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2006-06-01

 

Portugal visto do "exterior". Percepções e vergonha (1)



Portugal visto muito, muito de cima




1. Há sempre quem se agite pressurosamente para fazer saber que está de acordo com o diagnóstico da má imagem de Portugal no estrangeiro ou que alinha com a tese da existência de uma “imagem negativa” que Portugal (os portugueses que vivem em Portugal?) tem no exterior.
José Pacheco Pereira fá-lo hoje na sua crónica semanal, no jornal PÚBLICO, (link para assinantes), na sequência de declarações de Jack Welsh, “um dos gestores mais admirados em todo o mundo”.
Jack Welsh teria sido particularmente acutilante ao considerar “humilhante a percepção que o exterior tem de Portugal”.

2. Parece ser politicamente correcto, pelo menos desde a célebre frase assassina atribuída a D. Carlos, incomodarmo-nos repelentemente com os nossos compatriotas de pior destino. O penúltimo rei de Portugal, ao regressar ao país, depois de uma das suas deslocações à estranja, teria desabafado,
– “Pronto. Regressámos à piolheira!”
A aristocracia viajeira e cosmopolita sentia-se envergonhada da miséria, do analfabetismo e dos arcaísmos que as cidades e os campos de Portugal apresentavam em comparação com as grandes e resplandecentes metrópoles da época.

3. Hoje, como então, nunca se interrogavam ou interrogam acerca da quota-parte que foi e é a sua, na manutenção dos dispositivos que bloquearam e bloqueiam a qualificação das pessoas, o desenvolvimento e uma distribuição mais justa da (pouca) riqueza criada. Pressuponho que julgam que os responsáveis são exclusivamente os “outros”.

4. Quanto aos atavismos racistas, à permanência da exploração da mão-de-obra infantil, e aos escândalos de todas as espécies que põem a nu a postura corrupta das elites e dos governantes de países como os Estados Unidos da América, Inglaterra ou França, respondem que são sequelas menores num todo positivo.

5. No estrangeiro, como cá, há sempre quem esteja a olhar para a garrafa meia-vazia. E se os portugueses que se incomodam quando regressam à “piolheira” guardam esse sentimento autêntico acerca da distância que há entre eles e outros grupos sociais, não é menos verdade que os “estrangeiros” que desvalorizam a imagem de Portugal o fazem com intuitos bastante pragmáticos.

6. Sem esconder a miséria ou nos orgulharmos do nosso pior, deveríamos também estar preparados para uma negociação de imagem e de sentido mais consentânea com tudo o que aprendemos acerca das grandezas e misérias do Mundo.

7. Outrora, os fidalgotes olhavam com desprezo o povoléu que se arrastava na lama; hoje, o país levantado do chão é visto com sobranceria pelos senhoritos dos condomínios fechados.
Os desempregados fazem parte do país que empobrece; os ricaços investem onde melhor lhes parece e, como não estamos (ainda) em vésperas de uma distribuição (da riqueza criada) menos aviltante para quem trabalha, a vergonha que deveríamos sentir quando Jack Welsh nos trata com acrimónia deveria ficar em suspenso até percebermos melhor de que outras coisas e países se "envergonha" ele.

8. A vergonha - Jack Welsh sabe-o quase de certeza - não é relevante neste caso.

O que importa é fazer melhor!

Comments:
Olá Manuel eu acho que o post está excelente e vinha mesmo com a ideia de exclamar "chapeau" mas eis que li o teu comentário ao meu post precedente e hesito... assim parece aquela história que me contaste: "Ó compadre cá na terra só há duas pessoas de respeito. Uma é você. E a outra quem é? Diga lá."
Devias era enviar o artigo para o DN. A sério.
 
Parabéns pelo post e pelo remate final! A situação só pode mesmo ser encarada com optimismo e nervo. Ser português entre estrangeiros (dos países ricos, claro) é, muitas vezes, como ser mulher numa profissão tradicionalmente masculina ou ser preto no meio de brancos conservadores. Há de facto um preconceito ... uma desconfiança básica inicial que pode dificultar as coisas. Mas o queixume não é solução, só piora. E a vergonha não tem qq interesse. Há é que, individualmente, fazer o melhor possível. E lutar para melhorar o todo.
 
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Raimundo,

obrigado pela simpatia e pela contenção devido à reciprocidade.
Compreendo.

Recebi um email do DN. Dizem-me que iam seleccionar um parágrafo do texto (não me disseram qual) mas que o teu comentário os inibiu. Se o fizessem nestas circunstâncias, poderia parecer que estavam a "executar uma recomendação".

Faz-me lembrar a história do velho, do rapaz e do burro.

Paciência.
 
Manuel, obrigado pelo teu excelente post.
Como já vivo no estrangeiro há vários anos posso observar de fora exactamente aquilo que descreves: as reacções das "tias" lusitanas que por vezes cruzamos por aqui em relação aos emigrantes são como descreves, ainda ficam mais incomodadas de encontrar um pouco da piolheira.
O que muitos de nós não imaginamos é como Portugal pode ser atraente para muitos estrangeiros, a quantidade de amigos que visitaram Portugal depois de lerem uma boa tradução de um autor português ou depois de uma boa comida nacional, etc.
 
Olá Manuel
Na realidade o post está muito bom e é pena que, apesar de o Puxapalavra não estar muito mal quanto a visitas, não possa ter a visibildade que teria se fosse publicado num jornal como o DN ou o Público. Acho que o jornalista que te enviou o email foi simpático ao te informar. Podia simplesmente não dizer nada. E admito como muito natural ter-se inibido de citar o teu post tendo em conta a razão apontada. Foi azar.
 
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