2005-10-16
Houzan Mahmoud uma iraquiana pela liberdade
A constituição do Iraque foi ontem referendada. A afluência às urnas foi estimada em 60% mas os resultados aguardam alguns dias para serem conhecidos.
Houzan Mahmoud, iraquiana a viver no Reino Unido e representante deste país na Organização pela Liberdades das Mulheres no Iraque, esteve ontem na Biblioteca Museu da República e da Resistência, em Lisboa, a falar do seu país.
Sofia Lorena do Público entrevistou-a e dessa entrevista reproduzo algumas das suas respostas:
"A Constituição ontem votada legitima os poderes instituídos e pode conduzir a um "Iraque dividido em que as mulheres serão legalmente tratadas como cidadãos de segunda". O terrorismo islâmico que ameaça o país só pode ser travado através do "apoio às forças progressistas".
"Esta Constituição foi escrita por um comité de direita, religioso e sectário escolhido por este Parlamento. Na sua maioria são pessoas muito ligadas aos grupos religiosos e defensoras da sharia [lei islâmica], que querem substituir os direitos de estatuto civil, e isso significa a regulação do divórcio, do casamento, da custódia dos filhos, submetendo tudo isto à lei islâmica, que é algo com 1400 anos."
"Em termos de conteúdo, aquilo para que caminhamos é um Iraque dividido em que as mulheres serão legalmente tratadas como cidadãos de segunda classe. Nunca tivemos um estado islâmico nem nunca fomos governados de acordo com a sharia."
"Antes da invasão, os EUA já tinham preparado os políticos que fariam a transição. O Parlamento que temos hoje é constituído por muitas dessas caras. Não podemos ter um processo político realmente democrático sob ocupação e sob o terrorismo islâmico que assola o país."
"É preciso olhar para a história do Iraque como uma sociedade secular, nunca tivemos esta situação, estes grupos [ligados ao poder religioso] estavam absolutamente marginalizados e agora são estas as figuras que gozam de grande destaque no país e no estrangeiro, como se fossem os líderes legítimos dos iraquianos."
"As sanções destruíram a estrutura familiar, as pessoas perderam os empregos e a miséria espalhou-se. A sociedade iraquiana, e não Saddam, acabou punida. As pessoas ficaram mais vulneráveis e Saddam usou isso, começou a comportar-se como um líder muçulmano, construiu mesquitas."
" Mas ainda assim as pessoas vestiam o que queriam, as raparigas continuavam a sair com rapazes, os restaurantes e os clubes funcionavam e eram frequentados por todos. Mas se olharmos hoje para o Iraque a situação é muito diferente, o progresso dos anos 1970 e 1980 parece ter desaparecido. Eu nunca usei véu na minha vida e a última vez que estive no Sul do Iraque, em algumas áreas, foi-me dito que devia fazê-lo pela minha protecção."
"As milícias radicais no Sul aplicam os seus preceitos islâmicos pela força. O terrorismo sunita faz o mesmo, [Abu Mussab] Zarqawi fala em instaurar um estado islâmico. Tudo é feito pela imposição do terror e não por vontade das pessoas."
"Em Março, homens de Moqtada al-Sadr atacaram um grupo de estudantes na Universidade de Bassorá, um dos rapazes foi morto. Nos cinco dias seguintes milhares de pessoas manifestaram-se contra o movimento ... Numa cidade tão dominada por milícias, os estudantes estavam na rua desarmados a gritar não ao terrorismo e não ao Corão. "