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2009-10-23

 

O Todo e as Partes (1)



Quem tenha lido a Bíblia, por alto ou por baixo, recordar-se-á que a personificação de Deus se vai alterando, ao ponto de, mesmo nas exegeses de muitos católicos, se distinguir Jeová, cruel, despótico e sanguinário chefe tribal, do Antigo Testamento, do Deus muito mais místico, (Pai na Trindade), retórico, ambíguo, aliado do Jesus que veio à terra para nos salvar e de cuja saga dão testemunho os Evangelhos do Novo Testamento, aos quais esperamos que seja apenso, logo que possível, o recentemente revelado Evangelho de Judas, cuja versão dos acontecimentos que rodearam a prisão e execução de Cristo, lança uma nova luz, benevolente e desculpadora, sobre a traição, os trinta dinheiros e a dissidência interesseira.

Quando o visado fala, a perspectiva, geralmente, altera-se.

Julgo ser por isto que muitas gentes se escusam de entrar nesta discussão pública suscitada pelas larachas bombásticas de José Saramago. A evidência do que afirma torna a discussão desinteressante; o julgamento que faz é o seu próprio e, quanto a isso, vá a jogo quem quiser ir e que ganhe o melhor.

Mas há um pequeno pormenor em que talvez valha a pena reflectir um pouco mais.

Os discursos sobre conjuntos heterogéneos convencionalmente unificados (os livros da bíblia, uma carreira política, um regime, a obra de um autor) tendem, de acordo com as respectivas estratégias, a orientar-se por um número limitado de opções: ou defendem o satus quo que beneficia com a invenção daquele conjunto que pode perfeitamente ser tomado em separado, acusando os detractores das partes más de estarem a tomar tudo demasiado à letra, ou se refugiam nas trincheiras do sagrado, desqualificando quem quer que se ponha a duvidar da interpretação oficial.

Resta aos discursos críticos uma de duas vias: ou se deitam a fazer a análise das partes, numa tarefa ciclópica e ingrata, desafiando a capacidade de compreensão e a paciência dos seus públicos, ou arriscam sínteses, muito mais eficazes e estimulantes, apesar de parciais.

Depois do XX Congresso de Partico Comunista da União Soviética, passou-se algo de semelhante com a avaliação dos dirigentes e balanço do estalinismo. Enquanto a ortodoxia sustentava que Staline fizera "algumas" coisas más, mas também fizera umas quantas boas, outros estimavam que as alegadamente boas não chegavam para as más, e execravam o conjunto.

Descido aos infernos, entre a catequese servida aos miudos de pés descalços na sua infância e a glorificação do estalinismo, José Saramago leu mais do que uma Bíblia.

Atentemos no dever cristão de ouvir um homem atormentado que fala das suas razões.

Debaixo do Sol, nem tudo é vaidade e tempo perdido.



Comments:
"Depois do XX Congresso de Partico Comunista da União Soviética, passou-se algo de semelhante com a avaliação dos dirigentes e balanço do estalinismo. Enquanto a ortodoxia sustentava que Staline fizera "algumas" coisas más, mas também fizera umas quantas boas, outros estimavam que as alegadamente boas não chegavam para as más, e execravam o conjunto."


Mas da vitória da URSS sobre o nazi-fascismo nenhum patriota russo abre a mão. Chame-se ele Putin ou Ziuganov.
 
Pois. Tb tenha a certeza que foi muito bom desarmar e prender os nazis, acabar com o Holocausto e com a guerra. Nisso estamos de acordo com certeza. Porém, quanto ao papel que Staline desempenhou, desde a incompetência de 1939 (assinando um pacto vergonhoso e convencendo-se de que os nazis iriam respeitá-lo), decapitando o Exército Vermelho (enviando para o Gulag - de que a Rita Rato nunca ouviu falar - alguns dos melhores militares do Exército Vermelho, sob suspeitas várias).
Neste aspecto, alinho com aqueles que concluem que a URSS expulsou os invasores nazis e ditou a sorte do conflito, apesar de tudo o que Staline fez para perder a guerra.
Staline foi um coveiro do socialismo, na prática e na teoria.
Outros diziam (não sei se ainda estão convencidos disso) que era muito complicado fazer um balanço sintético do seu consulado.
Manias...
 
"alinho com aqueles que concluem que a URSS expulsou os invasores nazis e ditou a sorte do conflito".

Eu também. Mas não podemos escamotear o facto de que o Estaline presidiu aos destinos da URSS até à sua morte em 5 de Março de 1953. E 56 anos depois parece-me que já está na hora de o deixarmos repousar em paz. Na sua pátria.
 
xi , xi , o que práqui vai de an,lise d e mundos e fundos ...
parabéns Sô Marcelo correia !
Inteligentíssimo , uma barra de sabiduria!
Oh , lá , lá!
O bernardes
 
Caro Luis,

Discordo. Ainda não chegou a hora de deixar em paz os grandes ditadores do Século XX. Essa comiseração para com Staline revela-me exactamente o contrário.

Car@ Bernardes,

fico sempre desvanecido quando chega, assim, a tropeçar nas palavras. Faz-me lembrar o meu tio avô depois de beber uns copitos.
Vá lá! Aguente-se. Está quase a começar o fim-de-semana.
 
"Essa comiseração para com Staline revela-me exactamente o contrário".

Não posso de deixar de achar piada que nos incomodemos mais com os ditadores alheios do que com os domésticos. Os "nossos" bem podem viver e jazer em paz, os dos outros é que não. Porque carga de água? Porque os nossos até só fizeram mal e os dos outros até livraram a Europa (e o mundo) de males bem maiores? Francamente, não encontro explicação para alguns encarniçamentos muito selectivos.
 
Caro Correia ,
O senhor é parvo ou quê ... Ia eu agora parecer-me com o seu tio avô, que falta de auto-estima a sua . Não sou abstémio , sou jeová e costumo não ter sentido de humor ... O senhor é muito sábio , e eu tropeço nas palavras só de o ler , a sí , e ao senhor Narcísico .
Venho sempre aqui deleitar-me!
Passe bem , quem sente não é
filho ou aparentado com a sua gente!

O bernardes

vai , manelinho , mais um bagacinho , ah santa ingenuidade
 
Caro Luis,

nunca poderei falar de Staline como de Salazar. Para utilizar a sua expressão, são encarniçamentos diferentes. Apesar dos simpatizantes que deixou, Salazar foi sepultado uma segunda vez pela liberdade e pela democracia que reconquistámos. Conhecêmo-lo bem. Sabemos muito dele, da vida que levou, dos seus amigos e acólitos. Salazar nunca poderia ter feito tanto mal ao socialismo quanto Staline. Por mais que perseguisse e matasse os seus inimigos e adversários, sendo claramente fascista, deixava os ideais dos seus oponentes intactos e, uma ou outra vez, reforçados. Com Staline passa-se exactamente o contrário. Conhecêmo-lo mal e a comiseração do Luis para com o homem e a clique que abastardou o ideal que dizia defender, sugere que ainda não descansa em paz nem lhe foi feita inteira justiça.

Car@ Bernardes,

Descontraia-se. Já estamos em pleno fim-de-semana. Venha de lá esse bagacinho. Vossemecê veio fundar no PUXA aquilo a que poderíamos chamar (se não se importar) o "Momento de Taberna". Mais do que discutir os postes, bebe-se um copo e dizem-se umas larachas. Parabéns pela inovação.
 
senhor correia , pois se fundei o momento da taberna , muito bem , mas não se encarnice aí nos subúrbios, e beba do tinto , que eu bebo da marca ... distinções mesmo. O que eu gosto é de passar por aqui , e ver gente a discutir os destinos da humanidade com um discurso que não lembra o seu tio avó , corticeiro ou sei industrioso , como ó senhor ...
Sabe não vou por aí , o senhor é muito primário nas analises ,,, beba , beba , espaireça , ou apague como faz o senhor narcisico , por ressentimento ,,,,
Eu passo por aqui por causa dassuas postas ... Não vai dizer que não é causa !
o bernardes
 
Comiseração, não, respeito pelos sacrifícios do povo soviético. Possivelmente por ter nascido já depois da sua morte e nunca ter dado grande crédito a campanhas interesseiras de demonização. Parece-me que o tempo ajudará a esclarecer a sua contribuição para a libertação da sua pátria, porque essa me parece ter sido a sua obra maior, a derrota e a expulsão das tropas nazis invasoras e o grande contributo que o exército vermelho deu para a libertação da Europa. E por respeito aos 27 milhões de cidadãos soviéticos que morreram, não contribuo para demonizar o seu líder desses anos de chumbo.
 
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