2009-11-09
O Muro de Berlin - o fim de uma época
Daqui a poucas horas - há 20 anos - vai cair o Muro de Berlim e com ele o símbolo maior da guerra fria e da divisão do nosso mundo em dois mundos hostis mútuamente ameaçados pelo holocausto nuclear.
O povo de Berlim viveu, esfuziante, o momento inesquecível, o seu 25 de Abril. Não era a chegada ao paraíso como alguns sonhavam era apenas o "paraíso" capitalista mas era a conquista da Liberdade e já era muito.
A grande quimera da substituição do capitalismo pelo mundo novo, livre e sem exploração do homem pelo homem, o socialismo e o comunismo, que surgia com a Revolução de Outubro de 1917 terminava ali - simbolicamente - com a queda do muro, levantado em 1961, sob o olhar compassivo da Perestroika de Gorbatchev.
Nos três dias que se seguiram à Liberdade de ir ao outro lado do mundo, a Berlim Ocidental, inundaram a cidade 2 milhões de alemães da RDA. E não os 500 mil esperados pelas autoridades da Zona Ocidental.
Em Lisboa os microfones e as câmaras das televisões surpreenderam Álvaro Cunhal com a notícia que acabava de dar a volta ao mundo. O Secretário-geral do PCP tinha passado a tarde numa reunião magna da Juventude Comunista e a notícia tão dramática quanto inesperada reagiu mal. Protestou, de sobrolho carregado, por o interrogarem sobre tal assunto quando acabava de sair de «uma magnífica reunião da JCP em que tinham sido tomadas importantíssimas decisões» (cito de memória).
Hoje a revista do Público traz uma reportagem sobre o magno acontecimento histórico que inclui os testemunhos de vários portugueses que viveram algum tempo na RDA, entre eles o musicólogo e ex-secretário de estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, o cenógrafo João Lourenço, o treinador de futebol Artur Jorge, o filósofo João Maria de Freitas Branco que viveu em Berlim com a mulher e dois filhos, de 1984 a 1991, onde obteve um doutoramnente na universidade de Humboldt e assistiu à queda do muro.
João Maria de Freitas Branco tem uma opinião matizada da antiga RDA longe do preto e branco dos esterótipos correntes:
«“Passados estes anos todos, - diz JMFB - continuo a ter a opinião que sempre tive, e que é muito mais positiva que a opinião dominante sobre o socialismo real”. “Ali já tinha sido dado um passo civilizacional absolutamente essencial e que se baseava no banimento das desigualdades materiais mais aberrantes, tendo desaparecido a pobreza, essa pobreza que eu conhecia aqui de Portugal.”
«Este professor da Faculdade de Letras lembra que “quando se fala de direitos humanos verifica-se que as pessoas reduzem a uma única coisa a liberdade de expressão”, e questiona: “Mas o bife, o concerto, o livro, a escola — não é isto, também, direitos humanos?” Marcando a diferença dos dois sistemas, socialista e capitalista, sublinha: “Quando saí de Portugal havia milhares de crianças sem acesso à escola. Na RDA não havia um único cidadão que não tivesse acesso à escola.” A escolaridade era gratuita e universal e a redistribuição de riqueza era outra, e isso era possível “porque houve uma mudança do regime de propriedade”, o que, argumenta, “horroriza qualquer pessoa que considera o capitalismo o melhor dos mundos”.
«Mas, ao elogiar o sistema, Freitas Branco não deixa de frisar o outro lado, o do regime. “Infelizmente, este passo civilizacional em frente coabitava com um outro, que era um passo civilizacional atrás: o Estado policial e a ausência efectiva da liberdade de expressão.” Este investigador, que estava em Berlim faz hoje precisamente 20 anos, conclui: “Na minha opinião, a RDA tinha de acabar, porque um regime onde não há liberdade de expressão tem de acabar. Mas alimentei a esperança de que essa mudança não representasse a anulação do passo civi1izaciona1.” »
Daqui a pouco - há 20 anos - o autor deste post, vai com Barros Moura, Joaquim Pina Moura, António Mendonça, António Graça, Fernando Castro e outros, comemorar a queda do muro com um jantar no restaurante a Varina da Madragoa.
Etiquetas: Álvaro Cunhal., Muro de Berlim
Comments:
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Primeiro saúdo a abertura deste espaço e poder opinar qq coisa ainda que de pouca valia.
Tendo apoiado sempre o PCP (quase só votando), sempre direi que as minhas dúvidas e perplexidades começaram a sério com os 10 milhões de "agentes da CIA" na Polónia, portanto, bem antes dessas dúvidas terem assaltado pessoas bem mais informadas e colocadas(V.Moreira Z. Seabra etc.etc...). Outro aspecto que me deixou completamente desnorteado foi Álvaro Cunhal e outros político e intelectuais de primeiro plano não se terem apercebido da gangrena que corroía o "socialismo real" e dos estertor de que se aproximava. Até eu via, aqui e ali, sinais de que havia falhas graves no que deveriam ser pressupostos do Sistema. Deve ter sido penosa, no final, a vida para Cunhal, também o deveria estar a ser para Gorbactchev, ou ignorância minha, e isto não passa de uma gigantesca representação. Para mim, a queda do muro foram noites sem dormir sempre na expectativa (ignorante eu!) de que o exército vermelho não estivesse irremediavelmente gangrenado e odiando cada vez mais o Carlos Fino. Perplexidade para mim é ainda o facto de eu (e muitos outros) continuar a votar no PCP; tento perceber porquê e só me ocorre uma justificação: a mesa de voto ser ao fundo das escadas do prédio onde vivo.
Tendo apoiado sempre o PCP (quase só votando), sempre direi que as minhas dúvidas e perplexidades começaram a sério com os 10 milhões de "agentes da CIA" na Polónia, portanto, bem antes dessas dúvidas terem assaltado pessoas bem mais informadas e colocadas(V.Moreira Z. Seabra etc.etc...). Outro aspecto que me deixou completamente desnorteado foi Álvaro Cunhal e outros político e intelectuais de primeiro plano não se terem apercebido da gangrena que corroía o "socialismo real" e dos estertor de que se aproximava. Até eu via, aqui e ali, sinais de que havia falhas graves no que deveriam ser pressupostos do Sistema. Deve ter sido penosa, no final, a vida para Cunhal, também o deveria estar a ser para Gorbactchev, ou ignorância minha, e isto não passa de uma gigantesca representação. Para mim, a queda do muro foram noites sem dormir sempre na expectativa (ignorante eu!) de que o exército vermelho não estivesse irremediavelmente gangrenado e odiando cada vez mais o Carlos Fino. Perplexidade para mim é ainda o facto de eu (e muitos outros) continuar a votar no PCP; tento perceber porquê e só me ocorre uma justificação: a mesa de voto ser ao fundo das escadas do prédio onde vivo.
E depois de saberem – 20 anos depois – que nem sequer deram aos habitantes da ex-RDA a liberdade de escolha entre a sua Constituição e a dos outros, nem se engasgaram com a comida?
Afinal o que celebraram foi o fim dessas conquistas bem reais do socialismo que se chamaram pleno emprego, educação de bom nível, cultura, desporto, férias e cuidados de saúde acessíveis a todos, habitação garantida a baixo preço, criminalidade baixa, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida quotidiana, certo?
Afinal o que celebraram foi o fim dessas conquistas bem reais do socialismo que se chamaram pleno emprego, educação de bom nível, cultura, desporto, férias e cuidados de saúde acessíveis a todos, habitação garantida a baixo preço, criminalidade baixa, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida quotidiana, certo?
Luís, veja o sentido da história: quando o muro foi derrubado, assistimos a um enorme fluxo de alemães da RDA para Berlim Ocidental - 2 milhões nos 3 primeiros dias. O fluxo não foi no sentido inverso. Porquê? A busca e o exercício da liberdade são valores fundamentais da condição humana. O Homem não troca a liberdade por “cama, mesa e roupa lavada”.
Chama agora aos passeios ao outro lado - para visitar famílias, compras, curiosidade natural de quem há anos não ia lá - "busca e o exercício da liberdade" ???
Francamente, Mário Lino! Mas a questão principal é que os da ex-RDA nunca tiveram a liberdade de decidir da sua vida. Nunca foram consultados. Rasgaram a sua Constituição e direitos e impuseram-lhes os dos outros. Trataram-nos como vassalos. E trataram como criminosos os líderes que tinham escolhido. E 20 anos depois continuam os esforços para criminalizar o seu sistema que lhes deu de facto e durante décadas pleno emprego, educação de bom nível, cultura, desporto, férias e cuidados de saúde acessíveis a todos, habitação garantida a baixo preço, criminalidade baixa, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida quotidiana.
Não acredito que não saiba distinguir entre o essencial e o pechisbeque.
Francamente, Mário Lino! Mas a questão principal é que os da ex-RDA nunca tiveram a liberdade de decidir da sua vida. Nunca foram consultados. Rasgaram a sua Constituição e direitos e impuseram-lhes os dos outros. Trataram-nos como vassalos. E trataram como criminosos os líderes que tinham escolhido. E 20 anos depois continuam os esforços para criminalizar o seu sistema que lhes deu de facto e durante décadas pleno emprego, educação de bom nível, cultura, desporto, férias e cuidados de saúde acessíveis a todos, habitação garantida a baixo preço, criminalidade baixa, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida quotidiana.
Não acredito que não saiba distinguir entre o essencial e o pechisbeque.
O Luís não explica, portanto, porque é que o fluxo não se fez no sentido inverso. Talvez fosse porque os cidadãos da RDA tinham familiares do lado ocidental de Berlim e o inverso não fosse verdade. Ou então os cidadãos do lado ocidental eram muito pouco curiosos e não gostavam de fazer compras!
Mas os inúmeros testemunhos dos que atravessaram o Muro não coincidem com as afirmações do Luís.
E os milhares que pagaram com a vida a tentativa de atravessar o Muro antes da sua queda, não creio que fosse por causa do pechisbeque.
Quando o Luís se refere à liberdade dos ex-RDA decidirem da sua vida refere-se ao período em que viviam na RDA?
O Luís tem o privilégio de viver num País onde pode exercer a liberdade de escrever em Blogs e dizer o que diz. Por muito menos, na ex-RDA já estaria preso.
Mas os inúmeros testemunhos dos que atravessaram o Muro não coincidem com as afirmações do Luís.
E os milhares que pagaram com a vida a tentativa de atravessar o Muro antes da sua queda, não creio que fosse por causa do pechisbeque.
Quando o Luís se refere à liberdade dos ex-RDA decidirem da sua vida refere-se ao período em que viviam na RDA?
O Luís tem o privilégio de viver num País onde pode exercer a liberdade de escrever em Blogs e dizer o que diz. Por muito menos, na ex-RDA já estaria preso.
Então o fluxo, depois da vitória da vitória da Aliança para a Alemanha de Kohl, um ano depois não se fez do Oeste para Leste? Então não foi depois o Leste invadido por todos os produtos ocidentais e por todos os sucateiros? Sabe que foi e sabe das pilhagens.
Como sabe que nunca o povo da ex-RDA foi consultado sobre a reunificação que nunca fora reivindicação sua, mas tão somente de Kohl e Bush, depois da vitória por apenas 48% da Aliança para a Alemanha um ano depois! A palavra de ordem dos habitantes da ex-RDA era "Somos o povo". Foram "turistas" que a alteraram para "Somos um povo".
E como também está fartíssimo de saber que não houve "milhares" que morreram a atravessar o Muro. Pelo menos a abertura dos arquivos da Stasi teve a "virtude" de mostrar que nem aos 100 chegaram.
Quanto a privilegiados, Mário Lino, não era o caso dos comunistas da RFA, como também bem sabe pois nem funções públicas podiam exercer. Estavam pura e simplesmente proibidos. Como hoje proibida está a Juventude Comunista na República Checa. Como proibidos estavam os comunistas de entrar nos USA mesmo em viagem de turismo.
Mas insisto que a principal roubalheira foi a de nem sequer os da ex-RDA terem tido a possibilidade de se pronunciarem sobre a nova Constituição depois de os terem espoliado da antiga. Esta foi a liberdade essencial que lhes roubaram.
Como sabe que nunca o povo da ex-RDA foi consultado sobre a reunificação que nunca fora reivindicação sua, mas tão somente de Kohl e Bush, depois da vitória por apenas 48% da Aliança para a Alemanha um ano depois! A palavra de ordem dos habitantes da ex-RDA era "Somos o povo". Foram "turistas" que a alteraram para "Somos um povo".
E como também está fartíssimo de saber que não houve "milhares" que morreram a atravessar o Muro. Pelo menos a abertura dos arquivos da Stasi teve a "virtude" de mostrar que nem aos 100 chegaram.
Quanto a privilegiados, Mário Lino, não era o caso dos comunistas da RFA, como também bem sabe pois nem funções públicas podiam exercer. Estavam pura e simplesmente proibidos. Como hoje proibida está a Juventude Comunista na República Checa. Como proibidos estavam os comunistas de entrar nos USA mesmo em viagem de turismo.
Mas insisto que a principal roubalheira foi a de nem sequer os da ex-RDA terem tido a possibilidade de se pronunciarem sobre a nova Constituição depois de os terem espoliado da antiga. Esta foi a liberdade essencial que lhes roubaram.
Meu caro Luís : agradeço-lhe, pela minha parte, esta troca franca e aberta de ideias e pontos de vista. Acho que, par quem a acompanhou, as nossas respectivas posições estão claras. Julgo poder compartilhar consigo o apego à liberdade, à democracia, à igualdade de oportunidades, à coesão e solidariedade social e ao desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida dos povos de todo o Mundo.
Infelizmente foi isso que roubaram aos cidadãos da ex-RDA: o apego à liberdade, à democracia, à igualdade de oportunidades, à coesão e solidariedade social e ao desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida.
E francamente não entendo como conseguem "comemorar" tal roubalheira.
E francamente não entendo como conseguem "comemorar" tal roubalheira.
Lembro o que o Vítor Dias escreveu no Tempo das Cerejas: "Essas palavras estão hoje no final de uma peça na página 6 do Público e foram ditas pela actual Chanceler da República da Alemanha, Angela Merkel, cuja família - segundo biografia no mesmo jornal se mudou em 1954 da República Federal Alemã para a República Democrática Alemã.
«No entanto, se era uma ditadura do proletariado, "não era tudo preto ou branco", concluiu Merkel. "Eu era feliz, e não quero esquecer esses 35 anos da minha vida".
«No entanto, se era uma ditadura do proletariado, "não era tudo preto ou branco", concluiu Merkel. "Eu era feliz, e não quero esquecer esses 35 anos da minha vida".
Luís, fiquei cativado com a sua firme e consistente argumentação gostaria de ler mais coisas suas. Tem blog? Ou recomenda algum? Obrigado.
Paula Assunção Mateus
Paula Assunção Mateus
Estive 3 meses na RDA nos idos de 1983. Subscrevo (quase) a cem por cento os comentários do Luís, e acrescento uma pequena história para dar a cor local: no primeiro fim-de-semana que passei em Berlim, fiquei muito admirado com o afluxo de «ocidentais» na cidade. Podia-se comparar à voltinha saloia que os lisboetas fazem por Sintra, Ericeira, Malveira, Cascais...
Era fácil descobri-los. Os carros em que se faziam transportar davam nas vistas. Claro que perguntei a causa de tal inusitado (para mim, bem entendido...) reboliço. A resposta veio pronta: vinham às compras - essencialmente de produtos de primeira necessidade -; almoçar - nos bons restaurantes que os havia -; as senhoras iam aos cabeleireiros; visitavam a família; deslocavam-se a exposições e museus etc. etc. etc.
Talvez a «coisa» não fosse tão má como a vieram a pintar...
Era fácil descobri-los. Os carros em que se faziam transportar davam nas vistas. Claro que perguntei a causa de tal inusitado (para mim, bem entendido...) reboliço. A resposta veio pronta: vinham às compras - essencialmente de produtos de primeira necessidade -; almoçar - nos bons restaurantes que os havia -; as senhoras iam aos cabeleireiros; visitavam a família; deslocavam-se a exposições e museus etc. etc. etc.
Talvez a «coisa» não fosse tão má como a vieram a pintar...
Eu tambem sou contra as ditaduras que não permitem a liberdade de expressão mas...Se o muro era assim tão mau, que dizer desta sociedade (a Portuguêsa de agora por exemplo)onde a justiça só existe para os pobres, Os estudantes formam-se e não têm emprego, um país cheio de desempregados, roubos, prostituíção, drogas, A CORRUPÇÃO AO MAIS ALTO NIVEL, sem que sejam castuigados, etc, etc.
Dig-me Sr, Eng. o Sr. que já foi governante, o que é a ex RDA à beira disto tudo!!!
Obrigado.
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Dig-me Sr, Eng. o Sr. que já foi governante, o que é a ex RDA à beira disto tudo!!!
Obrigado.
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