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2019-11-15

 
A OEA e o golpe na Bolívia: eleição foi sem fraude, mas não aceitamos a vitória de Evo 

Por Ana Prestes.   11/11/2019 


 Foto ABI  


A onda de restauração conservadora chegou à Bolívia. Não de forma muito diferente de como se tem manifestado na América Latina desde o Golpe nas Honduras em 2009, mas com uma componente de violência acentuada. Não se trata de um golpe jurídico parlamentar como se deu no Paraguai e no Brasil, tem mais semelhança com a onda de violência e desestabilização que abalou a Nicarágua em 2018 ou com a tentativa de sequestro de Correa, no Equador em 2012 ou ainda com o golpe de 2002 na Venezuela, quando os opositores tomaram meios de comunicação e incendiaram as ruas. 

Mas vejamos como chegámos a esta situação em que hoje, 10 de Novembro, após ter sido vitorioso no pleito eleitoral de 20 de Outubro, Evo Morales, presidente da Bolívia, anuncia que o parlamento boliviano renovará os cargos dos juízes do Tribunal Eleitoral, por ter competência para fazê-lo, e novas eleições gerais serão convocadas, anulando-se assim os resultados de 20 de Outubro. Horas antes do anúncio, a OEA havia-se manifestado não reconhecendo o pleito após realização de auditoria da contagem dos votos. Na prática, a OEA, através de Luís Almagro fez seu papel, tal e qual nos outros países golpeados. 

Em que contexto económico nacional se deu o pleito de 20 de Outubro? 

As eleições na Bolívia correspondem ao apagar das luzes da segunda década do século XXI. Duas décadas marcadas por muitas transformações na América Latina. Um período em que se viveu o chamado ciclo de governos progressistas iniciado com a Eleição de Chávez como presidente da Venezuela em 1998 e seguiu vigoroso até à primeira derrota eleitoral importante, a de Cristina Kirchner na Argentina em 2015. Nesse meio tempo houve vários intentos de golpe e pelo menos dois com sucesso para os conservadores, nas Honduras e no Paraguai. De 2015 para cá a onda de restauração conservadora tomou mais corpo, especialmente como golpe no governo Dilma no Brasil e a eleição de Bolsonaro.

Fanático religioso, histriónico, corrupto: quem é “Macho” Camacho, empresário que encabeça o golpe na Bolívia? 

Evo chegou perto de ser eleito pela primeira vez em 2002, quando ficou em segundo lugar nas eleições de modo surpreendente para um país de sucessivos governos oligárquicos. Nas eleições de 2005 ele venceu com maioria absoluta, tornando-se o primeiro presidente de origem indígena. 

Quando Evo assume a presidência a Bolívia possuía um PIB de 5 biliões de dólares e uma dívida externa de igual valor. Já ao final de 2005 o PIB estava na casa dos 9 biliões e em 2018 de 40,8 biliões de dólares. Os governos dos “terratenientes” que o antecederam se ocupavam de utilizar o Estado para maior seu maior enriquecimento e dos seus familiares. Em 14 anos o governo Evo multiplicou por 8 o PIB do país. Uma das principais chaves da nova economia foi a mudança relativamente aos recursos naturais, em especial nos sectores agropecuário, mineiro, energético e de hidrocarbonetos. Com uma profunda nacionalização através da recuperação de empresas estratégicas, além do investimento misto, junto ao sector privado, na actividade económica das pequenas, médias e grandes empresas. Como consequência, refundaram politicamente o país e alteraram perfil de um Estado colonial para um Estado Plurinacional, com especial atenção ao movimentos indígenas e de mulheres. O resultado foi que um país que tinha 78,2% de pessoas na pobreza extrema, passou a ter menos de 15%, estabilizou num crescimento de 4% ao ano e chegou a um PIB per capita de 4 mil dólares, quando era de 900 dólares. 

Em que contexto político se deu o pleito de 20 de Outubro? 

A Bolívia é um país que enfrentou 193 golpes de Estado no período que vai desde os tempos de Bolívar e Sucre, heróis independentistas, em 1825, até 1982. Estabilidade política não é o comum no país, muito pelo contrário. E mais, instabilidade política sempre acompanhada de muita violência. De 84 governos, 32 foram conduzidos por ditadores. 

O Palácio de Quemados, sede da presidência e do qual observamos nos últimos dias o amotinamento dos guardas palacianos contra Evo, tem esse nome por ter sido incendiado em uma revolta popular em 1860. Com Evo e Linera, portanto, nos últimos 14 anos, a Bolívia viveu um dos mais longevos períodos de estabilidade política desde a independência, se não foi o maior. Durante esse período houve um princípio de guerra civil em 2008, instada pelos mesmos golpistas de hoje, sediados em Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija, na época também de El Beni e Pando. 

Qualquer um que olhasse o cenário, de estabilidade política, crescimento económico, extermínio da pobreza e melhora de outros indicadores sócio-económicos, poderia pensar que Evo levaria esta fácil. Com vitória arrebatadora. Ocorre que na política tudo são nuvens e quando você volta a olhar o céu, lá vem uma tempestade imprevista. A combinação da reorganização dos setores oposicionistas, animados com os ventos conservadores que vieram bater no continente (exemplo do Brasil) com a insatisfação de setores indígenas, por considerarem que Evo se aproximou demais do mercado e do agronegócio, os incêndios florestais pré-eleitorais e a não identificação de eleitores jovens (conhecemos esse filme) com o programa do MAS formou um cenário complicado para Evo. 

Por isso a vitória não foi avassaladora e capaz de fechar a fatura no primeiro turno. A estreita margem dos votos, principalmente do campo e meio rural, que garantiram os 10% de diferença entre Evo e Mesa foi o componente de tempestade perfeita que o imperialismo precisava para entrar com a intrometida colher da OEA e abrir as portas para o golpe. 

O impacto das queimadas. 

Um ponto importante do cenário e contexto pré-eleitoral foi o das queimadas florestais que alarmaram a Bolívia, em especial na Chiquitania, no mesmo período em que aqui no Brasil enfrentamos as queimadas na região da Amazónia. Enquanto aqui no Brasil o governo Bolsonaro fazia vista grossa para as queimadas, batia boca com Macron e rasgava dinheiro europeu, Evo foi pessoalmente para as áreas de queimadas, montou comitê de crise em barraca de campanha, pediu ajuda ao mundo inteiro, revelou tecnologias que poucos conhecíamos ao receber aviões tanque e outros tipos de apoio. 

Seria impossível no entanto que as queimadas não chamuscassem também a candidatura de Evo e dessem de bandeja argumentos para a oposição alvejar o líder indígena. Foram cinco as mortes decorridas do enfrentamento ao fogo, 4 bombeiros e um camponês, quatro milhões de hectares consumidos pelo fogo, sendo 12 áreas protegidas com grande biodiversidade de fauna e flora. Tudo isso justamente em Santa Cruz, sede do golpismo anti-Evo. 

As eleições. 

No dia 20 de outubro, mais de 7 milhões de eleitores estavam aptos a votar, tanto no país como no exterior (341 mil puderam votar fora do país). O pleito escolheria 1 presidente e seu vice-presidente, 130 deputados e 36 senadores para o mandato de 2020 a 2025. Para vencer e levar a presidência na Bolívia um dos candidatos deve fazer mais de 50% dos votos ou no mínimo 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais a frente do segundo mais votado. Caso contrário, há segunda volta. Os principais adversários de Evo (47,08%) foram Carlos Mesa (Comunidad Ciudadana) com 36,51%, Chi Hyun Chung (Partido Democrata Cristão), com 8,83% e Óscar Ortíz (Bolivia dice No), de Santa Cruz, preferido dos EUA, com apenas 4,26%. 

Quatro dias antes da eleição, Evo recebeu uma delegação da OEA na Casa Grande do Povo e logo manifestou via twitter: “damos as boas vindas à delegação de observadores da OEA que acompanham as eleições na Bolívia para verificar a transparência e legalidade do processo eleitoral”. A OEA enviou 92 observadores para as eleições bolivianas, sendo que parte desses se deslocou para acompanhar as votações em São Paulo, Buenos Aires e Washington. Apesar da receptividade com a OEA, que sabemos bem a serviço de quem anda “observando” os governos latino-americanos, a bandeira branca de Evo não funcionou muito e a violência se instalou já nos dias prévios às eleições. O encerramento da campanha do MAS em Santa Cruz foi um exemplo do que estava por vir. 

Passado o domingo 20, enquanto ainda se fechava o escrutínio das cédulas foram queimados os escritórios do Tribunal Eleitoral Departamental de Potosí e juízes eleitorais foram agredidos em Tarija, Chuquisaca, Oruro e La Paz. Foi derrubada uma estátua de Hugo Chávez em Riberalta e outros atos de vandalismo se instalaram pelo país. Os atos violentos tinham um conteúdo racista bastante particular da Bolívia, além de profundamente antidemocráticos. 

Enquanto isso sabe-se que funcionários o Departamento de Estado dos EUA que estão na Bolívia, Mariane Scott e Rolf Olson, mantiveram reuniões com diplomatas do Brasil, Argentina, Paraguai, Colômbia, Espanha, Equador, Reino Unido e Chile para coordenar um não reconhecimento dos resultados eleitorais. 
A OEA impôs uma auditoria e concluiu que “embora sem fraudes, o processo foi impreciso”, tradução = não reconhecemos a vitória de Evo. 

Dali em diante todos já conhecíamos o filme. O cenário do golpe estava montado: violência nas ruas, não reconhecimento do processo eleitoral por parte dos países da região, raposa instalada dentro do galinheiro: OEA. Só faltavam alguns elementos essenciais para a efetivação do golpe: forças de segurança e meios de comunicação. E foi justamente o que vimos nos últimos dias, amotinamento de forças policiais e tomada de rádios e tvs a força pelos golpistas. A que se dizer que o papel dos militares foi dúbio, mas a informações de que o próprio Evo decidiu não colocar o Exército nas ruas para não incrementar a violência e dar mais argumentos aos golpistas. 

O golpe. 

No dia de hoje Evo fez um pronunciamento que para uns soou como coragem e para outros como rendição. A ver o que a vida mostrará nas próximas horas. Anunciou aceitar o resultado da auditoria da OEA e a convocação de novas eleições. Além de sua anuência para que o parlamento troque os juízes do Tribunal Superior Eleitoral. Resta saber se as novas eleições terão entre os concorrentes Evo Morales, o presidente que tirou a Bolívia da situação de eterna colónia e deu a seu povo dignidade e oportunidade de desenvolvimento, nunca vistos naquele país. Enquanto escrevo já são noticiadas as novas chantagens golpistas e entre elas está o pedido de renúncia de Evo para que o país se pacifique. Evo apostou na paz, resta saber se isso basta para interromper a guerra. De todo modo, ele marcha suportado pela solidariedade de todo um continente que sabe o gigante que ele é. Fuerza Evo. 

2019-11-11

 

Golpe militar na Bolívia

"A queda de Evo Morales mostra que o império e seus aliados não descansam, mantendo-se sempre à espreita para agir contra aquelas lideranças que representam os interesses do povo", diz o colunista Paulo Moreira Leite



No dominó sul-americano, a Bolívia era a única peça que permanecia de pé, inabalável, após o vendaval imperialista que em pouco mais de  cinco anos modificou a paisagem política da região.  
Pela ordem cronológica. Em 2013, com a morte de Hugo Chávez, teve início a fase mais dura do bloqueio à revolução bolivariana, um garrote cada vez mais apertado no pescoço da Venezuela, que resiste, apesar de tudo, apoiada por um Exército que sustenta o governo Nicolas Maduro com uma fidelidade única na região. 
Em 2015, grandes escândalos midiáticos ajudaram derrotar o peronismo na Argentina, abrindo caminho para a  vitória de Maurício Macri. Em 2016, o projeto Lula-Dilma foi derrubado através de um golpe parlamentar, consolidado pela prisão de Lula em 2018. Em 2017, numa sórdida trama palaciana, Lenin Moreno desfez as conquistas de Rafael Correa para reconectar o Equador ao comando de Washinton. 
O golpe que forçou a renúncia de Evo Morales, presidente desde 2006, reeleito pela quarta vez, mostra que a selvageria política continua liberada na América do Sul.
Apoiado pelo Exército e pelas forças policiais encarregadas da segurança interna, o ataque final a um presidente que jamais foi derrotado nas urnas é um aviso aos navegantes da democracia e da soberania de povos e países dessa parte do mundo. A América do Sul segue como alvo de cobiça do império e seus ajudantes, capazes de empregar métodos implacáveis para conservá-la sob  seus domínios.
Não vamos nos iludir. O que está em jogo, no Chile de Pinochet-Pinera, no Brasil de Temer-Bolsonaro. na Argentina de Macri, não é o bem-estar do povo, nem o reforço das garantias democráticas, nem qualquer conceito mais evoluído sobre a condição humana. Apenas a submissão de uma região inteira, rica em minérios estratégicos e em recursos naturais, aos interesses e domínios de Washington. 
O golpe que derrubou Evo é a versão bem sucedida da operação liderada por Aécio Neves para impedir a posse de Dilma em 2015. Paralisada inicialmente, a manobra seria bem sucedida um ano e quatro meses depois. 
Tanto a vitória de Augusto Fernandez-Cristina Kirschner na Argentina, como a rebelião popular contra Pinera, no Chile e a libertação de Lula, no Brasil, mostram que a região não evolui de uma mesma maneira, nem numa única direção. Há uma imensa vontade de mudanças a favor dos explorados e excluídos, que tem feito girar a roda de mudanças numa direção favorável.   
A luta por uma Assembléia Constituinte ganha força e consistência no Chile. A liberdade de Lula é o ponto de partida para dar nova musculatura à oposição a Bolsonaro, até hoje desarticulada e sem uma voz capaz de falar pelas grandes camadas do povo brasileiro.
Mas a queda de Evo Morales mostra que o império e seus aliados não descansam, mantendo-se sempre à espreita para agir contra aquelas lideranças que representam os interesses do povo.
Alguma dúvida? 
Ligação para o 247 com notícias da América latina  >>>   NÍVEA CARPES
Diante de toda a destruição, onde a oposição não tem uma estratégia para o que enfrenta, o povo está anestesiado e as instituições foram destruídas, 

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