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2006-08-02

 

Uma chamada para Omar.


[Craig Frazier, New York Times (2006-08-01)]

Quando a paz regressar à Palestina e, por caminhos cujo desenho não se vislumbra ainda muito bem, os povos da região conviverem civilizadamente com as suas dissenções, resolvendo os diferendos por meios pacíficos, guardando o respeito que se devem uns aos outros; nesse tempo desejado, possível e, todavia, tão demorado, alguém há-de contar a história que Ashraf Khalil nos deixou hoje nas páginas do PÚBLICO -- “Telefonema quer dizer que uma bomba vem a caminho” -- (p. 16 da edição impressa).

Omar Mamluke, polícia e antigo campeão de equitação, atende o telemóvel. Do outro lado, alguém o avisa que tem de sair de casa o mais depressa possível. Um míssil iria já a caminho.
Omar, varado, pergunta se se trata de alguma brincadeira de mau gosto. A voz, do outro lado, explica secamente que “o exército israelita não brinca”.

Meia hora depois, a ameaça -- talvez seja melhor escrever “aviso”(?) -- cumpriu-se. O míssil atingiu a casa. Os alicerces ficaram à vista, compondo, com mais este feito glorioso, o cenário de destruição em que as forças armadas israelitas têm transformado o território da Faixa de Gaza. Omar, mulheres e filhos, escaparam por uma unha negra. Foram engrossar a população de refugiados, num êxodo forçado que os judeus israelitas, no poder, acham necessário e justo.

Devemos ou não registar esta mudança de estilo Israelita? Pode parecer irónico, mas acho que sim. A essência da pax hebraica está toda condensada nesse estremecimento humanitário que faz com que, meia hora antes, alguém telefone para a habitação que vai ser bombardeada, e «avise».

O novo estilo ainda acusa algumas imperfeições, mas deve compreender-se que já constitui um esforço assinalável orientado para uma melhor vizinhança entre os dois Estados. Com um senão. Quem recebe a chamada, não pode perguntar porquê.
(Porquê? Porquê a minha casa? Eu nem sequer sou do partido que ganhou as eleições!).

Nada a fazer.
Não se trata de nenhum concurso, nem de nenhum estudo de opinião.
É só um aviso! (ou uma ameaça?)

Os dados estão lançados e Israel já decidiu fazer da Faixa de Gaza e do Sul do Líbano (a tal faixa de vinte quilómetros de fundo, que as forças armadas, com pólvora e bulldozers, vão terraplanando) uma paisagem lunar, deserta e repleta de crateras.

Quando a Paz regressar à Palestina, e alguém contar uma história destas, haverá certamente quem interrogue:

- “E se Omar não tivesse atendido o telefone”?

Então, consoante os termos da Paz em vigor, os circunstantes apreciarão, comovidos, o heroísmo (atrevimento?) humanitário dos israelitas nestes dias de fogo de 2006. Far-se-á silêncio. Depois, nos seus corações repletos de gratidão e reconhecimento, os palestinianos reservarão, com certeza, um lugar para tanta, tão arriscada e tão incompreendida generosidade do Estado Judaico.

Pois. Se Omar não tivesse atendido o telefone...

Comments:
Olá Manuel, a leitura do teu artigo dá-ms a explicaçao para os mortos de Qana: afinal eles não atenderam o telefone...

um abraço
 
Estou em crer, que no dia em que a Paz chegar à Palestina e até ao Líbano, os Árabes vão pagar do seu bolso (para que não restem dúvidas da gratidão) as chamadas telefónicas então feitas pelos Judeus.
 
Parabéns pelos excelentes posts de denúncia do Estado terrorista de Israel.
 
Os terroristas da ETA fazem o mesmo: telefonam para a polícia antes de a bomba explodir, para que o local da explosão possa ser evacuado.

Luís Lavoura
 
E como é que fazem quando os moradores não têm telefone? Ah!, já sei! Mandam aquela pomba com que MC ilustrou o seu poste!
Parabéns pela mordacidade.

Luis Narana
 
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