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2007-05-05

 

Ainda haverá quem acredite que o trabalho liberta?



O DN de ontem, traz, na contracapa, um comentário intitulado “O saber colado com cuspo”, assinado por Ferreira Fernandes. Vem em socorro de Paulo Portas, que afirmou, durante a sua recente deslocação à Madeira: - “Nós acreditamos que o trabalho liberta”.

Há neste comentário numerosas fragilidades retóricas, a primeira das quais reside na fórmula escolhida para o título, que distingue o saber do signatário (o bom) supostamente colado, não com cuspo, mas com outra coisa (melhor) não explicitada.

Sabemos que Fernando Rosas, entre outros, (Estado da Nação, RTP1, Quinta-feira à noite), recordou que o lema “O trabalho liberta” ficou inscrito à entrada dos campos de concentração nazis de Dachau e Auschwitz.

A coincidência que, convenhamos, causa, pelo menos, alguma perplexidade, não é considerada relevante por este jornalista do DN.

Provavelmente também o não é para Paulo Portas, e um tal acerto de posições depreende-se, não da leitura da argumentação avançada, mas das circunstâncias associadas aos lugares sociais e aos valores.

É que o trabalho, cansa, debilita e, em muitos casos, fere, estropia e mata. Comporta, mais numas profissões do que noutras, uma quota-parte importante de meio de subsistência, realização pessoal, afirmação estatutária, exercício de responsabilidades e competências. Nuns casos é mais bem pago do que noutros, mas permanece, no fundamental, articulado numa relação assimétrica e num quadro de constrangimentos a que a actual aliança, de facto, entre neo-liberais e sociais-democratas, o tenta submeter, lembrando a quem dele vive, que os direitos não são eternos e que a precariedade é o melhor para a civilização.

É necessário, útil (mais para quem fica com a parte de leão do que para quem recebe um salário), mas libertador nunca foi.

Dentro ou fora da conotação holocáustica, quem sustenta, justifica ou branqueia o slogan, não consegue ver o lado negro do trabalho, confundindo deliberadamente (ou não) liberdades e sujeições.

E, nesse aspecto, os nazis não foram os primeiros, nem os últimos, a enaltecer a alegada libertação através do trabalho.

Paulo Portas e Ferreira Fernandes deveriam saber isto. E, no mínimo, é estranho que desvalorizem uma azelhice dupla.


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