2012-12-28
Artur e os outros burlões
Shakespeare, lembrava ontem Rui Pereira no Correio da Manhã, pôs a
verdade na boca de um bobo. Podia também ter escrito que não há fúria na terra
como a dos jornalistas gozados.
Sim, o sentido de humor faz muita falta. Se o usássemos mais veríamos como
esta parábola do Artur nos faz o retrato, na sua genial redução ao absurdo. Com
o seu "nós lá na ONU" e o seu discurso ouvido com reverência e sem
contraditório, Artur faz alguma diferença de António (Borges) e o seu 'nós lá na
Goldman Sachs" ou "nós lá no FMI", o "nós lá na troika" de Abebe
(Selassie), ou o "nós lá no BCE" de Vítor (Gaspar)? Num caso é falso e nos
outros é verdade, direis. Mas é o lugar de onde se fala que conta, ou o sentido
que faz o que se diz, sua verdade e efeito?
Que o que o Artur dizia são disparates, ouvimos agora. Admitamos que sim; que
é "o que as pessoas querem ouvir", como ontem o diretor do Diário
Económico, António Costa, afirmava no Twitter. Mas há dois anos, quando os
media clamavam pelo pedido de resgate para a seguir cantarem loas às "soluções"
e ditados da troika, e logo depois, durante a campanha eleitoral,
repetirem, sem a questionar, a conversa das "gorduras do Estado", era de quê,
factos indesmentíveis, que ninguém queria ouvir, que se tratava? Onde estavam os
jornalistas económicos quando PSD e CDS juravam que, uma vez no poder, bastaria
"cortar no supérfluo" e nada de aumentar impostos, nada de fechar centros de
saúde, escolas, racionalizar o Estado, tudo isso que o Governo anterior fazia,
claro, por pura maldade? E onde estão agora, que até o Pedro admite ser a
generalidade da despesa do Estado com prestações e serviços sociais, os
reconhecimentos de terem sido levados ao engano, os mea culpa por não
terem feito "o trabalho de casa"? Onde estão as acusações de burla e os apodos
de burlão a quem vendeu a história falsa?
Difícil encontrar hoje um analista ou jornalista que não faça pouco das
previsões do Vitor, não é? Mas quem não se recorda de ter sido apresentado como
"um técnico brilhante e apolítico", "uma infalível máquina de contas", e a sua
austeridade como "o único caminho"? E já não se lembram de como o Pedro era "um
homem sério", "sensato", "bem falante" (!), que "não enganava ninguém", e o
Álvaro um brilhante académico que trazia do Canadá a saída para todos os
problemas?
Artur mentiu, arranjou uns cartões falsos, pretendeu ser autor de um estudo
que não é dele e pertencer a uma organização prestigiada que, de resto, nada faz
- para não variar da sua atitude geral - para se defender de tal reivindicação.
E assim fez discursos, deu entrevistas e chegou à TV. Foi uma bela partida; se
fosse a ele fazia disto tese académica ou reportagem, com o título "Como enganei
os media portugueses, como são fáceis de enganar, e como enganam quem os
consome". Às tantas ganha o Pulitzer. Merece. Até porque, ao contrário dos
outros burlões, e tantos são, não nos fez mal algum.