2022-01-04
O Homem é único... a matar o seu semelhante
Já repararam?
Não há animal tão perigoso e inimigo do seu semelhante como o bicho homem.Os coelhos atacam até à morte outros coelhos? E as galinhas e os milhafres e as águias? E os cães atacam e matam outros cães? E os lobos, os leões, os elefantes, as baleias, os crocodilos, os escorpiões, as abelhas, as formigas, as minhocas?
2022-01-03
Sócrates denuncia magistratura no DN de 2022 - 01- 03
Link: No Diário de Notícias
Carta aberta ao Conselho Superior da Magistratura
E a primeira divergência é a inacreditável
qualificação jurídica que o Conselho atribui a tal ato - "irregularidade
procedimental". Por um lado, não deixa de ser extraordinário que durante
cinco anos o Conselho andasse a defender o que agora classifica de
irregularidade. Mas o que é importante não é isso. O que é importante é que não
foi uma irregularidade procedimental, foi uma falsificação. O que aconteceu
naquele dia 9 de setembro foi uma trapaça jurídica com o objetivo de escolher,
de forma arbitrária, o juiz do caso. Um juiz conveniente. Um juiz parcial. Um
juiz capaz de ordenar a detenção no aeroporto por perigo de fuga quando estava
a entrar no país e não a sair; um juiz disponível para colaborar com o festim
da violação de segredo de justiça que se seguiria; um juiz sem pudor de fazer
indecentes insinuações a propósito do principal visado numa entrevista televisiva.
Acontece que o processo envolvia um antigo primeiro-ministro, o que coloca
imediatamente em cima da mesa a motivação política. Irregularidade
procedimental? Não, senhores conselheiros, o que aconteceu não foi uma
irregularidade, mas uma manipulação gravíssima da escolha do juiz por forma a
tornar o todo o processo judicial num jogo de cartas marcadas. Os motivos são
claros e as vítimas muito concretas. Entre essas vítimas está também a
credibilidade do sistema judicial.
Esta manipulação remete direitinha para um dos
princípios mais importantes do direito democrático - o princípio do juiz
natural, o qual, segundo o Tribunal Constitucional, constitui "uma das
garantias constitucionalmente consagradas do arguido". Garantias
constitucionais, é disto que estamos a falar, não de irregularidades
processuais. E quando se põe em causa as garantias constitucionais dos cidadãos
é a legitimidade do poder judiciário que é afetada. Eis o que tenho a dizer
sobre as vossas "irregularidades processuais".
O
tribunal de exceção
No entanto, o aspeto mais chocante no vosso relatório
é a desresponsabilização dos juízes que prestavam serviço naquele tribunal. É
facto assente que não houve sorteio eletrónico e é facto assente que nenhum
juiz esteve presente nos atos de distribuição de processos. Dos dois
imperativos legais da distribuição, nenhum deles foi cumprido. Durante um longo
período e tendo perfeita consciência da lei, nenhum dos dois juízes fez nada
para corrigir a situação. Sabiam e nada fizeram. E o que é absolutamente
escandaloso é que os dois juízes descartem qualquer responsabilidade pelo que
se passou - não era com eles, não sabiam, nada viram, não se interessaram. A
avaliar pelos seus depoimentos, a questão da distribuição não passava de uma
questão de intendência, sem dignidade para ocupar lugar nas preocupações dos
senhores magistrados. Não havia escalas de distribuição, diz um deles. Sim, os
processos caíam-lhes simplesmente nas mãos e era quanto bastava. E, no entanto,
os dois juízes conheciam a lei - sabiam que a lei impõe a presidência de um
juiz na distribuição e sabiam que a lei ordena que esta seja "realizada
por meios eletrónicos, os quais devem garantir aleatoriedade no
resultado". O descarte de responsabilidades é absolutamente revoltante.
Mas mais revoltante ainda é que o Conselho Superior da Magistratura normalize
essas práticas.
E
o encobrimento
O que resulta absolutamente evidente do mapa de
distribuições daquele tribunal é que os chamados "processos
mediáticos" foram fraudulentamente atribuídos ao juiz Carlos Alexandre.
Essas "atribuições manuais" foram feitas pela escrivã Teresa Santos,
que foi colocada no tribunal por "sugestão" do senhor juiz Carlos
Alexandre. Acontece também que a senhora escrivã começou a prestar serviço
naquele tribunal exatamente no dia 1 de setembro, dia em que o tribunal passou
a ter dois juízes e dia também em que a distribuição de processos passou a ser
necessária. Oito dias depois de entrar ao serviço decidiu começar a longa lista
de falsificações entregando ao juiz Alexandre o processo Marquês.
Aqui chegados e guiados pelos factos, devemos colocar
seriamente a suspeita de que a fraude tenha tido motivação política e que a
dita "atribuição manual" do processo tenha sido feita por forma a
agradar ao juiz, beneficiando-o na sua carreira e na sua vaidade. Quando o
vosso relatório fala de "critérios que não foi possível apurar", eles
estão mesmo à frente dos olhos - a vaidade, a carreira e a motivação política.
A motivação política para perseguir o inimigo político; a vaidade de construir
a biografia do juiz herói. Os aspetos políticos dessa biografia são hoje
absolutamente evidentes - desde as páginas eletrónicas da extrema-direita que
aclamam o juiz até ao convite para discursar ao lado do seu antigo colega Sérgio
Moro nas conferências do Estoril. Quanto à obtenção de benefícios ilegítimos,
julgo que é suficiente. No que toca a prejuízos talvez devam perguntar às
dezenas de vítimas que naquele tribunal nunca tiveram direito a juiz natural.
Ao ler este vosso relatório a primeira ideia que me
vem ao espírito tem que ver com os primeiros comunicados da Igreja Católica a
propósito do abuso de menores. A Igreja demorou a aprender. Espero que o
sistema judicial não leve tanto tempo a perceber que o encobrimento só agrava as
coisas, não as resolve.
Ericeira, 29 de dezembro de 2021
Antigo primeiro-ministro