2008-09-05
"Onda de crimes" e onda mediática
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Diz FC que "...estudos britânicos demonstram que os consumidores de tablóides têm um maior sentimento de insegurança" e que este tem mais a ver com a onda de notícias do que com a "onda" de crimes.
"O debate sobre a insegurança, e sobre o sentimento da insegurança, traz sempre à colação o papel dos media. Não há muito que saber: se durante uma semana todos os noticiários das TV abrirem com notícias de crime, cria-se na generalidade das pessoas a ideia de que se está a viver uma onda de criminalidade e/ou que a criminalidade está a aumentar. Isto, claro, independentemente de tal corresponder à verdade, o que mostra o quanto a percepção da criminalidade depende de factores que podem nada ter a ver com o nível de crimes nem com os crimes em si, e revela a existência de uma série de paradoxos.
O primeiro diz respeito ao facto de estudos internacionais demonstrarem que os países do mundo onde existe um mais elevado sentimento de insegurança são aqueles em que o risco de ser vítima de um crime é mais baixo."
"São contabilizados anualmente, em Portugal, mais de duas dezenas de milhar de crimes rotulados como "violentos" (de homicídios a agressões, passando por violações, violência doméstica e roubos, com ou sem ameaça de arma). São mais de 50 crimes violentos por dia. Por que motivo de repente há notícias diárias sobre alguns desses crimes? É porque estes se tornaram mais frequentes ou porque uma opção editorial entendeu relevá-los? Onde está a consubstanciação da existência de um aumento, e um aumento em relação a quê? Fazer estas perguntas não é negar a realidade; é, ao contrário, querer conhecê-la para melhor lidar com ela.
" E é esse o terceiro paradoxo: quem surja publicamente a dizer o que acabei de escrever, ou a apresentar dados que contextualizam a realidade criminal portuguesa actual não só na realidade criminal portuguesa dos últimos anos como na realidade criminal dos países que nos estão próximos é invariavelmente acusado de tentar "desvalorizar" ou mesmo "branquear" a tal onda de criminalidade.
"Sucede que, e esse é o quarto paradoxo, se a informação sobre criminalidade não estivesse fechada a sete chaves em Portugal (e é assim há muitos governos) e se qualquer cidadão pudesse ter facilmente acesso aos dados a ela referentes através dos sítios na Net dos ministérios e das polícias, como sucede em França, no Reino Unido e em Espanha (para citar apenas três países em que a procurei e encontrei), de preferência com a contextualização necessária (evolução temporal, números internacionais) a capacidade dos media de criar percepções distorcidas da realidade seria muito diminuída."
A polícia britânica - diz FC - chega a minúcias informativas "mostrando que numa zona metropolitana com o número de habitantes de Portugal a criminalidade reportada alcança níveis que por cá levariam decerto ao estado de sítio).
Bastava fazer o mínimo, ou seja, o que é suposto a administração pública de um Estado democrático e simplex fazer: simplificar o acesso à informação fidedigna e abortar, assim, as manipulações e distorções. Porque se informação é poder, quem a tem e não a liberta confere a outros o poder de deformar."
No tempo do "Estado Novo" a estatística dos crimes e mais ainda a dos suicídios era segredo de Estado (de "Estado Novo"!) porque o seu conhecimento tornava difícil compaginar tanto crima tanta vontade de desaparecer com a ideia de paraíso em que Salazar (um Santo) tinha transfornado Portugal. Agora o Estado que temos é um Estado Democrático e a falta de tal informação só pode ser justificada como a manutenção por inércia de uma prática sem sentido.