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2006-04-15

 

Mário Viegas (2)

Finalmente escolhi uma poesia de Manuel Alegre.
Porque é bonita e gosto dela.
Porque é representativa do estilo de Manuel Alegre.

Mas também porque representa algo que eu sempre disse em relação à candidatura de Manuel Alegre à presidência e em que ele me defraudou completamente.
Eu sempre defendi que se existe algo em que os Portugueses são realmente e reconhecidamente bons é na poesia. E Manuel Alegre é para mim um desses bons escritores.
Sempre disse que Manuel Alegre deveria usar aquilo em que realmente é bom e diferente : A fazer e dizer poesia.

Mas não ! Ele quis fazer campanha como os outros, discutindo em prosa cinzenta, mostrando o seu lado de macho latino.
Se tivesse usado mais a poesia - como nos diz no seu texto - talvez agora tivéssemos um presidente que pudesse ir à ONU recitar um simples poema em vez dos discursos intermináveis.

Quem não se lembra do poema de Natália Correia na discussão do aborto e o efeito que teve sobre as pessoas.


Poemarma

Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés
que se levante e faça o pino em cada praça
que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema
e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule
que seja pulga e faça cócegas ao burguês
que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês.

Que o poema se meta nos anúncios das cidades
que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental
que tenha ideias sim mas também pernas.
E até se partir uma não faz mal:
antes de muletas que de asas eternas.

Que o poema assalte esta desordem ordenada
que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!
Que faça ginástica militar aplicada
e não vá como vão todos para França.

Que o poema fique. E que ficando se aplique
a não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia
e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada anos.

Que o poema faça um poeta de cada
funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso
que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.

in O Canto e as Armas

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