necessária para ler este texto, gostaria de tentar provar a seguinte tese: o saldo estrutural é uma abstracção teórica, de impossível verificação.

Muito se tem falado sobre o défice estrutural nos últimos dias. Parece que dele depende a aprovação, ou não, do Orçamento do Estado por Bruxelas. Grande parte do debate parece ter contornos técnicos, com a direita a acusar o Governo de "maquilhar" as contas do défice estrutural. Mas será que alguém sabe exactamente como se calcula o indicador que determina as nossas vidas? Se tiver a paciência necessária para ler este texto, gostaria de tentar provar a seguinte tese: o saldo estrutural é uma abstracção teórica, de impossível verificação, que confere às instituições europeias um poder discricionário sobre os países da zona euro. É, por isso, como não podia deixar de ser, uma medida puramente política.
Vamos por partes.
Primeiro: o que é o saldo estrutural?
É uma outra forma de medir aquilo a que normalmente chamamos "o défice", ou seja, o saldo orçamental nominal, que resulta da diferença entre as despesas totais e as receitas totais de um Estado num determinado ano.
O saldo estrutural retira do saldo nominal dois tipos de efeitos: o efeito do ciclo económico e o efeito de medidas extraordinárias (que não podem ser repetidas, chamadas as "medidas one-off"[1]. De outra forma:
SALDO ESTRUTURAL = SALDO NOMINAL – MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS – EFEITO CICLO
Segundo: como é que funciona?
Imaginem o seguinte exemplo: Estamos num período de crise. O PIB está a cair face àquilo que seria o seu "potencial", o Estado tem de fazer despesas com o subsídio de desemprego e outras medidas associadas à recessão económica. Por outro lado, as receitas com impostos estão a descer, porque há mais desemprego e menos actividade económica. Para piorar, é necessário injectar dinheiro na banca.
Neste caso, a intuição do saldo estrutural diz que, embora o défice nominal esteja a aumentar (mais despesas e menos receitas), esse aumento deve-se ao ciclo económico e a medidas extraordinárias, factores que voltarão ao normal quando a economia recuperar. Nesse caso, o aumento do défice nominal não tem reflexo no défice estrutural.
Este é, na verdade, o primeiro problema do liberalismo autoritário: não deixa lugar para as escolhas democráticas.
Agora imaginem outro exemplo: a economia encontra-se a crescer a uma taxa constante, mas há um governo que decide, politicamente, que é necessário investir mais na Educação, ou na Cultura, ou na Saúde. Ou baixar um imposto. Nesse caso, estas medidas são contabilizadas no défice estrutural.
Este é, na verdade, o primeiro problema do liberalismo autoritário: não deixa lugar para as escolhas democráticas.
As regras de Bruxelas ditam que, dependendo do país, o saldo deve estar no intervalo entre -0,5% e -1% do PIB.
Este é o aspecto dos saldos estruturais um pouco por toda a zona euro ao longo dos últimos anos

Conclusões óbvias: os saldos estruturais são tudo menos estáveis; manter um défice estrutural constante entre -0,5% e 1% é tarefa impossível para quase todos os países.
Terceiro: como é que se calcula?
Esta é a parte mais complicada. Nada do saldo estrutural é observável. Todas as suas componentes são conceitos abstractos, estimados por modelos económicos que existem apenas no papel. Voltemos à fórmula acima:
SALDO ESTRUTURAL = SALDO NOMINAL – MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS – EFEITO CICLO
Vamos parcela a parcela.
 – SALDO NOMINAL: esta é fácil. O saldo nominal é uma medida contabilística e observável. É calculada pelo INE e resulta, genericamente, da diferença entre todas as despesas e todas as receitas do Estado.
MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS o problema aqui está na classificação do que é extraordinário e o que é estrutural. O melhor exemplo será o deste Orçamento:
·            O anterior Governo classificou a sobretaxa do IRS como uma medida extraordinária. A sua reversão não devia por isso contar como estrutural, mas também como extraordinária. É óbvio, mas Bruxelas e exige que a redução da receita com a eliminação da sobretaxa seja considerada como "estrutural", aumentando assim o défice estrutural.
·            O anterior Governo classificou os cortes nos salários da função pública como "estruturais", ou seja, uma medida permanente. A Comissão Europeia aceitou, mas o Tribunal Constitucional sempre disse que os cortes só podiam ser extraordinários. O Governo actual defende que a reversão de cortes temporários é uma medida extraordinária e que o problema estava na classificação anterior. Mas Bruxelas não aceita.
·            O anterior Governo conseguiu reduzir o défice de 2015 através da antecipação de um conjunto de receitas fiscais futuras, ou de eventos que só podiam acontecer uma vez. Exemplo? A contribuição que os bancos pagam para o fundo de resolução europeu no valor de 138 milhões de euros. Esta contribuição deveria ter sido cobrada no primeiro trimestre de 2016 e entregue a Bruxelas, o que teria um efeito neutro nas contas públicas. Em vez disso, o anterior Governo cobrou toda a receita em 2015, aumentando as receitas do Estado. Agora, em 2016, esse valor será entregue a Bruxelas, o que levará a um aumento da despesa. Não deveriam ser ambas medidas temporárias? Claro que sim, mas Bruxelas não pensa bem assim.
·            É claro que a decisão sobre o que é ou não extraordinário depende, em última instância, de quem tem mais força para negociar.
 – EFEITO CICLO: aqui a coisa complica-se. Este efeito calcula-se em vários passos:
·            PIB Potencial: é um indicador teórico que, depois de estimado, nos deveria dar uma ideia do que seria o PIB que o país conseguiria atingir, se todos os recursos fossem utilizados, ou seja, se a economia funcionasse de acordo com a sua capacidade total [2]. Há várias formas de estimar esta medida, a mais usada obtém-se a partir de uma função de produção, uma coisa com este aspecto (ignorem se assim entenderem):

Y = (U
L LEL ) α (UKKEK) 1– α = Lα K1– α TFP
O que nos diz é que o Y, PIB potencial, está relacionado com o emprego L, numa proporção de α, com o K, numa proporção de 1-α e da Produtividade Total dos Factores (TFP). Vamos um a um:
·            i. Trabalho (L): primeiro identifica-se a oferta de trabalho (ou seja, o numero de trabalhadores disponíveis) e depois estima-se a NAWRU (non-accelerating wage rate of unemployment). Supostamente a NAWRU é a taxa de desemprego "natural" na economia (ou seja, o nível de desemprego expurgado do efeito do ciclo). Como no caso do PIB Potencial, a NAWRU é um conceito que só existe nos modelos, não sendo observável estatisticamente, e o seu cálculo está envolto na maior controvérsia [3]Mas vejamos alguns impactos práticos: imaginem que, por causa da emigração, a mão-de-obra disponível diminui, ou, por algum caso, a taxa de desemprego natural aumenta. Nesse caso o PIB Potencial é menor. Se o PIB Potencial é menor, a sua diferença para o PIB real é também menor. Logo, há menos "efeito de ciclo" para expurgar do saldo nominal e, como consequência, o défice estrutural aumenta. E tudo isto sem que nada tenha acontecido na economia ao nível orçamental. É o pesadelo que se sobrepõe à realidade.
Agora reparem no que aconteceu em Portugal segundo os dados da AMECO. Em 2015 a taxa de desemprego em Portugal já estará no seu nível "natural".Estranho, não é?

·            ii. Capital (K): em geral mede-se usando todo o stock de capital, expurgado do seu desgaste anual, ou depreciação. O problema não está só em estimar a depreciação do capital, mas em decidir o que é capital: por exemplo, conta apenas capital físico (edifícios e maquinaria) ou também humano (aptidões, conhecimento)?; como ponderá-lo, ou seja, qual o efeito de cada tipo de capital no PIB Potencial?; e como estimar as transferências de capital entre diferentes sectores na economia?
·            iii. Produtividade dos Factores (TFP): também não é coisa fácil, já que basicamente procura medir o impacto de aumentos de produtividade no PIB, que pode vir de inovações técnicas, mudanças organizacionais, mudanças sociais, etc. Como se mede então? Na verdade, aplicando um filtro estatístico a uma série do resíduo de Solow. O que é o resíduo de Solow? Bom, parte de um modelo macroeconómico antigo em que Solow tentava explicar o crescimento da economia com base no trabalho e capital. Como em qualquer regressão (técnica econométrica) do género, há uma parte que o modelo não consegue explicar que se chama resíduo.Este resíduo é então interpretado como o crescimento económico que não vem da acumulação de factores de produção (L e K), ou seja, a produtividade. Escusado será dizer que estimar este modelo exige assumir uma série de outras previsões e modelos económicos que, eles próprios, precisam de estimativas.
Ainda se lembram onde íamos? Exacto, no cálculo do PIB Potencial, que será a conjugação destas três difíceis variáveis: Trabalho, Capital e Produtividade. É difícil reproduzir a metodologia que a Comissão Europeia utiliza, por isso, na verdade, a Comissão Europeia é dona do PIB Potencial.
Depois disto é necessário calcular o Output Gap.
·            Output Gap: é a diferença entre o PIB verificado (ou previsto) e o PIB Potencial. Esta diferença dá-nos uma ideia da fase do "ciclo" em que estamos. Se o PIB verificado estiver mais longe do PIB Potencial, então a economia está em crise. Qual é o problema? Imaginem que, por um dos problemas mencionados acima, as estimativas para o PIB Potencial descem. Então, automaticamente, o Output Gap desce também, e o défice estrutural aumenta.

São estas as previsões de longo prazo que constavam do Programa de Estabilidade e Crescimento (2015-2019):

Segundo este gráfico, a partir de 2020, sempre que a economia estiver a crescer a mais de 1% estará em "sobreaquecimento", e por isso o défice estrutural vai aumentar automaticamente por efeito do PIB Potencial. Mas vejamos de outra forma, mais uma vez usando os dados do PEC 2015-2019.

Do ponto de vista das taxas de crescimento, desde 2014 que a economia está "sobreaquecida", já que o PIB cresce muito mais que o Potencial, o que prejudica, como já foi dito, o saldo estrutural.
Finalmente
·            Um "ponderador": que nos dá o efeito que o Output Gap, que o ciclo,tem no saldo nominal. Chama-se "Cyclical Adjustment Parameter"calculado a partir da semielasticidade (através de uma derivada parcial) do saldo nominal em relação ao Output Gap – ou seja, teoricamente, como é que o saldo varia em função de alterações no ciclo. Aqui está a metodologia concreta utilizada.
Resta dizer que estas metodologias vão mudando ao longo do tempo, consoante vários debates e interesses. Só o Eurostat (e eventualmente a AMECO) possui as "rotinas" para correr estes modelos completos. E que todas elas dependem de várias previsões que, em si, não são estáveis.
Quatro: depois de calculado, as regras são sempre aplicadas?
Depois deste esforço técnico é preciso saber se as regras do saldo estrutural se aplicam de forma igual para todos os países, e a resposta é não. Vejamos três casos diferentes.
França
A Comissão abriu um Procedimento por Défices Excessivos em 2009 e recomendou que França corrigisse o défice nominal até 2012. Entretanto essa meta foi adiada para 2013, para 2015 e depois para 2017.
Quanto ao défice estrutural [4], ver um resumo no quadro acima.
 
Espanha
Espanha tem défices nominais superiores aos de Portugal. Deveria ter conseguido um défice de 6,5% em 2013, 5,8% em 2014, 4,2% em 2015, e 2,8 em 2015. Essa é a proposta do draft, mas a Comissão Europeia desconfia e diz que, em 2016, o défice ainda estará em 3,5%.
As previsões macroeconómicas são consideradas optimistas pela CE.
Quanto ao défice estrutural, ver um resumo no quadro acima.
Itália
Para 2016 a Itália está a propor um défice nominal de 2,2%, muito acima, segundo as palavras da Comissão Europeia, do objectivo de 1,8%.
Quanto ao défice estrutural, ver um resumo no quadro acima.
Áustria
A Áustria tinha previsto uma variação do défice estrutural de 0% em 2016. A Comissão Europeia requeria uma melhoria de 0,1pp. mas o esperado é que o défice aumente 0,4pp. Ainda assim, como nos casos anteriores, a Comissão Europeia aprovou o draft, declarando-o em risco de não conformidade.
Note-se que, em qualquer dos casos, os desvios nos ajustamentos estruturais são superiores ou equivalentes aos que estavam em cima da mesa em Portugal, que acabou por acordar com Bruxelas uma redução do défice em 0,3 pp. Por simples curiosidade, vale a pena comparar as previsões das diferentes instituições internacionais para a evolução do défice estrutural em Portugal:

Quando nem a Comissão Europeia, a OCDE e o FMI conseguem acordar na metodologia para determinar o défice, por que razão deveria o país sujeitar-se à arbitrariedade de Bruxelas?
Independentemente do ângulo, a resposta é sempre a mesma. Tanto na forma do seu cálculo, como na avaliação técnica que depois é feita do seu cumprimento, o défice estrutural é uma medida discricionária que serve um propósito claro: controlar politicamente os orçamentos nacionais, mesmo que cumpram genericamente as regras europeias, consoante a cor, direcção e poder do governo em causa.

Deputada do Bloco de Esquerda

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