2013-07-02
A carta de demissão de Víctor Gaspar ao 1º M à comunicação social
Senhor Primeiro Ministro
Exmo Dr. Pedro Passos Coelho
Lisboa, 1 de julho de 2013
Excelência,
No
dia 22 de outubro de 2012, há um pouco mais de oito meses, dirigi-lhe uma carta
em que assinalava a urgência da minha substituição no cargo de Ministro de
Estado e das Finanças. Agora, em meados do ano seguinte, essa urgência
tornou-se inadiável.
A
oportunidade do meu pedido de demissão no outono de 2012 ocorreu após uma série
de importantes acontecimentos, entre os quais me permito destacar o acórdão do
Tribunal Constitucional de 5 de julho de 2012 e uma erosão significativa no apoio da opinião pública às políticas
necessárias ao ajustamento orçamental e financeiro na sequência das alterações
então propostas à taxa social única.
Numa
crise de financiamento externo, estou convencido que o país devedor, em crise,
tem inicialmente de dar prioridade à restauração da relação fiduciária com os
credores oficiais e privados. Na ausência de um entendimento estável, a parte
devedora sofrerá custos económicos e sociais agravados. Aquando do início do
mandato do atual Governo, a confiança dos nossos credores externos necessitava
ser recuperada com urgência, tal era a gravidade da nossa situação; hoje, estou
confiante que o esforço deve ser dirigido à preservação dessa confiança, face
aos resultados alcançados.
Senhor
Primeiro Ministro
As
semelhanças entre a primavera de 2013 e o outono de 2012 são claras e marcadas.
Como bem sabe pareceu-me inevitável a minha demissão na sequência do segundo acórdão
negativo do Tribunal Constitucional. Foi-me pedido que continuasse para assegurar
a conclusão do sétimo exame regular, a extensão do prazo de pagamento dos empréstimos
oficiais europeus e a preparação do orçamento retificativo, necessário depois da
prolação daquela decisão jurisdicional. Aceitei então por causa da situação dramática
para a qual o pais seria arrastado se essas tarefas não fossem realizadas.
O
sétimo exame regular está oficialmente concluído. A extensão dos prazos dos empréstimos
oficiais europeus está formalmente confirmada. O orçamento retificativo está
aprovado. As condições de financiamento do Tesouro e da economia portuguesa melhoraram
significativamente. O investimento poderá recuperar com base na confiança dos
empreendedores. A minha saída é agora, permito-me repetir, inadiável.
Relembro
que apenas após o Conselho de Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um
mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular (o
que ocorreu imediatamente a seguir, a 13 de maio). A ausência de um mandato para concluir atempadamente o sétimo exame
regular não me permite agora continuar a liderar a equipa que conduz as
negociações com o objetivo de melhor proteger os interesses de Portugal.
Senhor
Primeiro Ministro
Numa carta
de demissão é imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações e responsabilidades.
O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em
2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna
e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas
tributárias. A repetição destes desvios
minou a minha credibilidade enquanto Ministro das Finanças.
Os
grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade
e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram
a crise orçamental e financeira. No
entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves.
Requerem uma resposta efetiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida transição
para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e
confiança. Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de
assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as
suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente
as responsabilidades que me cabem.
Senhor
Primeiro Ministro,
Liderança
é, por vezes, definida como sabedoria e coragem combinadas com desinteresse próprio.
A liderança assim exercida visa os superiores interesses nacionais que perduram
de geração em geração. Fácil de dizer, difícil de assegurar, em particular
quando as condições são de profunda crise: orçamental, financeira, económica,
social e política.
Sendo
certo que contará sempre com a inteligência, coragem e determinação dos
portugueses, cabe-lhe o fardo da liderança. Assegurar as condições internas de concretização
do ajustamento são uma parte deste fardo. Garantir a continuidade da credibilidade
externa do país também. Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha firme
convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a
coesão da equipa governativa.
Pela
minha parte, resta-me agradecer o enorme e inestimável apoio que me prestou
nestes dois anos de excelente cooperação.
Com a
amizade, lealdade e admiração do
Víctor
Gaspar
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Os "negritos" são sublinhados meus.
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Os "negritos" são sublinhados meus.
Etiquetas: 1º Ministro., Carta de demissão, ministro das Finanças. Pedro Passos Coelho, Victor Gaspar