2013-07-24
Francisco Louçã e Pacheco Pereira no Público
Francisco Louçã: Três teses Renascentistas para a Esquerda
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Há dois meses, o valor do mercado de derivados não regulados ultrapassou um quadrilião de dólares. Duplicou desde o início da recessão e é mais de 16 vezes o PIB mundial. É capital fictício,evidentemente, mas é capital – ou seja, o seu valor é garantido por salários,pensões e impostos, através do controlo implacável da dívida pública. Esvaziado, o Estado deixa de repartir bens públicos porque é uma agência da finança.
Na Europa, a dívida é a máquina que permite simultaneamente perpetuar a renda financeira futura e impor o novo regime social, por via da “corrosão de carácter” a que se refere Sennett: a maior transformação social desde a passagem da economia agrária para a industrial, a precarização absoluta do trabalho qualificado.
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Pacheco Pereira: A Crise por detrás da "crise"
Extratos. Artigo completo aqui
... O ministro dos Negócios Estrangeiros acha normal
descrever o seu país como um protectorado. Como eram Marrocos, a Manchúria, a
Boémia e Morávia, a Basotulândia, ou as ilhas Tonga. Repito: eu posso dizê-lo,
ele não. O facto de o ministro usar essa classificação (ele não é analista, é
ministro, pelo que a sua voz é aceite pelas diplomacias estrangeiras como sendo
a descrição legítima, não só de facto mas de jure, da situação
portuguesa) não tem origem em nenhum acto do Parlamento, nenhuma rendição de
tropas, nenhum Pétain a assinar a submissão a Hitler, em nome da “salvação
nacional”. Se somos um protectorado, devemos organizar a resistência ou ser
“colaboracionistas”?
O que é significativo é que a existência de um
Memorando, do teor do que foi assinado há dois anos, é considerado pela nossa
elite do poder como uma cedência total da soberania, e uma suspensão da
democracia, comportando-se em consequência com a maior das naturalidades. Não é
apenas uma medida de emergência financeira, pactuada com entidades de que
Portugal faz parte (Portugal é membro do FMI, do BCE e da UE), mas uma rendição
que põe em causa tudo, a começar pela independência e a acabar na
democracia.
Na verdade, a questão mais de fundo é que a política definida
no Memorando era para uma elite económica-financeira-política muito mais do que
um plano de emergência financeira, era o programa salvífico para “nos
comportarmos bem”, e para que “o país nunca mais seja o mesmo”. Era uma
oportunidade única e foi defendida com tropas em batalha, como se fosse uma
guerra. E era, era e é, uma guerra social.
Ou seja, o Memorando foi não
só uma emergência, mas também uma salvação divina. Deu aos seus
colaboracionistas um bordão político que ia muito para além do seu cumprimento,
tornando-se o programa de regeneração nacional que poria em ordem os preguiçosos
gastadores dos portugueses que “viviam acima das suas posses”, reduzindo-os
punitivamente à sua condição de pobres de que nunca deveriam ter saído, ainda
por cima com dinheiro emprestado e encostados ao Estado. Quem eram esses
portugueses? Os trabalhadores, os funcionários, os pequenos empresários, os
reformados, os pensionistas, os “de baixo”.
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