2007-05-30
Diz que é uma espécie de solidão...
João Tunes, nosso blogovizinho do Água Lisa (6), escreveu um poste com muita piada e outra tanta profundidade, perscrutando as razões que levam as pessoas a mudar de tribo política.[A paz dormente na dissidência].
Atirou-se às alegações idealistas que Mário Lino proferiu por ocasião da sessão de lançamento do livro de Raimundo Narciso, Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via, e divisou nelas algumas inconsistências.
Recusando, de igual modo -- e bem! -- as profecias ortodoxas de acordo com as quais toda a heterodoxia está predestinada à “traição de classe” (uma teleologia cómoda), João Tunes não deixa de suspeitar da boa fé dos que, agora no PS, proclamam prosseguir na defesa das mesmas causas genéricas que defendiam no tempo em que eram militantes do PCP.
A observação é pertinente.
Todavia, gostaria de desenvolver um tópico que João Tunes apenas aflorou.
Aquelas pessoas que João Tunes enrola na capa de uma espécie de “solidão de esquerda”, e entre as quais muito provavelmente se considera, prefiguram, porventura, a nova relação que os partidos, para sobreviverem, deverão estabelecer com os indivíduos susceptíveis de os apoiarem, no futuro, caso a caso, causa a causa, passo a passo e voto a voto.
Os militantes ligados aos partidos por laços legionários, meio militares meio sociedades secretas, impedidos de criticarem os líderes, de condenarem os erros mais espalhafatosos, obrigados a remeterem-se a um silêncio comprometedor ou ao discurso tolo das justificações forçadas, estão a desaparecer.
As organizações políticas, incluindo os partidos, não. Vão transformar-se. Os perfis dos “militantes” estão a alterar-se velozmente. Orquestrando a nova moda dos partidários mais descomprometidos, alguns comentadores têm ensaiado uma demonstração, ainda frágil, mas sugestiva.
Dir-se-ia que uns pensam pelas suas cabeças e os outros também..., só que não o podem revelar...
As liberdades e os direitos individuais foram deixando de caber nas relações partidárias tradicionais.
As pessoas sem obediência partidária estrita estão, em numerosos casos, a jogar papeis determinantes. Poderão, muito provavelmente, dar uma contribuição para alterações efectivas nos partidos.
Por experiência própria e elevada atenção aos desaires alheios, atrevo-me a alvitrar que esta postura poderá ser mais eficaz do que a de quem continua a pensar, insistentemente, que é “por dentro” que as comunidades partidárias se reformam.
É uma questão simples: a afirmação da cidadania torna o vínculo partidário menos privado e a obediência partidária mais problemática.
Por isso, os partidos estão a ficar reduzidos, a pouco e pouco, aos votos que conseguem conquistar e a um aparelho clientelar cada vez mais fechado.
Se procurarmos com atenção, vem tudo nos jornais.
Também a questão do individuo descrompometido, leia-se "despartidarizado", me parece uma coisa mais da esquerda. ( Eles, lá na direita terão talvez opinião diversa! )
Sem deixar de concordar que o sistema partidário se encontra em crise, a mim interessa-me muito mais a refundação da esquerda socialista, a qual terá de passar necessariamente por toda esta massa de gente que não se revê nos agrupamentos constituidos, mas também pelos sectores mais à esquerda do PS, pelo BE e pelo PCP.
Será que o maior obstáculo a esta "unidade na accção" é, ainda hoje, a postura de vanguarda avançada do PC?
Vou pensar melhor no assunto.
A moralização que faço derivar da tal constatação tem os seus problemas. Estou de acordo. Mas lá para o “extremo centro” a coisa parece prender-se mais com (des)entendimentos acerca da política propriamente dita. O imediatismo sôfrego vem de trás. Os grandes projectos de transformação continuam a ser conotados com uma ou outra “grande narrativa” do século passado. E o “extremo centro” é alérgico a quaisquer dessas semelhanças...
Quanto à “postura de vanguarda” do PCP, não vejo hoje grande diferença naquilo a que poderíamos chamar as éticas partidárias. Ser de um partido significa precisamente não alinhar em nada que possa ser considerado lesivo (de jure, pelos “órgãos próprios”) à estratégia do dito.
Como o Rui deve certamente ter compreendido, não acho que isto iria lá melhor sem partidos (ou sem organizações políticas). O meu ponto é acerca das novas dinâmicas. E nesse ponto parece-me que os partidos vão, de facto, ser obrigados a mudar.
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