2006-07-27
Os novos «democratas»
Nouri el Maliki, 1º Ministro Iraquiano
O 1º Ministro do Governo do Iraque está de visita aos EUA. Pareceu estranho a alguns senadores que ouviam o Sr. Maliki afirmar, durante uma reunião com membros do Congresso, ontem -- ver pormenores aqui -- que o Iraque está hoje na linha da frente na guerra contra o terrorismo, quando, na circunstância, não se demarcou nem condenou o Hezbollah.
De facto, a política externa norte-americana desembocou, há muito, num impasse. Os seus aliados, como é o caso deste governante shiita iraquiano, aliaram-se aos americanos para o pós saddamismo, mas condenam a política de Washington de apoio incondicional aos desmandos de Israel na Palestina e no Líbano.
Parece não perceberem que mesmo os fantoches anseiam pela sobrevivência quando as tropas americanas regressarem a casa. E o Hezbollah, no Líbano, ou o Hamas, na Palestina, pese contra eles tudo o que se quiser, tem uma legitimidade democrática que não se compara, nem de perto nem de longe, com a da pax americana que gerou e protege o Sr. Maliki.
Os grandes exportadores da democracia têm o topete de recusar «certos» resultados eleitorais quando os eleitos não lhes convêm.
Já se tinha visto antes, é certo, mas faz sempre alguma impressão.
De facto, a política externa norte-americana desembocou, há muito, num impasse. Os seus aliados, como é o caso deste governante shiita iraquiano, aliaram-se aos americanos para o pós saddamismo, mas condenam a política de Washington de apoio incondicional aos desmandos de Israel na Palestina e no Líbano.
Parece não perceberem que mesmo os fantoches anseiam pela sobrevivência quando as tropas americanas regressarem a casa. E o Hezbollah, no Líbano, ou o Hamas, na Palestina, pese contra eles tudo o que se quiser, tem uma legitimidade democrática que não se compara, nem de perto nem de longe, com a da pax americana que gerou e protege o Sr. Maliki.
Os grandes exportadores da democracia têm o topete de recusar «certos» resultados eleitorais quando os eleitos não lhes convêm.
Já se tinha visto antes, é certo, mas faz sempre alguma impressão.
Comments:
<< Home
Pois é, falaste bem. Em perfeito acordo com a regulamentação democrática. Na parte que toca ao critério de apreciação “interna” (ou seja, a aferição da legitimidade governativa pelo resultado dos votos). Mas, meu caro, não entendes que essa mesma legitimidade tem, se as nações e os estados têm obrigações para com os “outros”, particularmente para com os vizinhos, ser aferida (ou homologada, se preferires a linguagem jurídica) pelo respeito ou não respeito do princípio da eternidade da não agressão e não contestação da soberania exercida noutros limites de fronteiras (se também legitimadas em outras escolhas e outros votos)?
Hitler chegou ao poder por eleição legítima dos alemães. E até final, a esmagadora maioria dos alemães adoraram-no e seguiram-no, matando e morrendo por ele. Assim, do ponto de vista estritamente alemão, se houve político com “legitimidade” perante os “seus”, Hitler está nesse retrato. O problema com o Hitler “apenas” foi dos internos perdedores (judeus, comunistas, social-democratas, maricas, ciganos e testemunhas de Jeová) e dos “outros” - os vizinhos a ocupar e a abater.
Se o Hezbollah fosse um “problema libanês”, o Hamas um “problema palestiniano”, os ayatollas um “problema iraniano”, os tallibans um “problema afegão”, seriam apenas escolhas internas democraticamente conseguidas, portanto legítimas, e o baile devia acabar aqui. Só que, como Hitler não foi só um “problema alemão”, o Hezbollah, o Hamas, os ayatollas e os tallibans, são também um problema para todos. Porque o fito comum e fanatizado de todos eles é destruir Israel, atacar a civilização, impor uma ordem islâmica integrista pela bomba, pela pedra e pelo “rocket”, escaqueirar a democracia onde quer que ela se pratique, regredir aos tempos do expansionismo muçulmano, levar as mulheres de volta à regressão medieval, destruir o legado mais importante deixado ao mundo pelos soviéticos (a unipolaridade americana). Restando-nos, desesperadamente, como única alternativa á unipolaridade imperial dos States, a regressão ao domínio das madrassas, dos xeques e de Meca. E, como canta bem o Sérgio, “para melhor, está bem, está bem, para pior já basta assim”.
Finalmente: claro que os israelitas não são "santos", são até legitimamente detestáveis, mas como não lhes reconhecer que fazem, estão a fazer, com abusos condenáveis de toda a ordem, o trabalho sujo dos "pecadores" que nos recusamos a ser? Mas se é esta, a "linguagem do pecado", a única capaz de conter o "problema para os outros" constituído pelo Hezbollah, pelo Hamas, pelos ayatollas e pelos tallibans...
João Tunes
Hitler chegou ao poder por eleição legítima dos alemães. E até final, a esmagadora maioria dos alemães adoraram-no e seguiram-no, matando e morrendo por ele. Assim, do ponto de vista estritamente alemão, se houve político com “legitimidade” perante os “seus”, Hitler está nesse retrato. O problema com o Hitler “apenas” foi dos internos perdedores (judeus, comunistas, social-democratas, maricas, ciganos e testemunhas de Jeová) e dos “outros” - os vizinhos a ocupar e a abater.
Se o Hezbollah fosse um “problema libanês”, o Hamas um “problema palestiniano”, os ayatollas um “problema iraniano”, os tallibans um “problema afegão”, seriam apenas escolhas internas democraticamente conseguidas, portanto legítimas, e o baile devia acabar aqui. Só que, como Hitler não foi só um “problema alemão”, o Hezbollah, o Hamas, os ayatollas e os tallibans, são também um problema para todos. Porque o fito comum e fanatizado de todos eles é destruir Israel, atacar a civilização, impor uma ordem islâmica integrista pela bomba, pela pedra e pelo “rocket”, escaqueirar a democracia onde quer que ela se pratique, regredir aos tempos do expansionismo muçulmano, levar as mulheres de volta à regressão medieval, destruir o legado mais importante deixado ao mundo pelos soviéticos (a unipolaridade americana). Restando-nos, desesperadamente, como única alternativa á unipolaridade imperial dos States, a regressão ao domínio das madrassas, dos xeques e de Meca. E, como canta bem o Sérgio, “para melhor, está bem, está bem, para pior já basta assim”.
Finalmente: claro que os israelitas não são "santos", são até legitimamente detestáveis, mas como não lhes reconhecer que fazem, estão a fazer, com abusos condenáveis de toda a ordem, o trabalho sujo dos "pecadores" que nos recusamos a ser? Mas se é esta, a "linguagem do pecado", a única capaz de conter o "problema para os outros" constituído pelo Hezbollah, pelo Hamas, pelos ayatollas e pelos tallibans...
João Tunes
o comentador anterior necessita de compaixão...
está sobre a influência de medicação...
e não percebeu que a criatura que ilustra o post é um pobre coitado ao serviço dos usa....
está sobre a influência de medicação...
e não percebeu que a criatura que ilustra o post é um pobre coitado ao serviço dos usa....
_______________________________
Meu caro João Tunes,
Agradeço-te muito o comentário, pois nestas matérias estamos quase sempre a resvalar para o maniqueísmo. Tomar pontos-de-vista fora das correntes dominantes ajuda-nos a distribuir a atenção por aspectos eclipsados pelos astros das grandes causas.
No fundamental, colocas duas questões difíceis.
1. Não basta a um povo eleger democraticamente os seus representantes. A «comunidade internacional» deveria (deve?) homologar esses resultados, filtrando as intenções expansionistas e/ou imperialistas dos dirigentes eleitos. Descontemos as flutuações semânticas dos termos e reconheçamos que tal princípio, aplicado à França, a Portugal, ao Reino Unido, à Indonésia, aos EUA, etc., provocaria um rebuliço, esse sim, eternizador.
A ONU, em vez de conseguir o desiderato que enuncias, viu os alguns dos seus observadores abatidos no terreno. Olmert (e os anteriores, com raras excepções) é contra qualquer «filtro».
A história do Estado de Israel tem de ser recapitulada. Temos de recordar o que aconteceu naquela região desde o fim da 2ª Grande Guerra. Esta abordagem em voga (imediatista e recentista) que perdoa os malefícios do Sionismo e acentua as reacções dos extremistas muçulmanos não nos leva muito longe…
2. Porque Adolf Hitler, à frente do Partido Nacional-Socialista, enganou os alemães com o seu programa de pleno emprego, orgulho nacionalista, e um futuro de leite e mel, «esquecendo-se», depois, de voltar a submeter-se a escrutínio, preferindo, em vez dessas minudências processuais, coordenar a afronta à humanidade também conhecida por Holocausto, acabou tb por comprovar que os métodos democráticos, isolados dos direitos da cidadania, da informação, debate contraditório, et j’en passe, não asseguram uma governação civilizada.
3. O que tem sucedido no Médio Oriente tem sido algo que se assemelha estranhamente como que aconteceu na Europa entre 1918 e 1939. As humilhações sucessivas dos «derrotados» explicam uma identificação crescente com os líderes que apontam o caminho do desagravo, da vingança e do aniquilamento do inimigo.
4. É claro que, no meio disto tudo, o vespeiro do Iraque e o reforço do papel do Irão, não ajudam nada. Claro. Mas é necessário confrontar Bush (eleito democraticamente), Tony Blair, Durão Barroso e Aznar que abriram, na antevéspera da campanha do Iraque, a gaiola aos falcões, com a irracionalidade e irresponsabilidade do seu gesto.
5. A arma nuclear que os Estados Unidos da América facultaram ao Estado de Israel, não tem grande utilidade a curta distância. Ainda não conseguiram inventar uma radioactividade mortal para os árabes e inócua para os judeus. Na hora do isolamento (ou do reordenamento árabe no Médio Oriente), Israel ficaria mais seguro se estivesse em Paz com os seus vizinhos.
Um abraço
Meu caro João Tunes,
Agradeço-te muito o comentário, pois nestas matérias estamos quase sempre a resvalar para o maniqueísmo. Tomar pontos-de-vista fora das correntes dominantes ajuda-nos a distribuir a atenção por aspectos eclipsados pelos astros das grandes causas.
No fundamental, colocas duas questões difíceis.
1. Não basta a um povo eleger democraticamente os seus representantes. A «comunidade internacional» deveria (deve?) homologar esses resultados, filtrando as intenções expansionistas e/ou imperialistas dos dirigentes eleitos. Descontemos as flutuações semânticas dos termos e reconheçamos que tal princípio, aplicado à França, a Portugal, ao Reino Unido, à Indonésia, aos EUA, etc., provocaria um rebuliço, esse sim, eternizador.
A ONU, em vez de conseguir o desiderato que enuncias, viu os alguns dos seus observadores abatidos no terreno. Olmert (e os anteriores, com raras excepções) é contra qualquer «filtro».
A história do Estado de Israel tem de ser recapitulada. Temos de recordar o que aconteceu naquela região desde o fim da 2ª Grande Guerra. Esta abordagem em voga (imediatista e recentista) que perdoa os malefícios do Sionismo e acentua as reacções dos extremistas muçulmanos não nos leva muito longe…
2. Porque Adolf Hitler, à frente do Partido Nacional-Socialista, enganou os alemães com o seu programa de pleno emprego, orgulho nacionalista, e um futuro de leite e mel, «esquecendo-se», depois, de voltar a submeter-se a escrutínio, preferindo, em vez dessas minudências processuais, coordenar a afronta à humanidade também conhecida por Holocausto, acabou tb por comprovar que os métodos democráticos, isolados dos direitos da cidadania, da informação, debate contraditório, et j’en passe, não asseguram uma governação civilizada.
3. O que tem sucedido no Médio Oriente tem sido algo que se assemelha estranhamente como que aconteceu na Europa entre 1918 e 1939. As humilhações sucessivas dos «derrotados» explicam uma identificação crescente com os líderes que apontam o caminho do desagravo, da vingança e do aniquilamento do inimigo.
4. É claro que, no meio disto tudo, o vespeiro do Iraque e o reforço do papel do Irão, não ajudam nada. Claro. Mas é necessário confrontar Bush (eleito democraticamente), Tony Blair, Durão Barroso e Aznar que abriram, na antevéspera da campanha do Iraque, a gaiola aos falcões, com a irracionalidade e irresponsabilidade do seu gesto.
5. A arma nuclear que os Estados Unidos da América facultaram ao Estado de Israel, não tem grande utilidade a curta distância. Ainda não conseguiram inventar uma radioactividade mortal para os árabes e inócua para os judeus. Na hora do isolamento (ou do reordenamento árabe no Médio Oriente), Israel ficaria mais seguro se estivesse em Paz com os seus vizinhos.
Um abraço
Caro Manuel Correia, confirmas que é um prazer conversar contigo. Sobretudo quando nos desentendemos. Pelas razões que bem explicas no intróito da tua resposta ao meu comentário.
Não vou insistir nas questões demasiadamente entrincheiradas das nossas posições. Sobre essas, proponho que deixemos assentar a poeira pois, infelizmente, o drama no Médio Oriente está para lavar e durar. E pressinto que as voltas que vão ocorrer nos trágicos acontecimentos que nos perturbam, e é por isso que sobre eles falamos, vão obrigar um e outro a removermos algumas posições demasiadamente plásticas que bloqueiam eventuais caminhos para, agora, melhor nos entendermos. Pela minha parte, como sempre, confirmo que nunca tenho posições definitivas sobre nada, muito menos sobre uma tragédia. Que mais não seja por respeito para com as vítimas.
Neste espírito pacificador e de confiança nos benefícios da distanciação, escolho, se me é permitido, como continuação do debate, dois dos tópicos que tu considera nucleares (ou seja, dou-te a escolha dos tópicos importantes, eu escolho, na tua escolha, aqueles a abordar ou contornar no momento):
1. Dizes: “A história do Estado de Israel tem de ser recapitulada. Temos de recordar o que aconteceu naquela região desde o fim da 2ª Grande Guerra.”. Duvido que leve a alguma solução pacífica o revisionismo histórico (ou recapitulação histórica) das origens dos estados e nações e seus actuais traçados. Dois exemplos que podem tornar catastrófica esta via - a Conferência de Berlim que dividiu África ainda não foi há muito tempo; ontem mesmo a Al Khaeda falou na reconquista islâmica urgente da Andaluzia. Mas como este meu temor pode ser um exagero, dou umas parcas achegas à “recapitulação” proposta:
1.1. Obviamente, a ideia sionista que levou à criação do Estado de Israel no então protectorado britânico da Palestina obedeceu a um sentimento profético étnico-religioso e ao desejo de autodefesa e de desforra catárquica pelo sofrimento e sentimento de culpa de cobardia do Holocausto. Assim, a terra de origem era-lhes vista como a terra da redenção.
1.2. Na luta, com uma forte componente terrorista, para a imposição da existência do Estado de Israel, os judeus defrontaram os britânicos e os árabes. Foram sobretudo financiados pela rica e numerosa comunidade judaica nos EUA (esta é a base historicamente objectiva que desde sempre até hoje sustenta a aliança Israel/EUA). Ganharam, sabendo que eram altas as probabilidades de perderem o que tinham conquistado.
1.3. Foi decisivo, na aprovação e consolidação do Estado de Israel, o apoio então dado pela URSS que foi, recorde-se, o primeiro Estado a reconhecer Israel e teve protagonismo na sua admissão na ONU. Os motivos deste apoio decisivo são óbvios – os judeus lutavam contra os imperialistas britânicos; a maioria das elites árabes estava fresca nos seus sentimentos germanófilos que a tinham levado a simpatias pró-nazis; a filosofia da prática social israelita tinha fortes componentes de semelhança com os estereótipos da colectivização soviética (kibutz versus kolkhoses); Israel permitia a existência de um forte Partido Comunista de Israel; alívios de vários tipos por muitos judeus soviéticos saírem portas fora para habitarem em Israel.
1.4. A viragem da URSS da sua posição pró-Israel para a entrada posterior deste Estado no catálogo dos inimigos imperialistas segundo os soviéticos e a abater, deveu-se à consolidação da aliança Israel/EUA, numa fase de agudização da “guerra fria”, e um redesenho da política de alianças da URSS no Médio Oriente (via “socialismo árabe”) a partir do “nasserismo” e a propagação da sua influência nos outros países árabes, em que a espinha dorsal geoestratégica passou para a aliança Egipto/URSS e a proliferação dos Partidos Baas cujos ramos eram comandados por “militares progressistas” e que substituíram, nas preferências soviéticas, os próprios partidos irmãos do PCUS (os Partidos Comunistas nos países árabes). Entretanto, a causa da Palestina e a OLP passaram, além de carne para canhão da política soviética e anti-israelita, a representar o zénite da propaganda comunista na apresentação do modelo de combatentes e de mártires na causa dos “movimentos de libertação”. Até hoje.
Proponho que completes a lista. Ou a corrijas.
2. Dizes também “O que tem sucedido no Médio Oriente tem sido algo que se assemelha estranhamente com o que aconteceu na Europa entre 1918 e 1939.”. E aqui concordo em absoluto. Pela razão que adiantaste (“As humilhações sucessivas dos «derrotados» explicam uma identificação crescente com os líderes que apontam o caminho do desagravo, da vingança e do aniquilamento do inimigo.”) mas não só. Também, acrescento, pela complacência, quando não colaboracionismo, com que a Europa (a burguesa e a revolucionária) lidaram com o nazismo nos seus primeiros ímpetos expansionistas (a burguesia imperialista em Espanha e em Munique, permitindo a Hitler levar a Espanha ao franquismo, permitindo a Hitler abocanhar a Áustria, as Sudetas e a Boémia, na crença de que estavam a empurrar o Nazismo para Leste; os soviéticos - depois de serem derrotados por Hitler em Espanha - pelo Pacto imperial Germano-Soviético na ilusão de expandirem o império soviético e virarem os dentes de Hitler contra o Ocidente capitalista na previsão oportunista do efeito de “boomerang” sobre o Ocidente da “traição de Munique”). O que lembra, infelizmente e nos tempos de hoje, os dois pesos e duas medidas com que alguma burguesia europeia e antiamericana, em aliança “subjectiva” com o campo revolucionário deste nosso tempo, vêem islâmicos, israelitas e americanos, na perpétua esperança que o terrorismo islâmica faça o “trabalhinho sujo” contra os Estados Unidos e contra Israel.
Já vai longa a fala. É tempo do abraço protocolar mas sincero. Aqui vai, caro Manuel Correia.
João Tunes
Enviar um comentário
Não vou insistir nas questões demasiadamente entrincheiradas das nossas posições. Sobre essas, proponho que deixemos assentar a poeira pois, infelizmente, o drama no Médio Oriente está para lavar e durar. E pressinto que as voltas que vão ocorrer nos trágicos acontecimentos que nos perturbam, e é por isso que sobre eles falamos, vão obrigar um e outro a removermos algumas posições demasiadamente plásticas que bloqueiam eventuais caminhos para, agora, melhor nos entendermos. Pela minha parte, como sempre, confirmo que nunca tenho posições definitivas sobre nada, muito menos sobre uma tragédia. Que mais não seja por respeito para com as vítimas.
Neste espírito pacificador e de confiança nos benefícios da distanciação, escolho, se me é permitido, como continuação do debate, dois dos tópicos que tu considera nucleares (ou seja, dou-te a escolha dos tópicos importantes, eu escolho, na tua escolha, aqueles a abordar ou contornar no momento):
1. Dizes: “A história do Estado de Israel tem de ser recapitulada. Temos de recordar o que aconteceu naquela região desde o fim da 2ª Grande Guerra.”. Duvido que leve a alguma solução pacífica o revisionismo histórico (ou recapitulação histórica) das origens dos estados e nações e seus actuais traçados. Dois exemplos que podem tornar catastrófica esta via - a Conferência de Berlim que dividiu África ainda não foi há muito tempo; ontem mesmo a Al Khaeda falou na reconquista islâmica urgente da Andaluzia. Mas como este meu temor pode ser um exagero, dou umas parcas achegas à “recapitulação” proposta:
1.1. Obviamente, a ideia sionista que levou à criação do Estado de Israel no então protectorado britânico da Palestina obedeceu a um sentimento profético étnico-religioso e ao desejo de autodefesa e de desforra catárquica pelo sofrimento e sentimento de culpa de cobardia do Holocausto. Assim, a terra de origem era-lhes vista como a terra da redenção.
1.2. Na luta, com uma forte componente terrorista, para a imposição da existência do Estado de Israel, os judeus defrontaram os britânicos e os árabes. Foram sobretudo financiados pela rica e numerosa comunidade judaica nos EUA (esta é a base historicamente objectiva que desde sempre até hoje sustenta a aliança Israel/EUA). Ganharam, sabendo que eram altas as probabilidades de perderem o que tinham conquistado.
1.3. Foi decisivo, na aprovação e consolidação do Estado de Israel, o apoio então dado pela URSS que foi, recorde-se, o primeiro Estado a reconhecer Israel e teve protagonismo na sua admissão na ONU. Os motivos deste apoio decisivo são óbvios – os judeus lutavam contra os imperialistas britânicos; a maioria das elites árabes estava fresca nos seus sentimentos germanófilos que a tinham levado a simpatias pró-nazis; a filosofia da prática social israelita tinha fortes componentes de semelhança com os estereótipos da colectivização soviética (kibutz versus kolkhoses); Israel permitia a existência de um forte Partido Comunista de Israel; alívios de vários tipos por muitos judeus soviéticos saírem portas fora para habitarem em Israel.
1.4. A viragem da URSS da sua posição pró-Israel para a entrada posterior deste Estado no catálogo dos inimigos imperialistas segundo os soviéticos e a abater, deveu-se à consolidação da aliança Israel/EUA, numa fase de agudização da “guerra fria”, e um redesenho da política de alianças da URSS no Médio Oriente (via “socialismo árabe”) a partir do “nasserismo” e a propagação da sua influência nos outros países árabes, em que a espinha dorsal geoestratégica passou para a aliança Egipto/URSS e a proliferação dos Partidos Baas cujos ramos eram comandados por “militares progressistas” e que substituíram, nas preferências soviéticas, os próprios partidos irmãos do PCUS (os Partidos Comunistas nos países árabes). Entretanto, a causa da Palestina e a OLP passaram, além de carne para canhão da política soviética e anti-israelita, a representar o zénite da propaganda comunista na apresentação do modelo de combatentes e de mártires na causa dos “movimentos de libertação”. Até hoje.
Proponho que completes a lista. Ou a corrijas.
2. Dizes também “O que tem sucedido no Médio Oriente tem sido algo que se assemelha estranhamente com o que aconteceu na Europa entre 1918 e 1939.”. E aqui concordo em absoluto. Pela razão que adiantaste (“As humilhações sucessivas dos «derrotados» explicam uma identificação crescente com os líderes que apontam o caminho do desagravo, da vingança e do aniquilamento do inimigo.”) mas não só. Também, acrescento, pela complacência, quando não colaboracionismo, com que a Europa (a burguesa e a revolucionária) lidaram com o nazismo nos seus primeiros ímpetos expansionistas (a burguesia imperialista em Espanha e em Munique, permitindo a Hitler levar a Espanha ao franquismo, permitindo a Hitler abocanhar a Áustria, as Sudetas e a Boémia, na crença de que estavam a empurrar o Nazismo para Leste; os soviéticos - depois de serem derrotados por Hitler em Espanha - pelo Pacto imperial Germano-Soviético na ilusão de expandirem o império soviético e virarem os dentes de Hitler contra o Ocidente capitalista na previsão oportunista do efeito de “boomerang” sobre o Ocidente da “traição de Munique”). O que lembra, infelizmente e nos tempos de hoje, os dois pesos e duas medidas com que alguma burguesia europeia e antiamericana, em aliança “subjectiva” com o campo revolucionário deste nosso tempo, vêem islâmicos, israelitas e americanos, na perpétua esperança que o terrorismo islâmica faça o “trabalhinho sujo” contra os Estados Unidos e contra Israel.
Já vai longa a fala. É tempo do abraço protocolar mas sincero. Aqui vai, caro Manuel Correia.
João Tunes
<< Home