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2004-09-02

 

O Aparelho

A campanha eleitoral no PS tem sido fértil na evocação do aparelho do partido que, segundo Manuel Alegre, apoiou em 95% a candidatura de José Sócrates. Pretende-se concluir que o candidato e uma sua eventual chefia do Governo estariam por isso condicionados, quando não prisioneiros de uma teia de interesses que reduziriam a pouco ou nada os bons objectivos programáticos. Mas se isso é um mal porque desejam para si os adversários de Sócrates, uma parte maior do aparelho, uma parte maior do mal? Passará o aparelho de mau a bom se muda daqui para ali?

O que é o aparelho partidário? Sem uma definição suficientemente rigorosa paira-se no vago e pode-se cair na demagogia.

Por aparelho, no caso do PS, entende-se, julgo eu, o conjunto dos militantes que compõem as estruturas partidárias da base ao topo e dão vida e operatividade ao PS. São portanto os militantes que fazem parte dos órgãos dirigentes das secções, das comissões concelhias, das federações, dos órgãos dirigentes nacionais, como a comissão nacional, a comissão política. Os dirigentes de outras estruturas sectoriais do PS, de institutos e fundações partidárias.
Não sei se em geral se considera como parte do aparelho, mas eu acho que devia, outros órgãos de cúpula como o secretariado nacional ou outros organismos executivos e o próprio secretário-geral.
Grande parte deste aparelho partidário é simultâneamente aparelho do Estado central ou das autarquias. Inchado de mais uns milhares de entusiastas partidários quando o partido é Governo, magrinho quando é oposição mas em todo o caso podendo beneficiar do "centrão" dos interesses para umas quantas figuras gradas, especialmente nas empresas públicas.

Quando o partido não é Governo onde estão aqueles milhares de militantes que preenchem as estruturas do PS? Estão na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu como deputados e como funcionários nos aparelhos destas instituições, chefes de gabinete, acessores, secretários(as). Estão na presidência e/ou vereações das câmaras municipais e outros órgãos autárquicos, nas empresas e serviços autárquicos. Etc, etc.
Quando se está contra o aparelho é suposto estar contra quê? Não faz sentido estar contra o aparelho em si. Isso seria estar contra a existência do partido ou por uma alteração radical, desconhecida, do tipo de estrutura e organização partidária, do actual paradigma de partido.
Então o que se quererá dizer é que se está contra os desvios do funcionamento do aparelho dos fins a que oficialmente se destina. Para fins privados de enriquecimento, ou do financiamento do partido e do intermediário, através dos conhecidos conubios, com construtores civis, clubes de futebol e outros interesses, ou de controlo dos seus próprios dirigentes para os mesmos ou outros inconfessáveis fins, com chapeladas nas urnas para eleger preferidos, para cujo perigo (real ou não) alertaram João Soares e Manuel Alegre.

Então o que está em causa não é o aparelho mas sim os seus desvios deletérios, eventualemnete criminosos. Tudo isso existe, em todos os partidos, como se sabe. Das Felgueiras, aos Apitos Dourados, aos deputados que com o apoio do seu partido fogem à justiça.
O assunto merece análise mais profunda. Por exemplo como introduzir reformas que acautelem os desvios. Na moção de Manuel Alegre aparece uma interessante proposta nesse sentido.
Agora o que não se pode é acusar em geral o parelho pois isso atinge a honra todos e não apenas as dos corruptos.
Além de que os próprios candidatos a S-G não estão fora do aparelho. Afinal, quem nunca exerceu outra actividade que não a de deputado ou outro cargo político/partidário não pertence também ao aparelho?



Comments:
Oea aqui está um comentário (refiro-me ao anterior) ilustrativo de quem está interessado no debate ideológico e político e tem algo de relevante a dizer, ou a contestar, relativamente ao texto do Raimundo Narciso.
 
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A discussão sobre o «aparelho» é interessante. As outras propostas que têm surgido, também, mas, como se vê, com menor sorte. O «aparelho» do PUXA-PALAVRA faz as suas selecções, adopta umas e rejeita outras. Faz a coversa que lhe interessa. E a conversa que lhe interessa é aquela que pode, senão enaltecer, pelo menos inocentar Sócrates. Crítica do capitalismo? As perversões do sistema político? Alianças e solidariedades sociais? Cultura? Não. Não são esses os temas. O Raimundo vem com o «aparelho» e o Mário Lino aproveita, de vez em quando, para avisar que cada vez se identifica menos com esta esquerda. Que esquerda será?...

Ora, tanto o Mário Lino como o Raimundo Narciso confidenciaram, em tempos diferentes, mas por igual, que já apoiavam o candidato mesmo antes da candidatura. Portanto, não têm discutido com a liberdade de uma escolha em suspenso. Não. Fazem campanha. Portanto são de uma esquerda em campanha.

O «aparelho» é o que se quiser. Mas o Raimundo Narciso ensaia uma boa definição. Estou de acordo, em geral, com o esboço que faz. Porém deve saber que ninguém se reclama dos «aparelhos» do PS ou de outro partido qualquer. Porquê? Porque é uma expressão pejorativa, designando as «forças de bloqueio» à mudança, à inovação, que se perpetuam e entre- solidarizam seguindo lógicas privadas que nada têm a ver com os ideais partidários. O «aparelho» é sempre mau. A parte dos «bons» toma outras designações. Será possível criticar o «aparelho» sem ofender o «aparelho»? No caso de outros partidos que conhecemos, não é. Ofende-se um, ofendem-se todos. No PS (por extenso ou não) será diferente?

Como filtrar os «desvios deletérios» da cumplicidade deletéria? Lembro-me de alguns casos que vieram a público e, pelo menos nesses, acho que não é possível. As cumplicidades vão com certeza até à direcção.

Faz Manuel Alegre também parte do «aparelho»? Fez? Vai continuar a fazer? Quer mudar tudo?
Fez. Veremos se continua. Mas, para mudar, - se ele de facto quer contribuir para a tal mudança - teria de demarcar-se do «aparelho».

Suponho que os que se consideram os «bons» poderão entoar o slogan: «Abaixo o aparelho. Viva a estrutura.»

No fundo, penso que a indisponibilidade que há em enfrentar e atacar as perversões do nosso sistema político pertence ao mesmo sistema que entrelaça os «aparelhos» contra quaisquer inovações ou incrementos.
 
Desculpem lá mas não tou a perceber estas conversas de que a candidatura de Sócrates é a direita e a do Manuel Alegre é a esquerda. São todos do chuchalismo. O Carrilho é da ala esquerda? O Lacão é da ala esquerda? O Augusto Santos Silva é da ala esquerda? estes e os outros que meteram o Alegre a candidato estavam agoniados com as posições ideológicas do delfim do Guterres? Estão-se bem nas tintas para as diferenças ideológicas, até prefeririam as do eng moderno. Vão ler o Vasco Pulido Valente que ele explica-vos. Esses rapazes, diz ele num artigo intitulado Manuel Alegre, estão a trabalhar para ter 30 ou 40% não é movidos por um ataque de esquerdismo é para disputar um a um os lugares que estão ou podem estar para vir, nas câmaras, no parlamento ou no governo e que com Sócrates estavam incertos.
 
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O mundo vai mudando, os homens e as ideias também. Não serei eu a amarrar seja quem for a qualquer dos pontos do seu percurso. Let it be, como dizem nas grandes ilhas do norte.

Porque não admitir que muitos socialistas desejam ser de esquerda? É assim tão inesperado? Não é já tempo de o PS (por extenso) se afirmar como partido da esquerda?
 
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