2008-12-03
Há roubos que são crime e outros não
Um homem foi preso e humilhado. Roubou comida de um supermercado. Meteu carne congelada da América Latina entre a camisa rasgada da construção civil e a barriga lisa. Foi apanhado pelo segurança privado, homem histérico, alertado por uma dama pura de cabelo pintado às riscas que o empurrou para a câmara frigorífica. Mas antes a gritaria louca já acontecera. E ele quase despido de mãos no ar, mãos cruzadas atrás das costas. Cena de filme. Mulheres vestidas de branco a pingar sangue das luvas de plástico, acabadas de empacotar um bovino qualquer em postas, empurram as outras com cheiro a peixe que saltam do balcão ainda com o espadarte cor-de-rosa da cultura da água se expõe inteiro de olhos baços. Corre-se e grita-se. Parece que há uma rede enorme de malha fina que nos quer apanhar a todos. Não se sabe bem a razão da correria, nem por que se grita tanto. Há tiros? Não. Há crianças pasmadas, gente parada, estátuas de rua por segundos. Um assalto? Não. Só mais uma triste história de fome de um triste desesperado com salários em atraso atraído por este Portugal de sonho.
Conhecia-lhe a cara. No Verão vivia e dormia no banco de um jardim municipal, com sanitários disponíveis, uma flora endémica e bem cuidada, e vizinhança bem cotada. Para além de um teatro centenário, uma sucursal do BPN. E ele que até tinha contrato de trabalho e arrastava bem o falar português. Chamava "senhora"...e pedia "desculpa" antes de repetir..."senhora...tenho filha e mulher... eles não pagam». A gente sabe. Então não sabe. Ele é que já nem sabia quem era o patrão porque as sub-empreitadas eram tantas que perdera-lhes a conta. Recebia apoio de uma Igreja (não católica). E um dia entrou em coma alcoólico com Vodka marado. Caíu. Ficou numa cadeira de rodas. Sem direito a nada. Não quis voltar à origem. Por vergonha. Desapareceu.
Conhecia-lhe a cara. No Verão vivia e dormia no banco de um jardim municipal, com sanitários disponíveis, uma flora endémica e bem cuidada, e vizinhança bem cotada. Para além de um teatro centenário, uma sucursal do BPN. E ele que até tinha contrato de trabalho e arrastava bem o falar português. Chamava "senhora"...e pedia "desculpa" antes de repetir..."senhora...tenho filha e mulher... eles não pagam». A gente sabe. Então não sabe. Ele é que já nem sabia quem era o patrão porque as sub-empreitadas eram tantas que perdera-lhes a conta. Recebia apoio de uma Igreja (não católica). E um dia entrou em coma alcoólico com Vodka marado. Caíu. Ficou numa cadeira de rodas. Sem direito a nada. Não quis voltar à origem. Por vergonha. Desapareceu.
Comments:
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Muito bem Lilia. Gostei. Do conteúdo e da escrita. Não é impunemente que se é jornalista. Ainda que haja jornalistas que escrevem mal...
Dramático e verdadeiro. Claro que me lembrei logo do drama dos nossos queridos ricos cujas fortunas eram geridas e ampliadas pelo BPP e que felizmente tiveram a compreensão do Governo que os salvou com o aval do Estado (avalisado este pelos nossos impostos).
Roubo é se for um pão ou carne congelada no bolso... para estes ladrãos temos a polícia. Para os outros o aval...
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Dramático e verdadeiro. Claro que me lembrei logo do drama dos nossos queridos ricos cujas fortunas eram geridas e ampliadas pelo BPP e que felizmente tiveram a compreensão do Governo que os salvou com o aval do Estado (avalisado este pelos nossos impostos).
Roubo é se for um pão ou carne congelada no bolso... para estes ladrãos temos a polícia. Para os outros o aval...
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