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2005-04-06

 

Na homenagem a Barros Moura

Em 5 de Abril de 2005, na Biblioteca-Museu da República e da Resistência, em Lisboa, foram apresentados depoimentos de amigos seus. Aqui apresento-vos o meu testemunho mas podem ler ainda os de José Manuel Correia Pinto e Mário Lino : (aqui Link)

[António Mendonça, José Barros Moura 
e Raimundo Narciso, em Paris, em 1995)

Intervenção de Raimunde Narciso:

Nesta homenagem a um amigo, permitam-me que evoque dois momentos, que me deixaram uma marca imperecível da grandeza de Barros Moura.

O primeiro foi quando nos conhecemos, na sede do Comité Central do PCP, em 1974. Regressava ele da Guiné-Bissau, oficial miliciano rodeado do prestígio que lhe advinha da coragem e inteligência posta na luta contra a ditadura e lhe valera a qualidade de membro da Coordenadora do Movimento dos Capitães que libertou Portugal, em 25 de Abril de 1974.
Esse primeiro encontro evidenciou a argúcia política e uma larga visão do momento revolucionário que empolgava o país, no homem que se batia intransigentemente por um futuro melhor para Portugal, pelo fim do colonialismo, pela superação dos estigmas obscurantistas da sociedade portuguesa de então.

O segundo momento que gostaria de evocar ocorreu uns dias antes da operação a que José Barros Moura se submeteu, dois meses antes de morrer.
Tínhamos ido à livraria Ler Devagar provar um vinho da lavra de Eurico de Figueiredo e que ele achou por bem apresentar, em vez de um livro, como é habitual. Naquela fase do evento em que, já cumpridos os rituais obrigatórios, só nos resta participar na agitação das conversas com os amigos, o Zé propôs que deixássemos o bulício e fossemos dar uma volta por aí?
Saímos para o Bairro Alto, deambulávamos pelas ruas sossegadas em conversa amena, antes de irmos a um chá numa casa que expunha pintura, a gozar o momento – julgava eu - quando Barros Moura me diz no meio de outros assuntos
"para a semana vou fazer uma cirurgia."

Ia a perguntar mas ele acrescentou que era coisa sem importância e mudou de assunto tão rapidamente que só uns dias depois meditei na informação. Resolvi então telefonar. A cirurgia "sem importância" era nem mais nem menos que a um cancro e ele sabia ser práticamente fatal. Quando telefonei já tinha feito aquela operação que tornou insofismável a aproximação da morte.

O nosso relacionamento manteve-se ao longo dos anos mas estreitou-se no processo de reavaliação da experiência histórica do comunismo que iria conduzir à rotura com o PCP.
Nesse processo Barros Moura mostrou como a fidelidade aos ideais humanistas, a procura da utopia sem se desligar da realidade, deve implicar a rotura com o que ontem parecia justo mas a realidade desmentia.
As suas tomadas de posição públicas de grande frontalidade e seriedade política, a sua reflexão sobre as grandes transformações que o mundo vivia com o desmoronar do Muro de Berlim e o fim do comunismo, arrostando anátemas e incompreensões, revelou a sua têmpera de lutador inteligente e político íntegro.
Na sequência da rotura com o PCP em 1991 houve quem considerasse excessivo ter renunciado ao mandato de Deputado do Parlamento Europeu e devolvido o lugar ao partido, quando afinal na lista eleitoral o seu nome fora já uma bandeira. Mas Barros Moura não queria que, num país como o nosso, onde os políticos, com frequência injustamente, estão sob suspeita, restassem dúvidas de que era o dinheiro que o movia.
Acrescentou com esse gesto o respeito dos Portugueses e enobreceu a classe política.
Barros Moura um dos mais brilhantes deputados europeus e um especialista em Direito do Trabalho, revelou na sua trajectória política e na sua vida profissional qualidades que o tornaram uma figura de referência. Rigor, Competência, capacidade de trabalho, combatividade, fidelidade a princípios.

Barros Moura teve um papel central no efémero movimento do INES (Instituto Nacional de Estudos Sociais) criado em 1989/90 por ex-comunistas ou comunistas em processo de afastamento do PCP, socialistas e pessoas de várias tendências de esquerda que se reivindicavam do socialismo.
Nesse movimento que durou até ao início da desagregação da União Soviética, participaram pessoas ilustres como Piteira Santos, José Saramago, Vital Moreira, Veiga de Oliveira, José Manuel Correia Pinto, dirigentes da Intersindical como José Luís Judas, Manuel Lopes, Calidás Barreto, indignes juristas como o professor Orlando de Carvalho ou Joaquim Gomes Canotilho.

Barros Moura foi igualmente com a sua reflexão política uma referência central no movimento da Plataforma de Esquerda, de 1992 a 95. Movimento de busca de novos caminhos para os objectivos de sempre: um futuro melhor, mais livre e mais justo para os Portugueses, densificando os conceitos de Liberdade e Democracia, não deixando que os sonhos de utopia frustrassem os ensinamentos da modernidade.
Neste movimento em que se distinguiram, entre outros, José Luís Judas, Pina Moura, António Graça, José Ernesto Oliveira, Mário Lino, António Teodoro, Mário Vieira de Carvalho, Miguel Portas, Fernando Castro, Victor Neto, e muitos outros, Barros Moura foi sempre uma voz indispensável.

Este movimento dividiu-se nas vésperas das eleições autárquicas de 1994 indo uma parte aproximar-se e posteriormente aderir ao PS e outra parte constituir a Política XXI que hoje integra o Bloco de Esquerda.

Barros Moura foi figura central da relação da Plataforma de Esquerda com o PS nomeadamente no encontro com o seu Secretário Geral, Jorge Sampaio, num almoço em sua casa e algum tempo depois com António Guterres, que lhe sucedeu no cargo.
Em todas estas movimentações políticas pude testemunhar de perto as raras qualidades humanas e políticas de Barros Moura que levaram o PS a convidá-lo e a elegê-lo deputado do Parlamento Europeu nos anos de 1994 a 99 onde prestigiou Portugal e o PS com o seu empenhado e distinto labor.
Também aí e posteriormente, como deputado e vice-presidente da direcção do Grupo Parlamentar do PS, na Assembleia da República, na legislatura de 1999 a 2002, Barros Moura se revelou um parlamentar distinto.

Bem revelador do carácter de Barros Moura é a sua renúncia ao mandato de Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, quando não lhe pareceram satisfatórias as respostas do executivo às acusações e suspeitas judiciais de corrupção de que este era alvo.
A sua atitude vertical foi tomada por alguns como falta de solidariedade partidária e veio-lhe a custar a sua participação na lista do PS, para as eleições legislativas de 2002, em lugar elegível.
A evolução dos acontecimentos veio dar-lhe razão mas a sua inesperada morte não permitiu a continuação de uma brilhante carreira política que, estou certo, voltaria a encontrar novas e estimulantes oportunidades.
Barros Moura, ainda no auge das suas capacidades, com muito para dar à comunidade, soube enfrentar a chegada abrupta da morte com denodada coragem.
Desde o momento em que me inteirei do verdadeiro tipo de cirurgia que ele me anunciara, como se falasse de algo banal, fiquei com a sensação que enquanto eu julgava gozar em comunhão com ele aquela aprazível noite, no Bairro Alto, ele talvez estivesse já a fazer o balanço da sua vida e a começar a despedir-se dela.
Raimundo Narciso

Comments:
Obrigado Raimundo por não deixares que a memória se vá apagando. Fiz a "obrigatória" referência no Água Lisa. Abraço. João Tunes
 
Também lá estive a relembrar um grande homem. Não era seu correligionário mas admirava-o. Foi uma homenagem muito bonita. Gostei muito da sua intervenção e também da do Correia Pinto.
GP
 
Caro Raimundo

Que pena a iniciativa não ter sido convenientemente divulgada.
Só hoje soube por um post do Vital Moreira.
Um abraço do Carlos Cidade.
Encontro-me no Ponte Europa
 
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