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2009-02-25

 

Jornalismo de Casino

Mário Vieira de Carvalho, é professor universitário, foi Secretário de Estado da Cultura é um grande conhecedor da Música e do seu mundo com importante obra publicada e escreveu este artigo, hoje no Público - a revelar que também domina bem outras "músicas" - Aconselho a leitura.
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“Velocidade de desvalorização”: o mo­tor da economia neoliberal. Passar ra­pidamente de um design para outro, de uma função para uma pluralidade de funções, de um factor de competitividade para uma multiplicidade de factores. A corrida permanente à inovação. Uma corrida sem fim por quotas de mercado: produto velho, empresa falida. Era preciso ultrapassar a velocidade de desvalorização dos produ­tos e dos serviços. Mas, quanto mais se inovava, mais veloz era a desvalorização do já conhecido. E mais veloz a necessidade de inovação, para sobreviver na corrida.
Enquanto esta competição contra-relógio se manteve ,nos limites da utilidade social substantiva (ciência, edu­cação, energia, transportes, telecomunicações, etc,), o sistema demonstrava capacidade de auto-regulação. A espiral cumulativa. da inovação parecia ser o pressuposto óbvio da competitividade das empresas.
O pior é que o relógio da economia não marcava o tempo dos relógios normais. Era um tempo exponen­cialmente acelerado. Os ponteiros andavam sempre mais. depressa, A fasquia da velocidade subia sem parar na vertigem de mais ganhos, em menos tempo, e com menor esforço. A urgência de lucro dos investidores revelava-se insaciável. Nada parecia bastante, e suficientemente rápido, para satisfazer a “ganância” - como vários líderes políticos lhe chamaram: nem mesmo deslocalizar em­presas, espoliar o terceiro mundo de matérias-primas, ou acumular mais-valias à custa de salários de fome e trabalho infantil.
Em pleno delírio, a febre inovadora estendeu-se aos títulos de crédito e a outros produtos financeiros. Al­guém se lembrou de transformar hipotecas em títulos. E tal foi a procura por essa nova galinha dos ovos de ouro, que deixou de haver qualquer preocupação com o valor real dos bens onerados ou a solvência dos deve­dores. Enquanto a “velocidade de desvalorização” das participações financeiras ligadas à economia real au­mentava, os títulos meramente especulativos eram cada vez mais disputados. O resultado desse “capitalismo de casino” está à vista o caos na economia mundial, uma crise nunca vista.
Mas, na ideologia neoliberal, a “velocidade de desva­lorização” não poupa nada nem ninguém. A comunicação social também não lhe escapa. É preciso competir sem cessar pelas quotas de audiência nas televisões e pelas tiragens na imprensa senão, lá se vão as recei­tas de publicidade, a sustentabilidade das empresas e o emprego. Há que inventar novas histórias sobretudo daquelas que podem ter uma sequência de telenovela, com pormenores picantes e sórdidos para vender mais. A própria crise, o crash da bolsa, a vitória e a posse do Obama já são assuntos demasiados velhos, desvaloriza­dos. Deixaram de aguentar a corrida.
Com a tendência da imprensa, não só para o formato tablóide, mas também para o estilo tablóide – pois já não existe, entre nós, o jornalismo sóbrio da roadsheet ou das grandes sínteses de notícias na TV - o material de telenovela torna-se uma questão de sobrevivência.
O Estado de direito inventou as leis processuais para se produzir prova. Mas a comunicação social não larga o osso dos linchamentos públicos. Não é jornalismo de investigação. E jornalismo de casino. Na corrida contra a “velocidade de desvalorização”, joga tudo, ou quase tudo, em “produtos tóxicos”... até que, no país, não reste pedra sobre pedra.

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