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2006-06-27

 

Homogéneas, esperançosas e vazias.



1. À afirmação bem disposta e ufana de que não sofremos, como outros, de angústias identitárias – “Portugal sem problemas de identidade nacional” (DN de hoje, p. 6 e tb aqui) – conviria subtrair o fresco que Raul Brandão nos ofereceu e que, mais do que se pensa, continua a moldar, tensa e contraditoriamente, as nossas identidades.
Portugueses? Sim, mas, antes de mais, pobeiros!
Ao que podemos, sempre, acrescentar:
Portugueses, pois. Mas não se esqueçam que o Porto é uma nação e o Alentejo é um país.
A recente electrificação da primeira linha férrea do sul, (com a carreira do Alfa, Braga-Faro), foi disfarçada, para não se ter de lembrar a sua exemplaridade…
À história que dá cobertura às contradições e à reprodução das assimetrias, há quem continue a preferir a narrativa cómoda que propagandeia a homogeneidade e eclipsa as tensões.
Parece mais conveniente…

2. O Primeiro-Ministro José Sócrates fala em directo para os telejornais do almoço. Repete, mais ou menos, o que os press-release, distribuídos na véspera já destacavam: “Banda larga cobre ‘praticamente’ todo o país” (PÚBLICO de hoje, p. 41, link para assinantes).
A esta nota eufórica que anuncia a execução do Programa “Ligar Portugal”, parte integrante do Plano Tecnológico, subtrai-se a disfórica constatação de que, em matéria de instrumentos básicos da nossa relação com os universos da informação e da comunicação, (o computador), mais de metade dos portugueses está, para já, excluída.
– “Mais de metade dos portugueses nunca utilizou um computador” (TV-Ciência Online, aqui).

3. Por detrás destes dois tipos de distorção que se destinam provavelmente a fazer-nos sentir orgulhosos de qualquer coisa, jaz uma ameaça que se vai desvelando: “Portugal tem de baixar os custos do trabalho” – grita o DN de hoje, em manchete. Dá, assim, gentilmente, eco à "directiva" contida na entrevista de Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu.
Aí está uma das poucas coisas que historiadores optimistas e governantes eufóricos não podem disfarçar. Quando as crises estalam, são os que mais produzem que têm sempre de pagar mais. E, assim sendo, (lá vem a advertência científica) convém que se portem à altura da identidade nacional (homogénea e pacífica) que alguns historiadores enfatizam, levando em conta os sucessos do Governo que, omitindo os resultados do Eurostat (54% dos portugueses nunca utilizaram um computador e 74% não utiliza regularmente a Internet. Press-release,
aqui), vai semeando banda larga.

À espera de melhores dias?
Certamente.
Mas para quem?

Comments:
Não se trata de uma crise a estalar, nem de aqueles que mais produzem terem de pagar mais.

Trata-se apenas de que, até recentemente, o bem-estar na Europa Ocidental era largamente obtido à custa da exploração desenfreada do Terceiro Mundo. Ou seja, à custa de termos de troca extremamente desvantajosos para este último. Toda a indústria estava concentrada no Primiro e Segundo Mundos, e o Terceiro Mundo era um mero fornecedor de matérias-primas.

A partir do momento em que esta situação de opressão e desigualdade gritante é, progressivamente, eliminada, a riqueza dos Primeiro e Segundo Mundos tende a diminuir, mas essa diminuição é mais do que compensada pelo aumento da riqueza do Terceiro Mundo.

Trata-se, apenas, de um desiderato de esquerda: maior igualdade a nível mundial. Os ricos - entre os quais os portugueses se incluem - têm que ficar menos ricos para que os pobres - chineses e indianos - possam enriquecer um pouco.

Luís Lavoura
 
"o Programa “Ligar Portugal”, parte integrante do Plano Tecnológico"

O interessante é saber, exatamente, a quem pertence a banda larga que agora cobre todo o país, e por quem foi ela paga.

Aparentemente, a banda larga foi paga, em parte, por todos nós, através dos nossos impostos, mas pertence fisicamente a uma empresa privada, a Portugal Telecom.

Se é lucrativo cobrir de banda larga todo o país, porque é que diversas empresas privadas não o fizeram antes?

Se, por outro lado, não é lucrativo cobrir de banda larga certos pontos do país, então porque é que o Estado paga isso mas dá a banda larga de bandeja a uma empresa privada?

É preciso, de vez, separar as águas. Aquilo que pertence à PT deve ser um bem exclusivamente privado. Aquilo que o Estado paga não pode pertencer apenas a uma empresa privada.

Luís Lavoura
 
MUITO BEM SR. LAVOURA. NO PRIMEIRO E NO SEGUNDO COMENTÁRIO. A CONTINUAR ASSIM VOCÊ TEM DIREITO A UMAS ACÇÕES DO PUXAPALAVRA E A EXIGIR O DIREITO A POSTAR.
QUANTO AO POST NÃO PERCEBI BEM. ESTÁ MUITO ERUDITO MAS QUE CONCLUI? MC QUER DIZER QUE O TRÓCATES ESTÁ A DAR PÉROLAS A PORCOS? É ISSO?
LUSITANO DE GEMA
 
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Luis Lavoura,

Não sei como aplica s su teoria geral de que são os trabalhadores do ocidente que estão a "explorar" o 3º mundo. A comparação entre os salários alemães e os portugueses obrigá-lo-ia a um certo comedimento...

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Lusitano de Gema,

Nem pérolas, nem porcos. Sócrates continua encandeado com a escandinávia. Era mais ou menos isto que eu queria dizer.

Obrigado a ambos pela conversa.
 
O que é um desiderato de esquerda?
 
Não sei qual foi a "esquerda" que informou o Luis Lavoura acerca do tal "desiderato". Que esquerda quereria nivelar por baixo? Porquê, em vez disso, não nivelar pela Alemanha, Suécia, Noruega? Que esperteza é essa de pôr as direitas a definir os "desideratos" das esquerdas?

Pedro Conceição
 
Pedro Conceição, o desiderato da esquerda é a igualdade. Logo, se o nível de vida dos trabalhadores chineses sobe e o dos trabalhadores europeus desce, isso é um desiderato de esquerda, pois tende para a igualdade entre os chineses e os europeus.

A abertura comercial e o regime de comércio cada vez mais livre promovem um nivelamento pela média. O nivelamento por cima ou o nivelamento por baixo são coisas artificiais, só possíveis à custa da exploração de alguém. Em geral, natural é o nivelamento pela média.

É mais ou menos como a mistura da água quente com água fria...

MC, o que interessa não é comparar os salários alemães com os portugueses. O que interessa é comparar os salários portugueses com os salários vietnamitas. Aí é que a diferença é grande, enorme. Por padrões mundiais, Portugal é um país rico.

Luís Lavoura
 
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O comentário do Luis Lavoura (e ulteriores desenvolvimentos) repousa em 2 equívocos muito compactos. Um deles (pode ser o 1º) já foi assinalado pelo comentador que assina Pedro Conceição (provavelmente familiar de um outro que noutro sítio assinou Rui Conceição): a maneira redutora com que fala da "esquerda" poderia levar a supor, que há uma outra posição possível (de direita?) em que se é contra a igualdade. O princípio de igualdade em matéria de cidadania não implica o nivelamento acéfalo da virtude, da criatividade, da capacidade de produzir bens e serviços úteis. Em segundo lugar, porque é que Luis Lavoura só se preocupa com o princípio de igualdade aplicado aos trabalhadores? Imagine que o aplicava aos Espírito Santo, aos Mello ou aos Azevedo. Qual seria o resultado?
Luis Lavoura sente-se autorizado para falar em nome de uma certa "esquerda" -- cravejando-a perversamente com o ridículo da nivelação universal, por baixo e só para os trabalhadores -- mas não diz que esquerda é essa. Ao atacar uma esquerda que não há (em que ninguém das esquerdas se poderia rever) quer dar-nos a impressão que está a falar de uma "esquerda" que existe, assim, tão pobremente estereotipada.
No entanto, nem o «economês» que despreza a dimensão do emprego, nem a politologia que finge não haver diferenças no interior da "esquerda" e da "direita", respondem às questões da justiça, da ética e da civilização.
Há mais vida para além dos mercados.
Cordialmente
 
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Relativamente à questão da «identidade homogénea», ver o irónico cartoon de Bandeira na contra-capa do DN de hoje, e tb aqui.
 
1) Eu não ataco a esquerda. Eu sou de esquerda!

2) Não defendo nem defendi que o princípio da igualdade se devesse aplicar apenas aos trabalhadores e não também "aos Espírito Santo, aos Mello ou aos Azevedo". Apenas fiz notar, nos meus comentários, que o princípio da igualdade defendido pela esquerda (e, portanto, por mim!) se deve aplicar, não apenas no interior de um país, mas também a nível internacional.

3) É evidente que a direita é a favor da desigualdade. A direita defende o privilégio e as relações de subordinação instituídas. A esquerda contesta-os. É essa uma das distinções básicas entre esquerda e direita.

4) É também evidente que há diversas esquerdas. Mas todas elas são a favor de uma maior igualdade de oportunidades.

Entretanto, o MC não contestou o meu argumento essencial, que era: Portugal é um país rico, e é natural que os ricos tenham que abdicar de um pouco da sua riqueza para que os pobres (neste caso, os indianos, os vietnamitas ou os papuas) possam subir. Nem contestou o facto, já constatado por Lenine há 100 anos atrás, que a riqueza da Europa se devia em grande parte à exploração do Terceiro Mundo. Desse facto decorre que, se a exploração do Terceiro Mundo diminuir, a riqueza da Europa também deverá diminuir.

Luís Lavoura
 
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Luis Lavoura,

faço notar que "igualdade de oportunidades" não equivale a igualdade salarial. Muito menos ainda a igualdade da riqueza.

Dado que Portugal foi, desde pelo menos o Tratado de Metween, um país colonizado, (apesar de permanecer colonizador), peço-lhe a mercê de um estatuto de excepção para o nosso país.

Como não foram os trabalhadores que acumularam as riquezas fruto da exploração colonial, peço-lhe a indulgência de ficarem de fora do acerto de contas globalizador.

Não me parece curial que quem levou uma vida de miséria, desconforto e carências de vária ordem, venha agora responder pelos senhores do papel e pela rapina colonial.

Portugal não está em igualdade de circunstâncias com as outras potências coloniais europeias. Nunca esteve. Não deve ser tratado como igual o que é (muito) diferente.

Essa ideia de ser a redução dos salários a reduzir o desequilíbrio global, deveria ser submetida a uma análise mais cerrada. (È uma proposta, claro).

Quanto ao resto, obrigado pelos seus esclarecimentos.
 
Boa MC e mesmo assim tiveste mesmo muita paciência para o Sr. Luis Lavoura. Penso que já ficou tudo esclarecido.
 
Puxa, tanto comentário, começo a ter inveja. Olha parece-me que assim está melhor mas senão é isto diz-me que "lavo daí as minhas mãos" ;))
 
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