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2004-08-16

 

Modelo Político

Recebi do coronel Fontão o texto que pelo seu interesse abaixo publico. José Fontão é coronel de Infantaria na reforma e foi um dos "capitães" que participou na revolução do 25 de Abril de 1974. As aspas em capitães devem-se ao facto de que, na realidade, ele já era então major e um dos raros oficiais superiores que não receou arriscar liberdade e carreira quando esta já se encontrava garantida. Fontão era oficial de uma importante unidade de Lisboa o Batalhão de Caçadores 5 e teve um importante papel na revolução garantindo a participação da sua unidade ao lado do Movimento das Forças Armadas e também a tomada do Quartel General do Governo Militar de Lisboa.
Eis o texto de Fontão:

As minhas dúvidas sobre o nosso modelo político foram aumentando com o tempo, sem nunca colocar em causa o princípio fundamental da separação de poderes e o significado insubstituível das votações eleitorais.
Creio que a solução encontrada depois do 25 de Abril foi inspirada numa filosofia democrática bastante pura em que o papel dos Partidos, de que o País estava ávido, era tido como chave.
O seu teor era, portanto, de natureza estritamente política, a que foi dada forma técnica por especialistas da área jurídica.
De fora terão ficado muitas considerações sociológicas e históricas, como também uma discussão mais aprofundada de outros modelos, muito provavelmente, porque os partidos de esquerda teriam preconceitos nesta matéria.

O que tem mostrado a realidade?
- A I República, assente no mesmo modelo, foi o que se viu.
- A Ditadura fez a sua cosmética como mais lhe convinha e não prescindiu de um Presidente, apesar de não servir para nada.
- As crises geridas pelos vários Presidentes depois do 25 de Abril funcionaram sempre a favor da direita e que ganhou a democracia com isso?
- A mecânica partidária com a submissão dos deputados e da Assembleia da República à disciplina partidária, os arranjos políticos, asfixiam a verdadeira democracia. Os cidadãos refugiam-se na abstenção e na punição das más governações, em vez de optarem por políticas bem enunciadas.
- O próprio funcionamenton interno dos partidos é uma fraude democrátca. Um velho socialista dizia-me que as decisões numa Secção eram tomadas pelo telefone com os amigos e o António Capucho gabou-se de mobilizar o Partido com uma pequena lista telefónica.
- A invenção das juventudes partidárias tornou-se uma obscena via de carreirismo e proteccionismo político. Uma sua dirigente insurgia-se contra um apelo à austeridade, segundo ela, uma "ideia antiquada". Nascida em cama política já feita, nunca soube, nem quer saber de austeridade e agora, no poleiro em que está,que socialismo é o dela? ( Como militante do PS, estou pronto a participar num movimento para extinção da Juventude Socialista ou, em alternativa, a fundar um Movimento Socialista Sénior acima dos quarenta anos).

Em Portugal o presidencialismo ainda hoje é visto à luz da aventura de Sidónio Pais , como dizia o seu amigo Egas Moniz, " Homem cheio de qualidades que um desvario messiânico perdeu" e é bom não esquecer que a sua popularidade resultava do domínio político bipartidário. Hoje não há essa "Santa Aliança" mas haverá o mesmo descrédito e pior desinteresse. O apodrecimento da situação que pode ter sido favorecido por esta decisão presidencial colocando os dois grandes partidos em banho-maria é, por isso, perigosa.
Estranhamente, muitas grandes potências governam-se bem com o presidencialismo e a Austrália anda de vento em popa sem presidente e com uma falsa rainha. O seu forte movimento republicano já deve ter percebido que se vive bem sem casas reais ou casas presidenciais ( segundo me dizem, um livro de memórias do General Azeredo, ajuda ao descrédito das "passeatas" oficiais).
Será bom também não esquecer que o movimento republicano, da minha total simpatia,não triunfou tanto pelos seus méritos e muito mais pela inépcia dos governos monárquicos.A democracia pode estar a sofrer uma erosão parecida.

Uma análise que estará por fazer é a da qualidade das elites que ascenderam depois do 25 de Abril, nomeadamente a da elite política. Um nosso analista, cujo nome não me ocorre, acentuava que o problema de Portugal, depois do Marquês de Pombal, foi sempre a inexistência de uma boa classe dirigente. Se calhar, continua a ser verdade.

Em conclusão: não estou a defender o presidencialismo se bem que ele deve ser visto sem preconceitos. O que principalmente combato são os vícios instalados na democracia portuguesa e noutras que se regem pelo mesmo figurino.A discussão precisa de ser muito ampla e sem teias de aranha.

José Fontão


Comments:
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Acho que José Fontão tem razão em vários aspectos. Para desenvolver, com brevidade, apenas um, parece-me que uma revisão, em alta, dos poderes do PR, ajudaria a regular democraticamente o péssimo desempenho da AR na viabilização e fiscalização dos governos. Os chefes dos partidos, em vez de valorizarem a vida parlamentar, apresentam-se com o rótulo convencional de "candidatos a primeiro ministro". Se vencem as eleições, chefiam os governos e a maioria parlamentar, donde a paranoia das "maiorias absolutas" a todo o custo. Com esta hipertrofia dos poderes do executivo, acho que o maior envolvimento do PR poderia contribuir para o reequilibrio do nosso sistema político e, quiçá,
devolver algum interesse à política.
 
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