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2006-03-24

 

Pedra Filosofal

Ontem à noite na RTP memória ouvi a pedra filosofal de António Gedeão cantado por Manuel Freire.
Já todos devem conhecer o poema e a intrepretação. Eu já o ouvi milhares de vezes, no entanto mais uma vez me tocou. Existem coisas que por mais que se conheçam nos continuam a encantar.
Pode ser que também a vós tenha o mesmo efeito.
Lá vai:
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Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

In Movimento Perpétuo, 1956
Comments:
Eu também ouvi e é sempre tocante escutar esta canção, mesmo passados tantos anos. António Gedeão foi um grande poeta, mas é votado ao esquecimento, como aqui em Portugal é costume acontecer a quem tem muita qualidade. Também apreciei a maneira de cantar do espanhol Pedro Guerra e gostei acima de tudo de ouvir José Saramago.
 
Curiosamente esta canção foi e ainda é um grande exito popular, pese este lindíssimo poema não ser, até pela sua extensão, fácil de entrar.Arrepiante.
 
Ainda há três dias, num comentário, repeti os últimos versos deste poema.
O António Gedeão foi espantoso, mas a sua "Pedra Filosofal" nunca se ouve demais, nunca se lê demais, nunca se lembra demais.
Parabéns pela memória:)
 
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