2004-08-21
Enigmas à solta (4)
Lendo a manchete do DN de ontem, pode pensar-se que José Sócrates afirmou algo que o coloca na posição arrogante de quem já não quer aprender mais nada sobre socialismo, não aceitando, portanto, «lições» de ninguém. Por razões que já apontei em posts anteriores, não confio que Sócrates seja capaz de mobilizar e viabilizar o que mais aproxima o PS das suas nebulosas referências socialistas. Logo, o meu preconceito anti Sócrates impou com a leitura do que parece, à primeira vista, uma frase do entrevistado extraída do texto da entrevista.
De outro modo, porque apareceria a fotografia dele ao lado da frase que lhe é atribuída?
Tudo isto porque a afirmação me pareceu coerente com a arrogância (onde muitos benevolamente preferem ver firmeza) de que faz prova de tempos a tempos...
Porém, desta vez, enganei-me.
Lendo a entrevista, nas interiores, (também disponível aqui), não se vislumbra aquela afirmação. O que lá está mais aproximado é (trecho vermelho)
«DN - Tem esquerda a menos ou é Alegre que tem esquerda a mais?
JS - A esquerda da proclamação, da retórica dos princípios, que apenas se revê na declamação dos seus valores não serve as pessoas. Eu pertenço a uma esquerda que quer aplicar os seus princípios na governação e aceita essa responsabilidade. Dentro do PS, ninguém dá lições de socialismo a ninguém. A nenhum socialista. No PS não há nenhum guiché que passe certificados de socialismo. O fantasma de descaracterização ideológica não passa de uma fantasia de quem se acha no direito de decidir o que é de esquerda.»
Apesar de achar estranho que hoje, no PS, já ninguém dê nem receba «lições de socialismo», reparo que, pela enésima vez, a frase reproduzida na capa do DN, entre aspas, atribuída a alguém, não é mais do que uma adaptação livre do que, em nome da redacção, alguém entende mais apropriado, mesmo ao arrepio do rigor mínimo que traça a linha de fronteira entre a notícia e a fictícia.
O DN dá-nos, assim, três claros exemplos de parcimónia:
1) No dia em que Manuel Alegre apresenta publicamente a sua moção de estratégia (tudo levaria a crer que era essa a notícia), a matéria é remetida para a página 6, com uma subalterna chamada de 1ª página, ameaçadora e disfórica «Alegre lança confronto ideológico»;
2) A fotografia da capa é para José Sócrates e a pseudo-afirmação que serve de manchete, também;
3) Como se tudo isso não fosse já mistificação bastante, selecciona a foto em que se acentua a rigidez da expressão de Sócrates nos olhos levemente semicerrados, e endurece-lhe a resposta (a Manuel Alegre? à esquerda do PS?) com algo que o candidato não diz na entrevista.
Quem será o candidato a SG (e a 1º Ministro) do DN?
O da capa ou os das interiores?
Será esta a postura e o estilo que os apoiantes de José Sócrates preferem?
Espero que não.
Será este mais um exemplo de um jornalismo em queda desorientada?
Decerto sim.
Comments:
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Afinal está o ilustre Manuel Correia contra Sócrates ou contra o Diário de Notícias? Em que ficamos?
Luis Porfírio
Luis Porfírio
Acho que o Manuel Correia por vezes se precipita nas suas respostas. Sou franco, até acho que ele coloca, dá o peito a questões importantes, mas como não conseguiu ainda superar uma certa costela muito forte de uma certa esquerda(não somos perfeitos e há marcas que nos marcam muito)põe com alguma frequ~encia o pé na poça. Interrogo-me se está com o PS alegre, se está não percebo onde. Acho que sou de esquerda, mas Manuel Alegre que é de esquerda não tem o mínimo de condições para alguma vez ser candidato a candidato de Primeiro Ministro de Qq país. Comno cidadão, como político, acho que é uma voz contestária que marca este país, mas desculpem a expressão, "cada macaco no seu galho".
Ana Esteves
Ana Esteves
____________________________________
Um esclarecimento a Luis Porfírio: não sou apoiante de nenhum candidato a SG do PS. Não me sentiria prejudicado se qualquer um dos concorrentes ganhasse. Exprimo as minhas opiniões com o mesmo estatuto que parece ter o Luis Porfírio. Também não sou contra o DN. Leio-o com interesse e, às vezes, reajo.
Se a Ana Esteves não se importar, eu reencaminho a conversa para as questões suscitadas no post. Diga-me: o que acha do tratamento diferenciado que mereceram os candidatos a SG do PS?
Registo a sua opinião (de esquerda) sobre Manuel Alegre.
Quanto à história das costelas, faço-lhe uma confidência: apesar das aparências poderem indicar o contrário, nenhum dos blogueiros do PUXA-PALAVRA perdeu qualquer costela nos últimos cinquenta anos. Por isso, está a ver?, se a Ana também não perdeu, não é por aí que nos vamos diferenciar.
O POLITTIKUS (obrigado pela visita e participação) faz uma previsão. Felizes os que vêem tão claramente o futuro. Quanto aos resultados, ainda tenho dúvidas.
Um esclarecimento a Luis Porfírio: não sou apoiante de nenhum candidato a SG do PS. Não me sentiria prejudicado se qualquer um dos concorrentes ganhasse. Exprimo as minhas opiniões com o mesmo estatuto que parece ter o Luis Porfírio. Também não sou contra o DN. Leio-o com interesse e, às vezes, reajo.
Se a Ana Esteves não se importar, eu reencaminho a conversa para as questões suscitadas no post. Diga-me: o que acha do tratamento diferenciado que mereceram os candidatos a SG do PS?
Registo a sua opinião (de esquerda) sobre Manuel Alegre.
Quanto à história das costelas, faço-lhe uma confidência: apesar das aparências poderem indicar o contrário, nenhum dos blogueiros do PUXA-PALAVRA perdeu qualquer costela nos últimos cinquenta anos. Por isso, está a ver?, se a Ana também não perdeu, não é por aí que nos vamos diferenciar.
O POLITTIKUS (obrigado pela visita e participação) faz uma previsão. Felizes os que vêem tão claramente o futuro. Quanto aos resultados, ainda tenho dúvidas.
Meu caro amigo Manuel Correia
Tens todo op direito de não gostar do Sócrates, e gostos não se discutem. Aliás, tu próprio afirmas que se trata de um preconceito anti-Sócrates, Estamos esclarecidos.
Não vale a pena, por isso, querer fundamentar o preconceito recorrendo a argumentos, em minha opinião, muito pouco consistentes.
Por exemplo, não acredito que não tenhas compreendido o que Sócrates quiz dizer quando afirmou que "Dentro do PS ninguém dá licões de Socialismo a ninguém" , pelo que não vale a pena querer jogar com as palavras. Também Manuel Alegre já disse muitas vezes que não recebe lições de democracia de ninguém, e penso que qualquer pessoa de boa fé percebe o que ele quer dizer.
Também não vale a pena fazer como Mário Soares na entrevista a que te referes no Enigmas à Solta (3): criticar pontos de vista como se eles fossem de José Sócrates, embora sem o afirmar explicitamente, sem dar um único exemplo de que tais opiniões tenham sido, efectivamente, alguma vez defendidas por José Sócrates.
Assim não vale.
Tens todo op direito de não gostar do Sócrates, e gostos não se discutem. Aliás, tu próprio afirmas que se trata de um preconceito anti-Sócrates, Estamos esclarecidos.
Não vale a pena, por isso, querer fundamentar o preconceito recorrendo a argumentos, em minha opinião, muito pouco consistentes.
Por exemplo, não acredito que não tenhas compreendido o que Sócrates quiz dizer quando afirmou que "Dentro do PS ninguém dá licões de Socialismo a ninguém" , pelo que não vale a pena querer jogar com as palavras. Também Manuel Alegre já disse muitas vezes que não recebe lições de democracia de ninguém, e penso que qualquer pessoa de boa fé percebe o que ele quer dizer.
Também não vale a pena fazer como Mário Soares na entrevista a que te referes no Enigmas à Solta (3): criticar pontos de vista como se eles fossem de José Sócrates, embora sem o afirmar explicitamente, sem dar um único exemplo de que tais opiniões tenham sido, efectivamente, alguma vez defendidas por José Sócrates.
Assim não vale.
Talvez tenha sido um pouco rude no meu comentário. Admito. Não só o acho algo desabrido qdo o contrariam pelas ideias, como utiliza a técnica de torcer as frases para tentar levar a água ao seu Moinho. Acho que isso assim não vale: Há que ser mais aberto no debate: Um bom confronto de ideias é saudável, qdo sem estratagemas. Sou de esquerda, embora tentando romper com a esquerda tradicional (o que não é fácil, pois há uma matriz condicionadora) que, tendo perdido o seu espaço, não soube avançar não só com causas novas que as há e muitas (os nossos filhos não pensaem e ainda bem como nós, o que nos deve preocupar mto pela positiva)e métodos novos. Talvez aqui esteja a nossa diferença.
Ana Esteves
Ana Esteves
Amigo Mário Lino,
Tu achas que estamos conversados acerca do meu preconceito anti-Sócrates. Eu não tenho a certeza. Porquê? Porque eu procedi com lisura fazendo a demonstração de como até Sócrates, (contra quem eu «gritei» ao lado de muitos socialistas, no Barreiro, quando nos quis impingir uma estação de pré-tratamento no interior da malha urbana), podia ser vítima de um tipo de jornalismo que deturpa o discurso do entrevistado e tenta enganar os leitores atribuindo-lhe declarações que não fez ou, pelo menos, formulações que não utilizou. Nesse ponto, estou ao lado de Sócrates ou de qualquer pessoa vítima desse tipo de distorção. Estou ao lado de todos (mesmo dos que considero meus adversários, mesmo das pessoas contra as quais tenho preconceitos...) na defesa desse direito básico que é não distorcerem o nosso discurso.
Não reparaste que o meu post era, antes de mais, sobre isso? Como conseguiste extrair de um post que visa sobretudo a crítica dos media, um deslustre de Sócrates?
Quanto à manchete do DN, que é falsa, como quanto ao conteúdo da entrevista, na parte que tem a ver com a manchete falsa, digo-te, eu nunca seria capaz, depois de ser contrariado por alguém, em qualquer circunstância (portanto, também aqui no nosso blog) de dizer «Não tenho lições de (seja o que for) a receber de ninguém». Sabes porquê? Porque intimamente sei que ainda tenho muito a aprender e não faço ideia de quem vai ter a paciência, a resistência, a fraternidade e a oportunidade de me ensinar. Espanto-me, por isso, que no PS, pelo menos para alguns, tenha ficado a ideia de que o socialismo é algo que já não se ensina, não se aprende. A minha humildade perante todas as formas de adquirir novos conhecimentos, não me permite compreender esses arroubos.
Um abraço interblogueiro.
=======================================
Cara Ana Esteves,
Não levei a mal nada do que disse a meu respeito. Acho até que se exprime com elegância. Agradeço-lhe a boa vontade de vir à conversa e de, sobretudo, saber mantê-la.
Fiz-lhe uma pergunta no comment anterior a que não me respondeu. Lamento. A conversa também se pode fazer nos dois sentidos. A Ana dá-se ao trabalho de me caracterizar, o que agradeço, mas não fez o favor de apontar, substancialmente, o que é que nos pontos de vista que eu apresentei, parece mais ou menos consistente. Sem lhe pedir que evite outro tipo de comentários (todos ele são bem vindos) ouso pedir-lhe que converse também um pouco acerca da matéria dos posts.
Cordialmente.
Tu achas que estamos conversados acerca do meu preconceito anti-Sócrates. Eu não tenho a certeza. Porquê? Porque eu procedi com lisura fazendo a demonstração de como até Sócrates, (contra quem eu «gritei» ao lado de muitos socialistas, no Barreiro, quando nos quis impingir uma estação de pré-tratamento no interior da malha urbana), podia ser vítima de um tipo de jornalismo que deturpa o discurso do entrevistado e tenta enganar os leitores atribuindo-lhe declarações que não fez ou, pelo menos, formulações que não utilizou. Nesse ponto, estou ao lado de Sócrates ou de qualquer pessoa vítima desse tipo de distorção. Estou ao lado de todos (mesmo dos que considero meus adversários, mesmo das pessoas contra as quais tenho preconceitos...) na defesa desse direito básico que é não distorcerem o nosso discurso.
Não reparaste que o meu post era, antes de mais, sobre isso? Como conseguiste extrair de um post que visa sobretudo a crítica dos media, um deslustre de Sócrates?
Quanto à manchete do DN, que é falsa, como quanto ao conteúdo da entrevista, na parte que tem a ver com a manchete falsa, digo-te, eu nunca seria capaz, depois de ser contrariado por alguém, em qualquer circunstância (portanto, também aqui no nosso blog) de dizer «Não tenho lições de (seja o que for) a receber de ninguém». Sabes porquê? Porque intimamente sei que ainda tenho muito a aprender e não faço ideia de quem vai ter a paciência, a resistência, a fraternidade e a oportunidade de me ensinar. Espanto-me, por isso, que no PS, pelo menos para alguns, tenha ficado a ideia de que o socialismo é algo que já não se ensina, não se aprende. A minha humildade perante todas as formas de adquirir novos conhecimentos, não me permite compreender esses arroubos.
Um abraço interblogueiro.
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Cara Ana Esteves,
Não levei a mal nada do que disse a meu respeito. Acho até que se exprime com elegância. Agradeço-lhe a boa vontade de vir à conversa e de, sobretudo, saber mantê-la.
Fiz-lhe uma pergunta no comment anterior a que não me respondeu. Lamento. A conversa também se pode fazer nos dois sentidos. A Ana dá-se ao trabalho de me caracterizar, o que agradeço, mas não fez o favor de apontar, substancialmente, o que é que nos pontos de vista que eu apresentei, parece mais ou menos consistente. Sem lhe pedir que evite outro tipo de comentários (todos ele são bem vindos) ouso pedir-lhe que converse também um pouco acerca da matéria dos posts.
Cordialmente.
O senhor Manuel Correia tem um fétiche qualquer com o DN. Mas isso resolve-se. Não o leia..se lhe faz assim tanto mal. Quanto à candidatura de José Sócrates, e comparando-a com as outras duas, ele é a solução para o PS. E o PS precisa de uma nova geração, actualizada e capaz de dar o salto. Já não há paciência para as tontices de João Soares que perdeu arrogantemente a Câmara de Lisboa oferencendo-a de bandeja ao PSD. Se hoje Santana Lopes é 1º ministro, se temos de aturar o governo que temos, temos de agradecer, em muito, à insensatez de João Soares que deu o protagonismo que Santana tanto precisava e o PSD, em geral, ambicionava. Ou será que já se esqueceram que a saída de Guterres tem tudo a ver com a derrota do PS nas autárquicas, sobretudo em Lisboa, Porto e Coimbra?
Os portugueses começam a ter pouca paciência para aturar dinastias, poses de herdeiros do trono...Ai os republicanos aristocratas! Quanto a Manuel Alegre, respeito o seu passado mas o excesso de revivalismo, o auto-elogio pelos feitos, ou serão efeitos (?), do passado, cansam. Alegre parece querer potenciar um mal português. Mas não precisa. Portugal já vive, há séculos, à sombra dos heróis de 1500. Chega!
Manuel dos Santos
Os portugueses começam a ter pouca paciência para aturar dinastias, poses de herdeiros do trono...Ai os republicanos aristocratas! Quanto a Manuel Alegre, respeito o seu passado mas o excesso de revivalismo, o auto-elogio pelos feitos, ou serão efeitos (?), do passado, cansam. Alegre parece querer potenciar um mal português. Mas não precisa. Portugal já vive, há séculos, à sombra dos heróis de 1500. Chega!
Manuel dos Santos
Não há Imprensa independente. Os jornais, as televisões, deveriam assumir publicamente a sua linha política, os candidatos que defendem. Acto de lealdade para com os seus leitores. Não há mal nenhum. Antes pelo contrário. A fantasia da isenção é um disparate, uma cobardia, que esconde demasiados interesses para não dizer "TODOS", e a maior das santas hipocrisias. Ter opinião não é um privilégio. É um dever que a liberdade exige.
Ana Maria
Ana Maria
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Manuel dos Santos, a quem agradeço o comentário peremptório e acutilante, opina que o meu «problema» se resolveria deixando eu de ler o DN. Bom. Tentarei. O conselho é tentador, porém não sei se serei capaz... De seguida, expõe os seus pontos de vista, inequívocos e lacónicos, mostrando que é uma pessoa sem dúvidas. Parabéns. É de gente assim que precisamos para abreviar discussões e cada um ficar na sua. No fim da sua prosa, remata com um derradeiro «Chega.». Foi a única parte que não percebi. Lamento. Não sei onde quer «chegar».
Estou de acordo com Ana Maria quanto ao fundo da questão. Entretanto, como não podemos «impor» um modelo «confessional» de jornalismo, resta-nos apontar quando o rei vai nu; denunciar as distorções mais grosseiras e exercer os nossos direitos de crítica. Pensando melhor, talvez não acolha a sugestão de Manuel dos Santos. Devemos continuar a ler todos os jornais que pudermos. O DN também. Apesar de tudo, vale a pena.
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Manuel dos Santos, a quem agradeço o comentário peremptório e acutilante, opina que o meu «problema» se resolveria deixando eu de ler o DN. Bom. Tentarei. O conselho é tentador, porém não sei se serei capaz... De seguida, expõe os seus pontos de vista, inequívocos e lacónicos, mostrando que é uma pessoa sem dúvidas. Parabéns. É de gente assim que precisamos para abreviar discussões e cada um ficar na sua. No fim da sua prosa, remata com um derradeiro «Chega.». Foi a única parte que não percebi. Lamento. Não sei onde quer «chegar».
Estou de acordo com Ana Maria quanto ao fundo da questão. Entretanto, como não podemos «impor» um modelo «confessional» de jornalismo, resta-nos apontar quando o rei vai nu; denunciar as distorções mais grosseiras e exercer os nossos direitos de crítica. Pensando melhor, talvez não acolha a sugestão de Manuel dos Santos. Devemos continuar a ler todos os jornais que pudermos. O DN também. Apesar de tudo, vale a pena.
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