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2005-12-16

 

Lições do Cavaquistão

Claro que é o futuro que interessa. Mas sobre o futuro que políticos com longo passado nos prometem, mil vezes melhor que as suas promessas (e silêncios e fugas ao concreto) nos elucidam a sua obra passada. Por isso, (para os mais novos que não viveram o Cavaquistão, os 10 anos de Cavaco Silva como 1º Ministro, em que era necessário ter o cartão do PSD para conseguir mesmo um modesto empregozinho no Estado) tendo em conta a conjuntura, seleccionei da despedida de Miguel Sousa Tavares (Público de hoje) o seguinte:

"Governava então, no apogeu da maioria absoluta, Aníbal Cavaco Silva. Não consegui evitar nunca uma incurável embirração pelo cavaquismo, mais do que pelo seu mentor. De um ponto de vista prático, reconheci a importância das obras feitas, o crescimento económico possibilitado pelo muito dinheiro aplicado, que os fundos europeus e o petróleo barato proporcionaram. Mas fui constatando e escrevendo que nenhuma verdadeira reforma tinha sido ensaiada, apesar das excepcionais condições para tal.

Hoje, continuo a pensar que a generalidade dos problemas que enfrentamos e a desesperança que se instalou têm origem directa nesses anos (depois acrescentados aos do guterrismo), em que nada de essencial se mudou na educação, na justiça, na saúde, na reconversão agrícola e industrial e, sobretudo, numa cultura política e cívica fundada no mérito, na coragem de correr riscos, na liberdade individual e na separação entre o Estado e os negócios privados. Pelo contrário, o cavaquismo instalou a promiscuidade entre os empresários e o poder político, a subsidiodependência, a mentalidade dos jobs for the boys, o enriquecimento sem causa e a obediência e subserviência como dever cívico.

"... Em lugar de riqueza o país produziu apenas novos-ricos, em lugar de desenvolvimento obras de fachada, em lugar de qualificação negócios desonestos com os dinheiros do Fundo Social Europeu, em lugar de reconversão agrícola e ordenamento do território Porsches, subsídios para nada fazer e urbanizações nas falésias do Algarve.

Os primeiros anos de António Guterres foram um momento de esperança, pelo menos no ar que se respirava. O cavaquismo caiu no justo momento em que o culto da personalidade do chefe e a demissão cívica dos oportunistas se estavam a tornar numa doença feia."


Comments:
Concordo. Cavaco beneficou de condições únicas para reformar e recolocar este país no caminho da Europa e malbaratou tudo. Guterres veio depois, e perdeu as últimas oportunidades que restavam. Agora estamos na contingência de ter que reformar já depois de passada a meta. Cavaco e Soares (que se manteve silencioso no Guterrismo) representam o Passado e como tal deviam ser vassourados para debaixo do tapete.
 
Cavaco n é do meu tempo, era ainda demasiado nova para entendera estrutura de um país. E hoje, não entendo os políticos.
 
Rui Martins: fala em "recolocar" o "país no caminho da Europa". Recolocar? Com isto quer dizer o quê? Espero que não seja "recolocá-lo" na mesma senda onde estava antes de 1974. Lembre-se que o Cavaco foi o Ministro das Finanças e do Plano, em 1980, e de 1985 a 1995 foi o Primeiro-Ministro deste país. Claro que com a sua governação "recolocou" novamente os latifúndios nas mãos dos latifundiários, "recolocou" também os bancos nas mãos dos banqueiros, os monopólios nas mãos dos monopolistas. Mas como a força da liberdade é grande e não conseguiu "recolocar" os amarelos à frente dos sindicatos, facilitou o aparecimento de novos sindicatos ligados à UGT que lhe permitiram "recolocar" na agenda com a "concertação social" a retirada de direitos conquistados alguns, por gerações de trabalhadores, com muita greve e até prisão e porrada...

Mas pode o RM explicar o que é que quer dizer com essa da "recolocação", é que tanto quanto me apercebo a "jangada" nunca esteve à deriva...
 
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