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2010-01-08

 

[1898] O histórico encontro clandestino PCP-PS, em Paris, em 1973

Aqui ao lado, nos Caminhos da Memória a propósito da velha amizade com o Jaime Mendes mas só agora patenteada no Facebook coloquei um post que me foi sugerido por um dos seus artigos do seu novel blog O Caminho de Salomão.
Evocava ele uma reunião clandestina do PCP com o PS, em vésperas ou ante-vésperas da alvorada da democracia, em que teria participado o seu sogro Manuel Tito de Morais. Como participei nessse histórico encontro, em Paris, em 12 de Setembro de 1973, dia seguinte ao do fatídico golpe de Pinochet no Chile, decidi apelar à memória para a deixar em registo nos Caminhos... da Memória.
Escrito ao correr da pena e relido à pressa, là poisaram alguma dessas aves indesejáveis (mas só neste locais) as gralhas. O leitor corrigi-las-á facilmente. Até uma simples soma ou subtração saiu errada ao dizer que em 1973 percorria eu o meu oitavo ano de clandestinidade quando de facto já entrara no décimo.
A imagem com um ou dois clics fica à maneira. Isto é, legível. Trata-se da página 4 do Avante Clandestino de Outubro de 1973 com o comunicado conjunto PCP-PS dessa reunião.
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Anexo parte do longo artigo que escrevi nos Caminhos da Memória cujo "link" está, acima, no início deste "post"
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post do Jaime conduziu-me ao histórico e clandestino primeiro e único (antes do “25 de Abril”) encontro de delegações do Conselho Directivo do Partido Socialista, recém- constituído e do Comité Central do PCP, em Paris. O “Comunicado Comum” saído da reunião e publicado no Avante clandestino de Outubro de 1973 (na imagem) refere como data o mês de Setembro mas não oferece, por causa da PIDE, mais nenhuns dados, nem o dia, nem o país ou a cidade onde teve lugar ou a composição das delegações.
Sei que a reunião foi em Paris porque participei nela e lembro-me bem de que ocorreu na manhã de 12 de Setembro de 1973, como explicarei.
O encontro realizou-se numa escola situada numa “mairie” do PCF disponibilizada por este partido “irmão” para esse encontro. A situação clandestina de Cunhal, a presença da PIDE em Paris e as ligações desta, segundo se cria, aos serviços secretos franceses obrigava a cuidados especiais. Foi assim que fui a um encontro com Mário Soares em local previamente combinado pelos partidos para o conduzir ao local da reunião. Foi à saída de uma estação de Metropolitano pelas 8h da manhã, com senha e contra-senha.
Recordo muito bem a data porque Mário Soares me informou, muito consternado, o que se tinha acabado de passar, na madrugada de 11 de Setembro, no Chile. O golpe militar de Pinochet e o assassinato do presidente Salvador Allende. Não podíamos adivinhar os 20 mil mortos que se seguiriam às mãos dos golpistas e da feroz ditadura que travou os primeiros passos do que se esperava vir ser a primeira experiência mundial de uma revolução socialista pacífica e assente em eleições com base numa aliança entre comunistas e socialistas que levaram o socialista Allende a presidente da República.
Uma aliança destas com resultados tão decisivos e auspiciosos no Chile parecia-me, tendo em conta as desavenças entre comunistas e socialistas portugueses, surpreendente e utópica em Portugal. Não diga isso, respondeu-me um dirigente do PC Chileno com quem estivera um ano antes. Olhe que nós também. Ainda poucos anos antes da aliança confrontávamo-nos violentamente, cada qual na sua trincheira de inabaláveis razões.
Na conversa com Mário Soares a caminho do encontro conversámos também sobre as movimentações que ocorriam nas Forças Armadas Portuguesas e sobre Spínola.
Há coisas de que me lembro perfeitamente mas outras, aparentemente mais fáceis de guardar não consigo recordar, por exemplo a exacta composição da delegação do PS. Além de Mário Soares lembro perfeitamente a participação de António Macedo mas não do terceiro membro da delegação. Tito de Morais? Ramos da Costa?
Há um momento que me ficou gravado impressivamente na memória. Discutia-se o conteúdo do documento que era suposto ser aprovado ali pelos dois partidos e do qual se esperava o maior impacte em Portugal, nos limites dos circuitos clandestinos e da boca a boca porque a censura não dava lugar para a mínima notícia de tal acontecimento, nem rádio, nem jornais e muito menos televisão. A não ser nas ondas curtas da Rádio Portugal Livre (do PCP a partir de Bucareste), da Rádio Voz da Liberdade (da Frente Patriótica de Libertação Nacional, com a voz de Manuel Alegre, a partir de Argel), da Rádio Moscovo ou da BBC.
Esse encontro criou uma grande expectativa, tanto maior quanto se sabia da dificuldade de relacionamento entre o PCP e PS e se pressentiam novas e talvez decisivas dificuldades do regime e do Governo de Marcelo Caetano exposto ao descontentamento dos capitães com a continuação infindável das guerras coloniais.
A certa altura da reunião, Cunhal defendia que no documento ficasse explícito que ambos os partidos “reconheciam o direito à independência total e imediata das colónias portuguesas” onde a guerra durava há 12 anos. Macedo levantou objecções. Algumas “sensibilidades” do PS recusavam a admissão, assim sem mais nem menos, da “independência total e imediata” das colónias. Mas Mário Soares interrompeu António Macedo e garantiu que o PS estava de acordo e poderia ficar assim no comunicado.
Muitos anos depois, aí pelos anos 90, relatava eu isto num debate, creio que na SIC, quando um dos participantes, antigo dirigente político de partido radical me interrompeu com um aparte
– Lá estás tu a branquear o Mário Soares.
Respondi-lhe que lamentava desiludi-lo mas que fora assim que as coisas se passaram.
Reparei também – voltando a 12 de Setembro de 1973 – que Cunhal já trazia o comunicado muito preparado e apenas fez ali algumas alterações propostas por Mário Soares. Operacionalidade, evitando assim nova reunião (clandestina) para a redacção final do documento, e quiçá, mais propostas de alteração.
Lembro-me que a manhã não estava radiosa do Sol português. Paris mergulhava numa atmosfera cinzenta que diminuía o fulgor da mais bela capital do mundo.  Mais bela…  talvez depois  de Lisboa e Nova York. Há opiniões.
Tinha vindo a Paris para uma reunião secreta do Comité Central do PCP que decorrera algum tempo antes e que aprovou um longuíssimo documento intitulado “Por uma grande campanha política de massas (PELA LIBERDADE, PELA FIM DA GUERRA COLONIAL, POR UMA VIDA MELHOR). Fiquei mais algumas semanas retido por uma agenda (como hoje se diria) que incluía várias tarefas incluindo este encontro com o PS.
Ainda estive mais uma vez com Álvaro Cunhal antes de partir para Lisboa, por Biarritz, de comboio, para San Sebastian em autocarro turístico. Daqui, de novo, de comboio até Puebla de Sanabria, próximo de Bragança, depois para o outro lado da fronteira em Portugal a pé por caminhos serranos guiado por um “passador” de pé rápido e pouca conversa como convinha a quem não quer ser identificado e me deixou, num descaminho de macadame, num carro do aparelho de fronteira do PCP, que me levou a Bragança. Aqui esperava-me o meu amigo Pedro Ferreira que me trouxe até Lisboa. Para entrar em casa ainda meti táxi, meia hora a pé e verificação em local pré-estabelecido do sinal de “casa em segurança” posto nesse dia pela Maria que teve de se aguentar sozinha com a nossa filha durante mais de um mês em que andei por fora.
Viagem pouco prática? Talvez. Mas segura. Foi assim, com cautelas e caldos de galinha, disfarces e sustos que me desencontrei da PIDE durante dez anos em Lisboa e arredores. Uma das vezes até aluguei uma casa numa rua do Bairro da Beneficência bem perto do sinistro e mítico, José Gonçalves, chefe de brigada, da PIDE. Era um bom truque. Ali ao lado dele a polícia não desconfiaria. Mas foi sem querer, confesso. Só na primeira visita do “controleiro” Ângelo Veloso, fiquei a saber, quando arregalou os olhos “passado” com a minha decisão. Foi então que me socorri daquela estulta explicação.

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