2012-09-23
Ele explica as razões encobertas da política de austeridade
Domingos Ferreira, no Público de 2012-09-22, explica porque prossegue o governo português esta política e não outra. Revela ao serviço de quem ela está.
Assim, DF não vai ser premiado com nenhum cargo dourado, nem no FMI, nem na UE, nem no Goldaman Sachs, que são o leitmotiv da acção política de Passos, Relvas, Gaspares e afins. Mas terá o reconhecimento daqueles são as suas vítimas.
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"Diz-se que uma mentira dita
muitas vezes, ao fim de algum tempo, acaba por se tomar verdade. Ridiculamente,
a propaganda e a ansiedade do Governo, corroborada por famosos comentadores políticos
e economistas supostamente sérios, levaram os nossos governantes a ver aquilo
que mais ninguém via. Portugal e a Irlanda (ao contrario da Grécia) seriam o
exemplo inequívoco do sucesso das medidas políticas de austeridade. Porém, a
crueldade dos números nunca deixa dúvidas. Aquilo
que o Governo teimosamente não quer ver nem quer dizer é que em apenas um ano a dívida pública subiu de 100% para
112%, e é certo que suba para 118% no próximo ano. O desemprego subiu de forma
galopante de 10%, em 2011, para perto de 16%, em 2012. Estima-se que no início
do próximo ano esta taxa situar-se-á nos 18%, agravada pelo encolhimento da
economia, que será cerca de 3,5%.
Assim, por muito que o Governo
continue a insistir, o facto é que no próximo ano não haverá alterações
positivas. Há cerca de um ano, numa “Carta aberta ao primeiro-ministro”,
publicada nesta coluna, alertei para o mau resultado das medidas de austeridade,
que lamentavelmente acabou por se confirmar. Mas as más notícias não se ficam
por aqui. De acordo com um estudo da universidade
de Harvard, existe um comportamento-padrão nas
crises originadas pelo excesso de austeridade. Verificou-se que estas demoraram em média
cerca de dez anos a ser mais ou menos
ultrapassadas. O Japão representa um outlier
neste comportamento-padrão, pois a crise arrasta-se há já vinte anos, apesar do
acesso a financiamentos com baixíssimas taxas de juro. Dada esta equação,
colocam-se as questões: sabendo que as
medidas de austeridade de combate à crise resultaram no agravamento dramático
da situação económica, porque ë que o primeiro-ministro insiste no erro e não
inverte a estratégia? Porque é que não toma as convenientes medidas de estímulo
de relançamento económico e de criação de emprego? Pela simples razão de que este está a
implementar as cartilha ideológica que serve os interesses das grandes
corporações económicas e políticas intenacionais, apesar de fortemente lesivos aos
interesses dos portugueses, o que para eles pouco interessa. De
acordo com esta linha ideológica, um governo sério é sempre a causa do problema
e nunca a solução. Isto é, um governo
sério não só promulga legislação regulatória e fiscalizadora, tendo em vista
evitar abusos, posições dominantes e práticas predatórias, mas também lança impostos
sobre essas poderosas corporações de forma a que haja uma maior equidade e
igualdade na distribuição da riqueza.
Consequentemente, estas auferem
menores lucros, o que lhes desagrada profundamente.
Assim, há que diminuir e afastar
a autoridade dos governos e influência da sociedade civil. Por isso, é necessário, naquela perspectiva, não só privatizar
todos os sectores da economia, nomeadamente os sectores estratégicos nacionais
apetecíveis e isentos de risco, mas
também aquilo a que eufemisticamente denominam “Flexibilizar o Mercado Laboral”, quando,
na verdade, se trata apenas de cortar nos salários. Tudo isto está
patente em diversas medidas, tais como a recente transferência de parte dos
custos da TSU para os trabalhadores em benefício do sector empresarial, no
selvagem aumento dos impostos para os mais vulneráveis e na privatização de
empresas públicas sem que se tenha observado qualquer reestruturação na economia portuguesa.
Pois, maior competitividade significaria afectar os interesses dos mais ricos
e influentes. Ingenuamente, os eleitores
pensam que a melhor opção para um primeiro-ministro que quer ser reeleito é fazer aquilo que prometeu durante a campanha , eleitoral: a satisfação dos eleitores, garantir-lhe-ia a reeleição.
Contudo, na era dos interesses económicos
globais, os líderes dos pequenos países como Portugal não estão preocupados com
os seus eleitores. Assim, se alguns dos líderes destes países terminarem o
mandato usufruindo da estima do grupo de Davos, estes não hesitarão em recompensa-los
com uma posição dourada na Comissão Europeia, no FMI ou noutros organismos afins,
mesmo que seja desprezado pelos próprios conterrâneos. Aliás, este desprezo
constitui uma mais-valia na demonstração de lealdade e solidariedade com aquele
grupo. Isto está bem ilustrado no paradigmático caso de apoio de Durão Barroso
à invasão do Iraque, tendo-lhe garantido uma posição na Comissão Europeia ou na
desprezível afirmação de Passos Coelho “que se Iixem a eleições”, estando
certo, claro, que terá melhores dias."
Professor/investigador
Universidade do Texas, EUA, Universidade Nova de Lisboa.