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2006-06-12

 

Bac de philo

Um dos aspectos do francês que não aprendemos no liceu em Portugal é a mania de abreviar tudo. Este foi, sem dúvida, o aspecto pelo qual muitos amigos me reconheceram facilmente como não tendo vivido a minha adolescência em França. Nos outros aspectos, pronúncia, domínio da gramática, conjugação, etc. quase todos os representantes da minha geração que aprenderam francês no liceu fazemos boa figura.
Hoje é o dia de uma instituição da maior importância na sociedade francesa: o "bac de philo", o que quer dizer: "bacalauréat de philosophie" que é o equivalente ao exame do 12º ano no sistema nacional, com a diferença que em França a filosofia é obrigatória para todos os candidatos.
Este ano entre outras questões os jovens (e menos jovens, já que as idades variam de 14 a 78 anos) tiveram direito a dissertar sobre temas como, por exemplo:



A comunicação social trata abundantemente o assunto, aconselho-vos a leitura do Libé (abreviatura de Libération, claro).
Comments:
Só tenho pena de as minhas aulas e exames de filosofia do liceu não terem sido deste tipo. Não era suposto mais do que saber umas coisas sobre filósofos antigos, tendo cuidado para não cair na tentação de uma abordagem crítica ... Esta atitude, aliás, estendia-se às restantes matérias, nomeadamente às ciências. Espírito crítico e pensamento independente só encontrei fora da escola (e depois em algumas cadeiras na universidade), apesar de estes serem essenciais para desenvolver aptidões, por ex., para a investigação. Em conformidade, a investigação era encarada como uma actividade inútil, um desperdício de tempo. Quem não ouviu já a magnífica expressão depreciativa "é só teoria"?

Assim, aproveito para dizer que, apesar de o antigamente (vinte e tal anos atrás) ser muito louvado, em contraste com a "terrível" situação actual, acho que o meu ensino secundário (numa escola pública) foi péssimo, pior do que o actual. Hoje há muitos problemas mas, pelo menos, o pensar pela própria cabeça começa (começa, apenas!) a não ser considerado um atrevimento.
 
Devo às aulas de português do liceu a minha total aversão a Garrett, cuja obra dissecámos até ao limite, da forma mais aborrecida e acrítica possível. Felizmente não houve tempo para fazer o mesmo ao Eça, pelo que pude apreciar devidamente Os Maias e depois ler por minha própria iniciativa mais uma série de obras.
 
Eu tenho muito boas recordações dos meus tempos de liceu, lembro-me em particular de alguns excelentes professores na escola Fonseca Benevides secção de química em Santos. Foram os primeiros anos do ensino unificado a funcionar nas antigas escolas indústiais com professores motivados e turmas pequenas. Com as aulas de francês descobri Albert Camus, em português descobri Pessoa, Eça, Garret, Cesário Verde e muitos outros. Nos dois anos em que a filosofia fazia parte do curriculum tive a sorte de ter professores jovens e interessados as aulas sobre o "mito da caverna" de Platão foram para mim uma verdadeira descoberta.
Aliás ficou-me de tal maneira o gosto que no último ano da Universidade escolhi em opção uma cadeira de fundamentos da matemática.
 
Que temas tão difíceis para uma dissertação. Mesmo para um adulto, como eu que sou doutorado em física, parece-me difícil dissertar com um mínimo de cuidado sobre qualquer um desses temas.

Nem quero pensar no que aconteceria se aos alunos do 12º ano português fosse pedida uma dissertação assim. Os alunos portugueses mal são capazes de escrever uma redação sobre um acontecimento concreto, quanto mais sobre temas abstratos como esses. Seria uma hecatombe!!!

Luís Lavoura
 
A mim o que me parece mais confuso na língua francesa atual não são as abreviaturas, mas sim as palavras que não vêem no dicionário mas que são por todos utilizadas na vida corrente. Por exemplo, "bagnolle" (= automóvel), "boufer" (= comer), "boulot" (= trabalho), etc. Estive 7 anos na Alliance Française e, quando cheguei a França, apercebi-me de que não conhecia nada do vocabulário corrente!

Luís Lavoura
 
Talvez o tamanho das turmas tivesse alguma influência. De facto, não me lembro de ter turmas pequenas no liceu (D. Pedro V).

Os professores eram de variado tipo. Havia professores novos, mas que apareciam num ano e desapareciam no ano seguinte.
 
_______________________________

Boa tarde, Pedro.
Obrigado pela amostra do ambiente que corre no bac. Vê por favor o "link" para o Lib. Parece-me que não está activo.
Um abraço
 
Luis Lavoura, eu já vivo aqui à tanto tempo que me esqueci desse aspecto, o francês tem, de facto, esse aspecto da separação entre a língua "culta" e "corrente". É muito interessante assistir à génese de palavras que aparecem no vocabulário corrente e levam muitos anos a aparecer no dicionário, um dos seus exemplos até serve de título para um programa sobre culinária: "ça ne se bouffe pas, ça se mange".
Uma das razões do que aponta é o extremo conservadorismo da Académie Française que normaliza o vocabulário e a ortografia, um pequeno exemplo oficialmente não se diz e-mail (ou mail) mas sim mél (para message éléctronique).
 
Olá Manuel, obrigado pelo comentário, já reparei o link.
um abraço
 
Caro Pedro Ferreira,
Obrigada pelo interessante post!
 
em francês não há inglesismos!
todos as designações para informática são em francês!
ordinateur
logiciel
etc....
em inglês, por exemplo:
aka
asap
diy
ntw
etc...
 
Entrar pelas comparações de Ensino à 30 anos atrás torna-se arriscado e talvez desapropriado, é um pouco como comparar a Formula 1 de Fernando Alonso com a Formula 1 de Jackie stewart. São tempos totalmente distintos.
A nota negativa coincidente é o facto de ainda hoje, como à 25/30 anos atrás, continuar a existirem alunos que não seguem os Estudos (universitários principalmente)por falta de informação ou apoios institucionais.
À 22 anos, disseram-me "Zéquinha, tu até és inteligente mas tá na hora de ires trabalhar porque a nossa familia não aguenta com o Orçamento". E o "Zequinha" tornou-se num competente empregado de escritório que dedica boa parte do tempo à leitura e à formação a que não teve acesso.
Entretanto o Grupo Internacional onde trabalhava encerrou em Portugal, e o "Zéquinha"´, agora com 2 filhos, vai tentar "competir" com mais Meio Milhão de desempregados um lugar onde se encaixe.
"NO PRO", quer dizer "No Problem", ou se quiserem "NÂO HÁ CRISE", há que arregaçar as mangas, levantar a cabeça e ABREVIAR CAMINHO porque a vida é uma Abreviatura constante!
 
Meu caro luikki, não me parece que conheça bem a realidade da França actual, o Francês está cheio de palavras de origens diversas: árabe como kif-kif ou toubib, africana como marabout e inglesa como week-end, mail, cool, rap, R&B, black.

Justamente na informática, apesar dos termos específicamente francêses, usam-se imensos anglicismos, só para citar alguns: software, hardware, solver (do verbo to solve), template (se bem que exista patron em francês nimguem usa), etc.
 
Meu caro Newtalker, gostei da sua mensagem, e concordo absolutamente consigo, o grande valor do ensino público é poder dar as mesmas oportunidades a todos, independentemente das origens sociais. Duas coisas me chocam profundamente:
a primeira é que 30 anos após o 25 de Abril as estatísticas mostrem que as coisas evoluiram muito pouco nesse aspecto (a percentagem de filhos de classes desfavorecidas que frequêntam a universidade continua a ser muito reduzida), a segunda é a total inexistência de sistemas de formação durante a carreira profissional. Acabar um curso quando se trabalha (e eu sei do que falo pois trabalhei durante uma boa parte da licenciatura) continua a ser extremamente díficil.
 
Caro Netwalker,
Acho que se pode mesmo comparar o ensino de hoje com o de há 30 anos. É o que se faz constantemente, para dizer que piorámos e louvar o "antigamente". Ora eu não concordo. Acho que melhorámos. Quanto mais não seja porque há 30 anos eu via crianças da minha idade descalças a vender jornais na rua e isso era normal. Hoje tb há alguns problemas desse tipo mas são poucos já não fazem parte da normalidade. A maior parte das crianças hoje, escrevendo melhor ou pior, está na escola. E isso é bom.

Outra coisa que se pode comparar é o estímulo, na escola, a um pensamento crítico. Há 30 anos havia pouco e agora há um pouco mais. O que também é bom. Claro que em França há ainda mais, como se vê pelos temas do Bac. Deve ser por isso que os franceses conseguem pensar pela própria cabeça e "pôr os pés à parede" quando necessário. Mas em Portugal, há 30 anos era bem pior.

Desejo-lhe a melhor sorte!
 
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