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2006-04-21

 

Tudo é relativo. Será?

"Mais um trabalhador da construção civil morto em acidente de trabalho a deixar mal as estatísticas do país."

No fundo do jornal, a pequena notícia não mereceria as honras deste blog se eu, como já vos tenho contado, não tivesse passado pelo café do largo e encontrado, em animada tertúlia, o Sr. Antunes.
Sente-se, sente-se aqui ao pé da gente! Sentei-me um bocadinho a contragosto porque queria ver se resolvia, enquanto tomava a bica, o Su Do Ku, da capa do jornal, que vinha classificado de "fácil".
Então já sabe do homem que morreu? Não sabia e como todos viraram para mim uma cara de censura tentei desculpar-me, muito trabalho, nem tenho visto a televisão... Foi aqui na rua! Caiu do 4º andar das obras, ali do prédio em contrução... já se sabe, morreu logo. Não, não, ele até parecia... qual quê! foi no Hospital... não foi nada disso, o homem da tabacaria... gerou-se a confusão, todos a falar ao mesmo tempo. Disparate - protestava uma senhora ou uma mulher, que também ali se sentava - qual queixava qual coisa, o homem estava como morto, falava lá agora.
Alteando a voz o Sr. Antunes lá reconduziu o café à calma e contou-me tudo direitinho. Olhe desculpe lá isto mas o caso é o seguinte, o homem estava com uma máquina perfuradora, salta-lhe das mãos e a trabalhar em cima do tabuleiro do elevador, procurou segurá-la para ela não vir por ali a baixo que o elevador das obras só tem resguardo dos lados. Olhe veio a máquina e veio ele. Um quarto andar!
Tentei mostrar o meu espanto e quanto me impressionava o acidente mas julgo que se perdeu o efeito todo porque de novo se levantou o reboliço das opiniões discordantes.
Ia já a virar-me para o Su Do Ku quando o Sô Antunes, atento, me suspendeu. Sabe era um ucraniano. Com 64 anos. Coitado devia era estar a gozar a reforma lá na terra dele.
Um que estava ao balcão e que não tinha nada que se meter na conversa sentenciou, pois! vêm lá do inferno ou da Europa só para tirar o trabalho à gente!
Não ligue, esse gosta é de copos, trabalhar não é com ele, continuava o Sr. Antunes, baixinho e sem me dar fôlego. Tá a ver! Com aquela idade tem um filho cá em Portugal e outro em Espanha. Tudo nas obras. Era mineiro. A mulher, uma filha descasada e um netinho lá na Ucrânia. Agora quando julgam que vão receber a mesada recebem o homem morto... Dou-lhe a fotografia, que tirei com o meu telemóvel, Com este, tá a ver? Este é dos bons mas também saiu-me caro.
Deu-me a ideia. Tirei o telemóvel do bolso e comecei a falar como quem responde a um sinal de vibração, que não se ouve, para me salvar duma conversa que ameaçava não acabar. Fiz só um sinal como se estivesse a ouvir uma mensagem da máxima importância e saí logo só com um abanar de mão.
Só a uns bons metros de distância recolhi o telemóvel salvador. Mas logo à frente a vista do prédio em obras fez-me, só então, meditar no caso. Aquele homem, coitado, da minha geração (se fosse de outras idades teria pensado no caso? Lembrei-me depois) viveu o comunismo. Será que terá tido esperanças de conseguir o sempre adiado paraíso na terra? Deixarem um pessoa com aquela idade assim numa obra, trabalhos pesados... E depois uma falta de segurança... nem um resguardo, nada.

O que são as notícias. No jornal nem me daria ao trabalho de ler. Na rua, reparei então, no café, no restaurante, na tabacaria, na boutique dos DVD, ia uma consternação.

Na minha rua e neste momento, a morte dum homem impressiona-me muito mais do que as dezenas ou centenas que morrem todos os dias, rebentados à bomba ou a tiro, no Iraque. Estão longe. Ou que os quatro mil judeus que mataram e queimaram, aqui ao pé, no Rossio mas há 500 anos.

A distância... no espaço ou no tempo... é quase tudo.


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