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2006-02-12

 

A produção e o ensino da "História" nos países do Leste da Europa

A reportagem que li no último Courrier Internacional - " Política contra História" - deixou-me deveras apavorado com o que pode ser a "história contada" por mentes pouco sérias e ao serviço de...

O alvo é a Rússia actual, embora se ande para trás na história para os tempos da URSS. Não duvido de que é necessário refazer a história contada antes, tendo em conta os factos, o enquadramento internacional e os objectivos/fins que presidiram a tudo isso.

Mas não é o que se está a fazer. Estamos perante uma falsificação escandalosa dos factos que chega em alguns desses países a reerguer como libertadores do povo os que estiveram de braço dado com Hitler. É o que lê no manual intitulado - História do século XXI - em que os legionários SS (letões) são apresentados como "combatentes pela liberdade do seu povo".

É caso para meditar..


Comments:
JAF: o problema maior é o facto de o Conselho da Europa ter mais uma vez tentado a criminalização da ideologia comunista, o facto de a República checa ter ilegalizado a juventude comunista de lá e apesar dos protestos e solidariedades os media tudo abafarem. Mesmo os de cá. Deixo-lhe para todos meditarmos o artigo de Carlos Nabais no Avante de 09/02/06:

Ofensiva anticomunista no Conselho da Europa
Direita saudosa do regresso da caça às bruxas

Os parlamentares de direita do Conselho da Europa aprovaram, em 25 de Janeiro, uma resolução mistificadora que associa o movimento comunista, os comunistas e a sua ideologia a uma série infindável de alegados «crimes» e «violações» dos direitos do homem só comparável com o horror do nazi-fascismo.

Tal como o Avante! noticiou na edição anterior, os objectivos desta iniciativa inédita vão muito para além da mera condenação, por si só abusiva, de complexos processos históricos, cuja análise crítica foi de resto iniciada no seio do próprio movimento comunista e materializada num vasto conjunto de documentos e decisões amplamente divulgados nas respectivas épocas.
Esta análise irá necessariamente continuar na actualidade reflectindo os avanços da ciência histórica na investigação do papel ímpar dos comunistas na luta pelo progresso social e na construção da sociedade nova – experiência exaltante que marcou indelevelmente o século XX e que permanece, hoje, como o acontecimento maior na caminhada da humanidade para um futuro de igualdade e justiça social, liberto de todas as formas de opressão e dominação.
Invectivando os comunistas, deturpando e estigmatizando a grandiosidade dos seus ideais e realizações, a resolução do Conselho da Europa e, em particular, o projecto chumbado de recomendação ao Comité de Ministros constituem uma tentativa obscurantista de proibir e criminalizar todo o pensamento progressista e impedir a investigação e o debate objectivo dos processos e factos históricos, procurando impor uma versão falseada e definitiva da História que amputaria aos povos as últimas réstias da esperança transformadora.
Se o texto do relatório apresentado pelo sr. Göran Lindblad não deixa dúvidas quanto a estes objectivos, a sessão em que o seu conteúdo foi debatido e votado não foi menos elucidativa quanto aos sentimentos ultra-reaccionários e revanchistas que animam a direita europeia.

Uma sessão acusatória

O relato dos trabalhos (disponível no site da instituição, www.coe.int ) registou a inscrição de 63 deputados, dos quais apenas 26 puderam intervir, bem como a recepção de 12 propostas de alteração ao relatório (resolução e recomendação).
O sueco Lindblad, autor do texto, abriu o debate insistindo no carácter maléfico do comunismo, onde «o indivíduo não tem direitos» e aconselhando a leitura de obras de antigos dissidentes soviéticos. O dedo acusatório apontou-o à China, acusando-a de ser uma dessas «sociedades do medo» e prognosticando que, «dentro de cinco anos, o regime comunista chinês desmoronar-se-á, uma vez que há diplomatas que já estão a fugir, tal como aconteceu no caso do antigo bloco soviético, antes da sua queda».
No mesmo tom, o checo Miroslav Beneš (Grupo Democrata Europeu) tomou a palavra para lamentar que «nenhuma resolução do Conselho da Europa tenha ajudado as populações submetidas» aos regimes comunistas, enquanto estes duraram no Leste da Europa. «Só o empenhamento militar do presidente Reagan e da sra. Thatcher bem como o sentido agudo da realidade do sr. Gorbatchov lhes permitiram reencontrar a liberdade». Beneš declarou ainda não ter «medo nem do nazismo, nem do comunismo, mas sim dos lacaios que, em Berlim, Moscovo e Praga ou noutro lugar ajudaram os regimes comunistas a manter-se».
Mais adiante no debate, houve quem pedisse uma referência explícita no relatório a Gorbatchov, bem como às muitas «centenas de milhares de pessoas, socialistas e democratas» que, segundo o croata, Milodad Pupovac, «contribuíram para a derrocada dos regimes comunistas».

Direita inflexível

A direita estava convencida de que reuniria o apoio suficiente para aprovar a resolução e a recomendação e, por isso, manteve-se inflexível ao longo de toda a sessão, recusando a maioria das propostas de alteração (ver peça), mesmo aquelas que apenas procediam a ligeiros retoques de cosmética, aceitando unicamente as que acentuaram o carácter persecutório do projecto.
Essa certeza, que viria a gorar-se na votação do projecto de recomendação – elemento central do relatório e verdadeiro programa de acção a levar a cabo pelos governos dos Estados membros –, foi sendo alimentada por vários deputados, em especial os oriundos dos antigos países socialistas.
Descontando as duas intervenções do relator sueco, de abertura e réplica, tiveram a palavra apenas seis deputados de países da Europa Ocidental (um espanhol, dois gregos, dois franceses e um sueco). As restantes 20 intervenções pertenceram a deputados de Leste, os quais, em discursos desbragados, chegaram a pedir a «unanimidade» da assembleia na condenação do comunismo, como foi o caso do liberal húngaro, Mátyás Eörsi.
Outros, como o búlgaro liberal, Younal Loutfi, congratularam-se com a «catarse» que o relatório permitirá nos seus países, lamentando apenas que o documento não refira os «crimes» específicos aí perpetrados.
Neven Mimica, social-democrata croata, concordou com a condenação internacional, mas mostrou reservas quanto às condenações nacionais previstas no projecto de recomendação, as quais, opinou, «ameaçam criar o caos», uma vez que «o combate ideológico ainda não terminou nos países pós-comunistas».

Obscurantismo arrogante

A sessão foi fértil em situações que seriam apenas grotescas, não constituíssem elas uma expressão alarmante da ofensiva anticomunista que desafia o mais comum bom-senso.
Katrin Saks, actualmente deputada social-democrata da Estónia, aproveitou para se arrepender publicamente de ter pertencido ao Partido Comunista da Estónia, declarando esperar que os esforços que desenvolveu «para construir uma democracia sólida na Estónia tenham contribuído para reparar os erros do passado». Revelando eventuais pesos na consciência, a sra. Saks discordou da possibilidade de «os actos criminosos serem julgados em tribunal». Em contrapartida, apoiou a sujeição dos «regimes totalitários» a um tal julgamento.
De julgamentos falou também o deputado conservador francês, Jacques Legendre, sentenciando que «Stáline era um assassino» e que hoje seria certamente levado a um tribunal penal internacional. Quanto a Lenine e a Trotski, declarou não estar certo que tal instância «não se interessasse igualmente pelos seus casos». Dando aparências de moderação, Legendre ressalvou que na sua lista não estão «todos os presidentes ou todos os responsáveis comunistas. Pessoalmente tenho grande admiração pelo papel positivo desempenhado por Mikhail Gorbatchov», disse o francês voltando de imediato a ameaçar: «não esquecerei a China, que é um regime totalitário actual».
Depois veio um lituano de direita, Egidijus Vareikis, queixando-se de que ele próprio era um pouco o produto dos crimes do regime comunista. A história que contou é simples e curta: o seu pai, que queria ser padre católico, foi deportado para a Sibéria, e ali casou-se…

A causa de todos os males

O debate atingiu o cúmulo do absurdo com a intervenção do líder da extrema-direita russa, Vladimir Jirinovsky, a quem foi dada a palavra para atacar o presidente do Partido Comunista da Federação Russa, Guennady Ziuganov, que tinha acabado de falar.
Ziuganov qualificara o relatório como «uma provocação», exigindo a condenação dos «regimes capitalistas pelo deflagramento de duas guerras mundiais, pela guerra do Vietnam, entre muitas outras. Por que não condenar igualmente todos os crimes do passado? Poderíamos condenar ainda as manifestações de fascistas e de neonazis que se realizam actualmente nos países do Báltico», concluiu o comunista russo.
Decidido a reduzir a pó semelhantes argumentos, Jirinovsky, dirigindo-se com agressividade ao orador precedente, produziu o seguinte raciocínio lapidar: «Sem a revolução de 1917, não teria havido nazismo. Sem comunistas não teria havido Mussolini. Sem Stáline, a Europa teria sido engolida pela Alemanha nazi. Se Hitler não tivesse hesitado na Rússia, não teria perdido a guerra.»
Antes desta lamentável intervenção, já um deputado liberal georgiano, Giorgi Bokeria, tinha confessado que se sente «magoado quando vê jovens vestindo t-shirts decoradas com símbolos comunistas».
O relator sueco, Lindblad, assim que retomou palavra para replicar e encerrar o debate, não deixou escapar a temática das t-shirts, revelando que tinha questionado a responsável de marketing de uma empresa que produz este tipo de vestuário e que esta lhe teria dito que se trata de «um pequeno «movimento nostálgico» sem importância.
A resposta, porém, não agradou a Lindblad, que fez questão de dizer que «não partilha desta opinião», sustentando que «é preciso fazer compreender às jovens gerações quais foram os crimes cometidos pelos regimes comunistas. Os adolescentes que assim se vestem usariam também t-shirts com as insígnias da Mossad?», perguntou Lindblad.

A rejeição da esquerda

Em nome do Grupo para a Esquerda Unitária Europeia, no qual se integra o deputado do PCP, Abílio Fernandes (ver intervenção nesta edição ), Mats Einarsson (Partido da Esquerda da Suécia) pediu a rejeição do relatório, lembrando que «em nome do anticomunismo muitas pessoas foram presas, torturadas e privadas dos seus direitos democráticos. Os alvos dos anticomunistas nunca são as ditaduras mas a esquerda, os movimentos de trabalhadores e todos os que põem em causa o capitalismo. Aqueles que se opuseram à ditadura do proletariado não o fizeram porque se tratava de uma ditadura, mas porque se tratava do proletariado que encarnava o pesadelo para as classes dirigentes». E perguntou: «quem morreu em Espanha nos anos 30? Quem resistiu ao nazismo? Quem lutou em Espanha, na Grécia, em Portugal, na Rodésia, na África do Sul?»
Liana Kanelli, comunista grega, perguntou se faz sentido saudar este relatório quando se acaba de comemorar os 60 anos da vitória sobre o nazismo», qualificando como «cow-boys ideológicos» pretendem «colar a palavra comunismo à palavra crimes e fazer uma amálgama com os dois».

Socialistas exigem reformulação

Apontando a inconsistência da análise histórica e o risco de se «abrir a porta a interpretações erradas e funestas», o presidente do Grupo Socialista, o espanhol Luís María de Puig, pediu o reenvio do relatório à comissão para reformulação. Puig assinalou que «ao condenar uma ideologia, [o relatório] condena os idealistas que se bateram pelas liberdades, pessoas desta Assembleia que se reclamam da ideologia comunista, confundindo-os com os autores de crimes cometidos pelo regime comunista. Isso, nós não desejamos».
Quanto ao conteúdo da «exposição de motivos do relatório», apresentado como um resumo histórico, Puig notou a impossibilidade de «tratar um assunto tão delicado, tão profundo (…) a acção deste regime em seis páginas».
Acresce que, sublinhou mais adiante este deputado, «os projectos de resolução e recomendação contêm elementos equívocos que parecem referir-se não apenas aos crimes dos regimes comunistas totalitários, mas igualmente à ideologia de que a Resistência francesa e a Resistência espanhola eram portadoras, tal como as pessoas que se bateram e deram a sua vida pela liberdade, as pessoas que pertencem a partidos comunistas da Europa ocidental e outras ainda nos países de Leste que participaram na transformação. Não podemos nem confundir nem proceder a tais amálgamas».
Manifestando a vontade do seu grupo de contribuir para a reformulação do relatório, tornando-o mais «equilibrado», Puig propôs o seu reenvio à comissão. Esta proposta viria a ser reprovada por uma escassa margem de 11 votos.
Por seu turno, o socialista grego (PASOK), Theodoros Pangalos, apelou à lógica dos deputados, recordando «os crimes da ditadura muito cristã e muito liberal dos coronéis gregos, entre 1967 e 1974, perante o silêncio de todos os governos ocidentais e com o financiamento e armamento dos Estados Unidos. Pretendo demonstrar-vos que outros regimes para além dos comunistas podem cometer crimes», disse Pangalos.
Este deputado considerou ainda que, contrariamente ao comunismo, há «o risco do ressurgimento das ideias de extrema-direita, de uma invasão das ideias revanchistas que desejariam reescrever a história da II Guerra Mundial». Em sua opinião, a Assembleia deveria debruçar-se sobre outros problemas actuais, tais como «o desemprego e penúria de empregos, a pobreza nas nossas grandes cidades, as epidemias. Problemas que criam um clima de insegurança nos nossos concidadãos».
Com algum grão de bom senso, interveio igualmente o russo, Konstantin Kosachev, do Grupo Democrata Europeu, notando que, em primeiro lugar, «nem todos os regimes comunistas são totalitários» e que «se é necessário condenar todos os crimes, incluindo os cometidos pelos regimes comunistas totalitários, não se pode assimilar a ideologia nazi com a ideologia comunista».

A cegueira do fanatismo

Quatro das seis propostas de alteração ao projecto de Resolução, intitulado «Necessidade de uma condenação internacional dos crimes dos regimes comunistas totalitários», pretendiam amenizar, num tom «construtivo», o carácter profundamente anticomunista do documento. Contudo, a maioria de direita não o permitiu, chumbando-as uma atrás de outra.
A primeira delas procurava a inclusão de um parágrafo, no qual se afirmava que «a Assembleia reconhece igualmente que numerosos partidos comunistas da Europa Central e Oriental participaram na transição pacífica e democrática dos respectivos países, distanciando-se da ideologia totalitária, aceitando o pluralismo político parlamentar e participando na sua construção».
Um dos subscritores, o croata Pupovac, explicou que a sua proposta destinava-se a «prevenir qualquer utilização abusiva da Resolução».
A resposta foi categórica: «Não conheço exemplos de partidos que contribuíram para a transição. Alguns fizeram-no, mas não tiveram escolha porque o povo estava lá. Estes partidos não quiseram cometer outros crimes no último minuto», conjecturou o deputado romeno Berceanu. Não houve mais réplicas e a proposta colocada à votação não tardou a ser rejeitada.
Ainda mais surpreendente, porém, foi a recusa de outra proposta igualmente subscrita por Pupovac, onde se dizia: «A Assembleia reconhece igualmente que valores como a igualdade e a justiça social se tornaram elementos essenciais para os fundamentos do pluralismo político e para uma sociedade justa e democrática, que ideias, movimentos, organizações e partidos sociais não totalitários contribuíram incontestavelmente para a definir e promover.» O relator sueco declarou «não ter qualquer objecção de fundo a formular», mas apelou à rejeição deste novo parágrafo, alegando que estava «fora do assunto». A proposta foi rejeitada.
As duas últimas alterações à resolução visavam suprimir a escandalosa comparação que o relator estabelece entre os «crimes dos regimes comunistas» e os «horríveis crimes cometidos pelo «nacional-socialismo (nazismo)». O belga Van den Brande e, novamente, o croata Pupovac defenderam a eliminação da referência ao nazismo de modo a evitar-se qualquer «confusão». Impassível, a bancada da direita limitou-se a votar contra sem sequer replicar. A aberrante equivalência entre as duas ideologias foi mantida na Resolução aprovada.

O plano macarthista

As restantes propostas de alteração incidiam sobre o projecto de Recomendação que, caso fosse aprovado, seria enviado ao Comité de Ministros para aplicação nos 46 Estados-membros do Conselho da Europa.
Também aqui só foram aprovadas as alterações que acentuavam o carácter persecutório deste verdadeiro plano de erradicação do comunismo e dos comunistas à escala europeia.
A criação em Bruxelas de um museu europeu dedicado às «vítimas dos regimes comunistas totalitários» foi a primeira das propostas aprovadas, em complemento da série de iniciativas de propaganda e manipulação ideológica já previstas no projecto.
Seguindo a máxima de quanto pior melhor, a assembleia viria a adoptar ainda a proposta do croata Mimica, determinando a abertura de «inquéritos jurídicos e judiciais e de processos contra pessoas implicadas especificamente nas violações dos direitos do homem e nos crimes cometidos sob os regimes comunistas totalitários». Este parágrafo somou-se às disposições já existentes sobre a criação de comité nacionais para a recolha de informações, os quais seriam coordenados por um organismo de nível europeu, ao melhor estilo do odioso macarthismo.
E pouco faltou para que o projecto de recomendação incluísse a interdição explícita «da utilização de símbolos do regime comunista totalitário». Talvez tenha valido a intervenção irónica do húngaro Szabó, que perguntou à autora da proposta, a ucraniana Bondarenko, se ela «também pretendia proibir a cerveja Heineken que usa a estrela como símbolo?».
Entretanto, a direita começava a sentir o chão a fugir-lhe debaixo dos pés. O sinal foi dado pelo russo Jirinovski que, inesperadamente, se opôs à inclusão da referência ao «genocídio» de «10 a 15 milhões de pessoas» durante as fomes de 1932-33 na Ucrânia. «Sabemos que os comunistas mataram milhões de pessoas, mas é preciso que o projecto de recomendação seja adoptado. É de uma importância simbólica», rogou o deputado de extrema-direita. Mas apesar deste aviso a alteração foi aprovada.
A direita, com a sua arrogância desmesurada, jogara no tudo ou nada e acabou por sofrer uma pesada derrota, perdendo 14 votos face à votação precedente da Resolução.
Ao esticarem demasiado a corda, os sectores europeus mais reaccionários ficaram isolados, o que tornou o alcance da maioria de dois terços numa possibilidade remota.
 
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