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2007-01-10

 

É o Corporativismo, stupid

No programa Antena Aberta, de ontem, conduzido por Eduarda Maio, discutia-se o despacho do ministro da Saúde que proibe os médicos que trabalhem para o SNS de poderem exercerem, simultaneamente, funções de coordenação ou direcção de serviços de saúde do sector privado.

A medida parece fazer sentido. Por duas razões.

Uma: é que no privado não há "baldas" e aos bons ordenados têm de responder altas performances, muita atenção e muito trabalho. Nestas circunstâncias terá o médico ainda 35 horas semanais disponíveis para o SNS? E se o tempo escacear não tem tendência a fazer menos horas ou a chegar ao hospital do SNS à hora que a sua principal fonte de remuneração permitir? E não havendo control (a não ser o velho livro de ponto que se assina quando se quiser ou a vigilância, quando não a cumplicidade, do colega director de serviço do SNS) como garantir que o director de serviço da clínica privada cumpra rigorosamente o seu contrato com o SNS?

Outra: preocupado e concentrado nas suas responsabilidades privadas que disponibilidade ainda terá para tratar com tempo, atenção e cuidado os doentes que o esperam (frequentemente várias horas) no hospital público?

Afirmar este previsível comportamento do médico não é aviltar a classe. É o que é normal suceder com os homens e as mulheres. E os médicos não são santos, nem ninguém pretende que sejam. São profissionais, tão consciosos como os profissionais de muitas outras profissões.



Como reagiam os participantes no programa?

Da parte que ouvi, da forma mais previsível. Os utentes achavam bem. Os médicos achavam mal. Os representantes dos partidos, o costume. Aproveitaram para apoiar ou atacar o Governo querendo saber pouco ou nada do objecto da pergunta.

Por exemplo: Bernardino Soares, líder do grupo parlamentar do PCP e responsável pela área da saúde disse, mais ou menos, que a medida em si seria boa, mas como não passa de poeira para os olhos lançada pelo ministro que com ela quer fingir que é de esquerda para a seguir privatizar o SNS, a medida é péssima.

E o bastonário da ordem dos médicos, Pedro Nunes? Discorda totalmente da medida. E como até a considera ilegal "recomendou aos médicos que não informem o SNS do que fazem cá fora". E, é claro, está contra o controlo do tempo de trabalho dos médicos nos hospitais públicos porque os médicos sendo pessoas de total entrega à sua missão trabalham no SNS - diz ele - muito mais que as 35 ou 42 horas contratualizadas e além disso são pessoas sérias, acima de toda a suspeita.

O bastonário, referindo-se ao despacho do ministro que define esta incompatibilidade e à decisão de controle, digital, do tempo prestado no SNS (que considera lamentável, imprópria e populista) - terminou assim:

"o primeiro direito dos médicos é não ser enxovalhado publicamente."

Com alguma perplexidade concluí: todos os trabalhadores deste país, do mais modesto operário ao mais categorizado especialista, que têm de cumprir horários, fixos ou flexíveis, têm estado a ser publicamente enxovalhados. Que país!


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