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2007-04-17

 

O Gato e a Sátira

Devo (devemos?) a José Pacheco Pereira (JPP) alguns dos maiores desafios em matéria de reflexão acerca de assuntos aparentemente consensuais. Simula ele um pensamento em voz alta, em que tudo parece logicamente irrepreensível, exceptuando, é claro, os termos que põe em destaque, e os outros, que omite.
Um dos últimos exemplos desse exercício de estrita e conveniente selecção de termos, transfigurado em reflexão universalizante, pode ser lido no jornal PÚBLICO de 14 de Abril p.p. e no blogue de JPP, o Abrupto, a propósito da pugna Partido Nacional Renovador (PNR)/ Gato Fedorento (GF). Intitula-se “Castigando os costumes”.


Para não nos maçarmos com descrições enfadonhas e (im)parciais, ficam aqui somente 4 notas de leitura:


1. JPP não sugere alternativas de debate político-ideológico para o tipo de “oposição” que o GF entendeu contrapor à propaganda intolerante, xenófoba e virtualmente racista que o “outdoor” do PNR configura. Parece de bem com o status quo que viabiliza um (PNR) e manda retirar o outro (GF).


2. Chamando justamente a atenção para o efeito de contraste com que uma oposição ilumina o objecto oposto, JPP desvaloriza a circunstância de não se poder criticar nem debater o quer que seja sem conhecer (iluminar, contrastar) o que rejeitamos, sob pena de ignorarmos o que estamos a fazer. Nestes termos, não é possível recusar uma atitude política em relação à imigração sem apontar para ela com clareza, coisa que o grupo GF fez com uma firmeza bem-humorada.


3. Com uma subtileza semelhante à de Marcello Rebelo de Sousa quando, a propósito da Campanha do Referendo de Fevereiro passado foi atingido por um spot do GF, JPP deixa, finalmente, um recado criterioso: se o GF critica uns mas não os “outros”, então é porque segue uma orientação política específica, coisa que (como uma ameaça à sobrevivência comercial do GF) se tornará cada vez mais evidente. E é aqui que se revela o conteúdo moralizador da crítica de JPP. Nesse âmbito da ética (do que deve ou deveria ser) alterando os termos do que o GF deveria fazer e não faz, é que repousa uma vontade indisfarçada de submeter ao castigo da sátira não aquilo que aos olhos dos GF surge coberto com o ridículo da intolerância proto-racista, mas o que, aos olhos de JPP, se afigura inconveniente ou desequilibrado.


4. Ainda bem que a agenda humorística do GF não se afeiçoa ao “equilibrado” uso da sátira que JPP preconiza. É que assim, pelo menos, têm piada, e talvez recordem (ou alertem?) para o facto de que os exercícios de humor não substituem nem dispensam a seriedade da afirmação cívica e da acção política. Esperar de uns o que só os outros devem e podem fazer é estranho. Ou seria estranho se, como no caso vertente, não se destinasse a relativizar um programa de intolerância face ao qual, o silêncio, a indiferença e uma putativa equidistância, têm contribuído para avolumar, encorajando atitudes estúpidas e desumanas, em tempos de desemprego, vacas magras e desnorte das direitas mais civilizadas.


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