2007-05-19
Para lá do ressentimento (3)
Sessão de lançamento. Fnac Chiado 17/05/2007
No seu mais recente livro "Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via", [Blogue do Livro aqui] Raimundo Narciso descreve e analisa a acção e as repercussões do movimento cujos contornos, propostas, e evolução levaram os principais protagonistas à fundação do INES, depois à criação da associação política PLATAFORMA e, finalmente (?), à distribuição dos seus membros por destinos partidários diferentes, do BE ao PSD, tendo a maioria dos elementos mais proeminentes ficado pelo PS, enquanto outros, parece que em menor número, nem isso...
Passam, muito em breve, duas décadas sobre a data da publicação do 1º documento de reflexão que esse grupo elaborou e pôs a circular. Numa altura em que alguns dos “actores históricos” referidos pelo Raimundo Narciso, se agitam entre o enxofrado e o desmemoriado, parece-me da mais elementar decência deixar aqui duas palavras de apreço por um documento político que fornece aos leitores interessados uma perspectiva quase desconhecida e provavelmente pouco reflectida sobre aspectos marcantes da cultura política, dos estilos dominantes e das contradições que existiam nesse tempo no PCP.
Sou sensível e creio compreender algumas das reacções vindas do PCP. Apesar de transcorridos vinte anos, os actuais dirigentes daquela organização política prevêem que a leitura do livro de Raimundo Narciso poderá prejudicar, por pouco que seja, a imagem e a influência de uma força política fundamental quer na resistência ao fascismo do Estado Novo, quer na fundação do regime democrático saído da revolução de Abril de 1974.
Têm razão.
As memórias de um ex-dirigente expulso com base na diferente apreciação acerca do golpe de Moscovo prende-se directamente com uma injustiça política de triste memória. O PCP veio, mais tarde, a corrigir a sua avaliação e apreciação acerca da ilegitimidade e ilegalidade do golpe que apeou Mikhail Gorbachev do poder. A pouca importância atribuída a esta peripécia revelou externamente a indiferença que grassava no interior daquela organização pela importância da ideologia.
O direito à memória, que Raimundo Narciso exerce com vantagem para quem não conheceu, ou conheceu mal os paradoxos que ele refere no livro, pode e deve ser complementado ou contrariado com o direito a perspectivas necessariamente diferenciadas.
Diabolizar ou discutir, continua a ser, parece-me, o dilema que afasta o despotismo ideológico do debate informado. Para lá de qualquer ressentimento.