2007-04-17
O Gato e a Sátira
Um dos últimos exemplos desse exercício de estrita e conveniente selecção de termos, transfigurado em reflexão universalizante, pode ser lido no jornal PÚBLICO de 14 de Abril p.p. e no blogue de JPP, o Abrupto, a propósito da pugna Partido Nacional Renovador (PNR)/ Gato Fedorento (GF). Intitula-se “Castigando os costumes”.
Para não nos maçarmos com descrições enfadonhas e (im)parciais, ficam aqui somente 4 notas de leitura:
1. JPP não sugere alternativas de debate político-ideológico para o tipo de “oposição” que o GF entendeu contrapor à propaganda intolerante, xenófoba e virtualmente racista que o “outdoor” do PNR configura. Parece de bem com o status quo que viabiliza um (PNR) e manda retirar o outro (GF).
2. Chamando justamente a atenção para o efeito de contraste com que uma oposição ilumina o objecto oposto, JPP desvaloriza a circunstância de não se poder criticar nem debater o quer que seja sem conhecer (iluminar, contrastar) o que rejeitamos, sob pena de ignorarmos o que estamos a fazer. Nestes termos, não é possível recusar uma atitude política em relação à imigração sem apontar para ela com clareza, coisa que o grupo GF fez com uma firmeza bem-humorada.
3. Com uma subtileza semelhante à de Marcello Rebelo de Sousa quando, a propósito da Campanha do Referendo de Fevereiro passado foi atingido por um spot do GF, JPP deixa, finalmente, um recado criterioso: se o GF critica uns mas não os “outros”, então é porque segue uma orientação política específica, coisa que (como uma ameaça à sobrevivência comercial do GF) se tornará cada vez mais evidente. E é aqui que se revela o conteúdo moralizador da crítica de JPP. Nesse âmbito da ética (do que deve ou deveria ser) alterando os termos do que o GF deveria fazer e não faz, é que repousa uma vontade indisfarçada de submeter ao castigo da sátira não aquilo que aos olhos dos GF surge coberto com o ridículo da intolerância proto-racista, mas o que, aos olhos de JPP, se afigura inconveniente ou desequilibrado.
4. Ainda bem que a agenda humorística do GF não se afeiçoa ao “equilibrado” uso da sátira que JPP preconiza. É que assim, pelo menos, têm piada, e talvez recordem (ou alertem?) para o facto de que os exercícios de humor não substituem nem dispensam a seriedade da afirmação cívica e da acção política. Esperar de uns o que só os outros devem e podem fazer é estranho. Ou seria estranho se, como no caso vertente, não se destinasse a relativizar um programa de intolerância face ao qual, o silêncio, a indiferença e uma putativa equidistância, têm contribuído para avolumar, encorajando atitudes estúpidas e desumanas, em tempos de desemprego, vacas magras e desnorte das direitas mais civilizadas.