2007-10-08
VPV, Cravinho, Marx e a "corrupção do Estado"
«A entrevista que João Cravinho deu na última quinta-feira é indispensável para perceber a corrupção. Cravinho diz duas coisas de uma importância crucial, em que esta coluna tem de resto insistido. Primeiro, que o grosso da corrupção “se faz”, com uma ou outra “entorse” imperceptível, “de acordo com a lei”. Segundo, que por isso mesmo a polícia e os tribunais não podem ir longe e só se ocupam de casos menores. No fundo o Apito Dourado e operações do género são um espectáculo, que esconde os crimes de consequência. Com grande coragem, Cravinho explica qual é o problema: e o problema é o de que certos lobbies se apoderaram de “órgãos vitais de decisões” do Estado ou dos departamentos que as preparam, Ou, se quiserem, o de que o Estado se tornou o principal agente de corrupção.
Isto significa que o Estado serve, não o interesse do país, como compreendido por este ou aquele partido, mas sim o interesse dos lobbies com mais poder ou influência. E, no entanto, nunca se fala disto, embora toda a gente o saiba ou suspeite, a começar pelo Presidente da República, porque os “negócios” conseguem inspirar um respeito e um temor que, por exemplo, o futebol não consegue e que manifestamente coíbem a imprensa e a televisão. O que se passa no Interior de certos ministérios de que depende a orientação da economia nunca chega à rua. Como nunca chega à rua quem perdeu e ganhou com os “projectos”, que o Estado autoriza ou financia. Ou quem é e donde vem o impecável pessoal que manda nisso tudo. Ainda anteontem o dr. Cavaco exigiu novas leis para assegurar o que ele clama a “transparência da vida pública”. Infelizmente, novas leis ião bastam.
Cravinho descreve o “choque” que sofreu com a complacência do PS perante a corrupção do Estado. Sofreria com certeza um “choque” igual, talvez pior, no PSD. A verdade é que o “bloco central” se fundiu com o Estado. Não existe um Estado independente do “bloco central” e muito menos dos negócios”, que o apoiam e sustentam: da banca e da energia quatro ou cinco escritórios de advogados. Cravinho, como Cavaco, não percebeu, ou preferiu omitir, que hoje não se trata de reformar uma parte inaceitável do regime, mas pura e simplesmente de mudar o regime. Se por acaso caísse do céu a “transparência” que o dr. Cavaco deseja, metade da primorosa elite do nosso país marchava para a cadeia como um fuso.»