2004-06-07
Dalila Mateus, o jornal PÚBLICO e o Genocídio, ou os mecanismos de evitamento para certos temas.
Sob a espuma dos dias, há alguns temas cuja ausência ensurdecedora é de vez em quando compensada por uma presença patética. Vem isto a propósito da nossa dificuldade em falar da guerra colonia que Portugal sustentou sobretudo em Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974).
Bem vêem, falar disso em plena campanha eleitoral para o Parlamento Europeu pode parecer de mau gosto, de incompreensível luso-masoquismo e desincentivação do espírito positivo e patriótico que graças a iniciativas como o Euro-2004 e o Rokc In Rio, nos granjeará a nacional auto-estima que escasseia.
Todavia, ao ler a secção de Cartas ao Director do jornal PÚBLICO de ontem (domingo, 6 de Junho de 2004) fiquei atónito.
Dalila Cabrita Mateus apresentou recentemente no ISCTE, - Lisboa, provas de Doutoramento em História. "A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961-1974)" é o título da dissertação. O PÚBLICO entrevistou-a em 29 de Abril p.p. (entrevista recolhida por Isabel Braga). Citando um relatório elaborado por uma Comissão de Inquérito da ONU em 1973, Dalila Mateus lembrava o libelo traçado contra o Governo Português. Aquela comissão concluía que Portugal era responsável por “uma política de genocídio”.
Poucos dias depois, a 16 de Maio, o Provedor do Leitor daquele jornal, Joaquim Furtado, publica a interpelação de um leitor que acusa a historiadora de “falta de rigor”.
Ora bem!, aí está um passo dado para a discussão mais aberta do tema. Não? Não.
Não porque, primeiro, a historiadora não foi ouvida; segundo, o jornal PÚBLICO não deu à estampa o seu texto de esclarecimento em que recordava, uma vez mais, que a qualificação “política de genocídio” não decorria de qualquer liberdade interpretativa, mas tão somente do rigor documental que a levara a citar o referido relatório da Comissão de Inquérito da ONU.
Finalmente, ontem, na secção de Cartas ao Director, (pág. 14) lá vinha a autora a protestar contra esta generalizada má vontade em discutir o tema.
Bom!, mais vale tarde do que nunca, dir-se-ia...
Mas não.
Logo a seguir ao texto da autora, um sibilino N.D. que se pode supor ser uma Nota do Director, discute o sentido do termo “genocídio”, opondo a definição dada pelo Dicionário Porto Editora ao estatuído pelo Grande Dicionário de Língua Portuguesa invocado pela autora.
Se tiverem um tempinho leiam. Depois, se tiverem ânimo para continuar a discussão, digam-me o que lhes parece.
Será que o PÚBLICO está a facilitar ou a dificultar a discussão de um dos mais obscuros períodos da História?
Será suficiente para as novas formas de censura tentar pôr os dicionários a falar uns com os outros?
Há casos em que o próprio jornal reconhece que errou. Um título minúsculo, no canto inferior direito de uma página par, faz um tímido mea culpa convindo que “O PÚBLICO ERROU”.
Sugiro, então, uma outra rubrica “O [ N.D. do] PÚBLICO passou ao lado”.
Comments:
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Estou totalmente de acordo. Agora fico à espera de um post sobre o nosso prémio Nobel. Não, não é este é o outro Nobel o primeiro Nobel português.
Obrigado João. Li no Bota a Cima o tratamento que deste ao tema (muito mais informativo e bem escrito) e gostei. Aquele abraço.
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