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2004-08-26

 

Relativizando as Ideias (VIII)

Na terça feira, João Miguel Tavares, na coluna DN - geração de 70 - escrevia sobre a mulher e a igreja: para a igreja não existem realmente mulheres, o que existe são mães ou virgens.

Tentando aplicar frase lapidar, mas cheia de significado e visão da história ao “sistema socialista” que “se esboroou” e aonde os movimentos de libertação foram beber o seu pensamento e os seus passos de acção, por opção, livremente (embora sobre isto se possam colocar “algumas questões”), é minha opinião que, naquele sistema, também o Homem não existiu, existiu o “fervoroso” comunista.

Isto não é uma resposta ao João Tunes ou ao amigo moçambicano para justificar a situação, vivida em Moçambique, Angola, etc. É mais um elemento de enquadramento na tentativa de subir alguns degraus na compreensão de todos aqueles fenómenos complexos.

E se a Leste, apesar de mais desenvolvido e de mais sólido, sem passado colonial, deu o que deu - as guerras, o caos, a queda do nível de vida, o regresso mesmo a situações de pobreza impensáveis, leva-nos a questionar: tudo isto porquê?

No fundamental, porque se tratavam de sociedades, em que, quem falhou foram os regimes políticos na sua globalidade (concepção, teoria/doutrina, formas de acção), independentemente, de poder haver uns mais culpados que outros, de entre as elites governantes. E o que falhou foi impedir-se a participação das pessoas de forma ampla e livre na vida política, económica e social. Numa palavra não se deixou respirar, crescer e fortalecer a sociedade civil.

É evidente que “as guerras” de ontem e de hoje no centro e leste europeu têm uma base de descontentamento de alguns povos. Mas não podemos ser tão ingénuos para não ver aí também uma mãozinha (e que mãozinha!) de algumas potências ocidentais.

Em Africa, fenómenos deste tipo existem e a “exploração” do estado latente de descontentamento das etnias, sem querer entrar em domínios que não domino, também foram usados.

Enfim, meus amigos, há aqui muito para pensar.

Comments:
Você tem sido espicaçado e está a aguentar-se muito bem, com uma argumentação de quem tem amadurecido as questões. De qualquer modo, desafio-o a falar, se assim o entender, dos objectivos (de que nunca falou directamente) que se dizia que aquele tipo de socialismo conduziria. No nosso tempo do Quelhas era esse o tema de conversa na velha cantina, sobretudo ao jantar. Será que você agora acha que era tudo lirismo? Estou à vontade, pois a minha evolução política foi bastante diferente e de há muito olho o mundo com outros olhos. Lirismos mesmo só com os nossos vinte anos.Um abraço.
C.Pedro
 
Não consigo identificar o C. Pedro só com este comment. Com esta latitude conheço vários C. Pedros da nossa cantina, onde até havia uma grande e sadia camaradagem designadamente com muitos colegas das colónias. O convívio da noite era, em quase tudo, diferente do do almoço, pois a população do jantar era a desenraizada da cidade, essencialmente das ilhas, das colónias e os não lisboetas. Acho que funcionou um pouco de "escola" ao lado da escola até porque havia uma grande maioria ligada ao movimento associativo e muito malta com uma consciência cívica e política bem arreigada.Mas não fujo a dar uma resposta q.b. Muitos dos valores que aprendi no convívio da cantina continuo com eles. alguma utopia é preciso
 
Caro João Abel, estávamos a falar de Angola (mais das restantes antigas colónias) e da herança do "socialismo científico" e julgo que devemos continuar nessa para não perder de vista o oportuno tema que trouxeste para a discussão. Penso eu que este reflectir histórico interessa sobretudo como meio auxiliar de entender a nova situação e novas perspectivas que ajudem a entender o desbravar de novos caminhos que tragam a esses países o desenvolvimento, o progresso e a democracia. Mas o presente e o futuro não são aclaráveis sem ter o passado clarificado. E o "socialismo científico" em África foi peculiar. Como não podia deixar de ser, serão meras coincidências de forma semelhanças com o passado/presente da República Checa, da Polónia, da Roménia e dos países saídos da ex-URSS. Assim, penso que a ajuda maior é entender como se fez (e porque se fez) a experiência do "socialismo científico" nestes países (e tratam-se de experiências muito, muito diferentes) e, grande questão, como se passou dela para a "economia de mercado" e quais as conexões (em quadros e em grupos sociais e de interesses) asseguraram a transição e o novo tipo de "apropriação". Mais, quais são as suas expectativas, capacidades de resistências, antagonismos em vista, conflitos de interesse, meios e poderes de moderação, ligações e apoios internacionais, e por aí fora. A minha proposta (mas o líder da discussão és tu) é que deixemos em "paz" o leste europeu (discutamo-lo noutro capítulo, se o entenderes) e concentremo-nos sobre África, particularmente Angola (pois foi o teu optimismo sobre a situação actual em Angola que nos "meteu ao barulho"). Pela minha parte, e para já, mais a mais disseste que eu me podia estender à vontade no espaço do "Puxa Palavra", deixo aqui transcrição do que penso e disse no "Bota Acima" (num post de Julho), como reflexão sobre a "experiência m-l" nas antigas colónias:

"Se é verdade que há troncos e personagens em comum no caminho dos “movimentos de libertação” rumo ao marxismo-leninismo, as disparidades estiveram sempre presentes. De facto, é certo que muitos dos “pioneiros”, beberam o marxismo em Portugal (quando estudantes universitários) e no PCP, ou, pelo menos, nos movimentos unitários dirigidos pelo PCP (sobretudo no MUD-Juvenil). Mas rapidamente, pelas próprias condições de intervenção, logo no momento de início de preparação das acções, as organizações embrionárias da acção violenta anti-colonial se autonomizaram e cortaram as pontes orgânicas com o PCP, embora mantivessem profundas conivências ideológicas (também não tinham alternativa noutros quadrantes em Portugal). Além das necessidades conspirativas e de organização, factores vários contribuíram para o corte do cordão umbilical com o PCP: a afirmação dos lideres vindos directamente de África, sem passagem por estágios no PCP (sobretudo Viriato da Cruz); a disparidade entre métodos de luta; a deslocalização geográfica dos núcleos dirigentes (Paris, Rabat, Guiné-Conacry, depois os países de fronteira com as colónias); processos de fusão e de reorganização (em que, no caso moçambicano, emerge a liderança do “americano” Mondlane que suplanta o “clássico” Marcelino dos Santos); a afirmação como “inspirador máximo” por parte de Amílcar Cabral (de longe, o mais capacitado e mais produtivo, em toda a África, para construir uma teoria autónoma de “marxismo africano”), para mais carreando os trunfos poderosos de ser o mais eficaz a combater os militares portugueses na Guiné. Deste caleidoscópio, emergiram vias, circunstâncias diferentes em Angola, na Guiné e em Moçambique. E, com o passar do tempo, as diferenças levaram a histórias e rumos bem díspares.

Em Angola, falando no MPLA, a dupla mais ortodoxa, constituída por Agostinho Neto e Lúcio Lara, sempre teve dificuldade em unificar e estruturar o Movimento e dar-lhe uma dinâmica de combate consistente e desequilibrador. Como se não bastassem os restantes movimentos rivais (UPA/FNLA e UNITA), unidade interna foi coisa que nunca abundou (o autoritarismo de Neto teve de se confrontar violentamente com lideres contestários e muito prestigiados – Viriato, Mário Andrade e Chipenda). Mesmo depois da independência, ainda haveria a experiência dramática e sangrenta do “nitismo”, antes que a autoridade do MPLA e o seu marxismo-leninismo se transformassem num monólito.

Em Moçambique, embora Mondlane fosse dando mostras de conversão ao marxismo, só com a liderança única e tardia de Machel, é que a Frelimo se transforma num verdadeiro exército revolucionário. Depois, e a liderança de Machel não é estranha a isto, com a independência, é a Frelimo que toma um rumo mais linear e mais acelerado na prática do marxismo-leninismo africano. Porque, entre todas as antigas colónias, Moçambique foi, de longe, a que levou mais longe e mais profundamente (dos pontos de vista político, ideológico, social e económico) a transformação socializante.

Na Guiné e em Cabo Verde, após o assassinato de Amílcar Cabral, até pela dimensão desta figura, todos os sucedâneos na liderança foram “figuras menores”. Na Guiné, as medidas de transformação são encabeçadas administrativamente e sempre sob o calor dos rancores entre guineenses e cabo-verdianos, até à cisão, ao “golpe de Nino” e à degradação política e ideológica que se lhe seguiu. Cabo Verde, sem passado de luta armada, viu-se a braços com uma pleíade de quadros combatentes e dirigentes do PAIGC, disponibilizados pela falta de lugar na Guiné. Tirando alguns entorses do processo, foi aqui que o processo foi mais mitigado, mais equilibrado e menos doloroso. Para isto, não foi pouco importante o grau de exigência e de culturação da própria população cabo-verdiana que, inclusive, conseguiu implantar um sistema democrático maduro e onde a alternância de poder funciona.

Mas, apesar das diferenças, porquê a mesma “fatalidade marxista-leninista”? Talvez porque:

- O redencionismo social e político era uma atracção quase fatal, face às condições de exclusão proporcionadas pelo colonialismo português.

- O hermetismo colonial, reprimindo violentamente qualquer diferença, empurrava a luta, qualquer luta, para o radicalismo e para o impulso da exclusão.

- O centralismo colonial geminava com o conceito centralista de Estado Socialista e só um centralismo férreo podia proporcionar a criação de uma nova máquina burocrática e de autoridade por parte dos novos Estados.

- Os conceitos de “centralismo democrático”, de “monolitismo” e de “partido único de vanguarda”, encaixavam, que nem uma luva, com a realidade e as necessidades da luta armada.

- Os apoios de armamento vinham do “bloco socialista” e era lá que os quadros guerrilheiros recebiam formação militar e política.

- O êxodo em massa e a desarticulação do tecido económico, deixada na descolonização, deixou “terras de ninguém” onde a atracção só poderia ser pela reconstrução na base do igualitarismo.

- Os laços nunca quebrados com o “irmão Continente”, processavam-se com base em utopias comuns, numa altura em que, também em Portugal, se procurava o “rumo para o Socialismo”.

Evidentemente que houve interesses geopolíticos e geoestratégicos da URSS que ajudaram à festa (como, em sentido contrários, não dormiram nem os EUA, nem a África do Sul, nem o Congo, nem a Rodésia). Mas, creio, esses factores foram de reforço e nunca determinantes. As bases das derivas marxistas-leninistas nas antigas colónias, deveram-se em parte decisiva às condições concretas e estruturais geradas pelo colonialismo português, a sua incapacidade em lidar com as aspirações nacionais (por mais moderadas que fossem) de outra forma que não fosse a guerra, a exasperação dos colonos e a sua não preparação para uma integração brusca noutra realidade que não a colonial, a dinâmica da própria prática de guerrilha, a míngua de bases de sustentação económica, a concentração dos apoios à reconstrução, em quadros e em armamento pelos países de Leste. "
Um abraço.
João Tunes / http://botaacima.blogs.sapo.pt
 
Meu caro João Tunes
Eu não vou entrar no Outro debate. Apenas "toquei" no "socialismo científico", admito que, de forma menos própria, incorrecta mesmo, pois não se trata tão somente de um sistema do leste europeu, (foi bem mais do que isso - um sistema global, mundial) porque, em meu entender, é um elemento importante, entre outros, que entra na análise das questões que, de algum modo, lancei. E foi isso que tentei clarificar. de qualquer modo apreciei as tuas elaboradas considerações de que não me afasto muito, mas isso é um temas mais complexo das nossas vidas e no qual não estou disponível para entrar para já.
um abraço amigo
 
Meu caro João Tunes
Não vou entrar no Outro debate. Apenas toquei no "Socialismo Científico" e, reconheço, de forma menos adequada, centrando-o no Leste europeu, quando na realidade se tratou de um sistema global, porque considero que, para as questões que levantei, é preciso tê-lo em conta com um elemento, entre outros, em "pano de fundo". Acho que estamos de acordo. De qualquer modo apreciei bastante as tuas considerações, o que me fará ir mais vezes ao teu blog. Um abraço amigo
 
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