2014-05-11
A tróica em Portugal e Grécia para salvar os bancos alemães e franceses
Philippe Legrain, foi conselheiro económico independente de Durão Barroso,
presidente da Comissão Europeia, entre
Fevereiro de 2011 e Fevereiro deste ano, o que lhe permitiu acompanhar por
dentro o essencial da gestão da crise do euro. A sua opinião, muito crítica, do
que foi feito pelos líderes do euro, está expressa no livro que acabou de
publicar “European Spring: Why our Economies and Politics are in a mess”.
Isabel Arriaga e Cunha entrevistou-o, em Bruxelas e saiu hoje no Público.
Philippe Legrain explica que em
Portugal não havia uma crise soberana pois a dívida do Estado português antes
da crise era, em termos percentuais idêntica à da Alemanha (68% do PIB). Havia
sim uma dívida muito grande (200% do PIB) mas privada e uma dívida que
directamente ou indirectamente atingia os bancos alemães e franceses e portanto
quem necessitava de um resgate eram os bancos mas isso, como se sabe, é uma
coisa perigosíssima que põe em causa os fundamentos da sociedade e até da
própria civilização porque atinge o bolso dos multimilionários, molesta os grandes
accionistas dos bancos, gente que necessita de ganhar muitos milhões todos os
anos e atinge os seus gestores, pessoas respeitabilíssimas de ordenados sempre
acima dos 100 mil euros/mês.
De modo que
sob a batuta de Merkel (dos bancos alemães) e com a cumplicidade do Presidente
da Comissão Europeia, Durão Barroso, transformou-se a crise bancária em crise
soberana, salvam-se os bancos alemães e franceses, os portugueses e os gregos, com
o dinheiro do contribuinte português e grego. Desemprego, miséria, ruina da
economia. Paciência. Saída limpa.
Extratos da entrevista a Philippe Legrain:
A tese do seu livro é
que a gestão da crise da dívida, ou crise do euro, foi totalmente inepta,
errada e irresponsável, e que todas as consequências económicas e sociais
poderiam ter sido evitadas. Porque é que as coisas se passaram assim? O que é
que aconteceu?
Uma
grande parte da explicação é que o sector bancário dominou os
governos de todos os países e as instituições da zona euro. Foi por isso que, quando a crise financeira rebentou,
foram todos a correr salvar os bancos, com consequências muito severas para as
finanças públicas e sem resolver os problemas do sector bancário.
Como assim?
… As
pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as
previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para
se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está
mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu.
Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.
Quando diz que os
Governos e instituições estavam dominados pelos bancos quer dizer o quê?
Quero
dizer que os Governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses
dos cidadãos. Por várias razões. … Muitos políticos seniores ou trabalharam
para bancos antes, ou esperam trabalhar para bancos depois. Há uma relação
quase corrupta entre bancos e políticos. …
Também diz no seu livro
que quando foi conselheiro de Durão Barroso, o avisou claramente logo no início
sobre o que deveria ser feito, ou seja, limpar os balanços dos bancos e
reestruturar a dívida grega. O que é que aconteceu? Ele não percebeu o que
estava em causa, ou percebeu mas não quis enfrentar a Alemanha e a França?
…
Infelizmente, apesar de termos tido muitas e boas conversas em privado, os meus
conselhos não foram seguidos.
Porquê? Será que a
Comissão não percebeu? A Comissão tem a reputação de não ter nem o conhecimento
nem a experiência para lidar com uma crise destas. Foi esse o problema?
… Ou seja,
a Comissão poderia ter desempenhado um papel muito mais construtivo enquanto
alternativa à linha única alemã. E, por fim, é que, embora seja politicamente
fraca, a Comissão tem um grande poder institucional. … Houve
orientação política, só que vinha da Alemanha. … a
Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. É por isso que
temos uma Alemanha quase-hegemónica, o que é muito destrutivo. …
Então para si, a crise
do euro foi antes de mais uma crise bancária mal gerida....
Foi. É antes de mais uma crise bancária. Se olhar para Portugal, o principal problema era a dívida privada. Antes da crise, a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha– 67/68% do PIB – mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a dívida privada que estava acima de 200% do PIB. Antes da crise, o que aconteceu em Portugal era, no essencial, bancos estrangeiros a emprestarem a bancos portugueses e estes a emprestar aos consumidores portugueses. …
Foi. É antes de mais uma crise bancária. Se olhar para Portugal, o principal problema era a dívida privada. Antes da crise, a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha– 67/68% do PIB – mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a dívida privada que estava acima de 200% do PIB. Antes da crise, o que aconteceu em Portugal era, no essencial, bancos estrangeiros a emprestarem a bancos portugueses e estes a emprestar aos consumidores portugueses. …
Então, em
sua opinião, os resgates a Portugal e Grécia foram sobretudo resgates
disfarçados aos bancos alemães e franceses para os salvar dos empréstimos
irresponsáveis, e que estão a ser pagos pelos contribuintes portugueses e
gregos?
Claro que
foram. No caso de Portugal, também havia bancos espanhóis, mas que também
tinham obtido empréstimos dos bancos franceses e alemães. Era uma cadeia....
Isso
significa que o sofrimento dos portugueses, o desemprego astronómico, os cortes
de salários e pensões e os aumentos de impostos, tudo isto foi feito para
salvar os bancos alemães e franceses?
Bom, é
preciso sublinhar que dado o crescimento gigantesco do crédito que aconteceu em
Portugal antes de 2007, Portugal sofreria de alguma forma. Não estou a dizer
que seria tudo perfeito. Mas a recessão foi desnecessariamente longa e profunda
e, em resultado dos erros cometidos, a dívida pública é muito mais alta do que
teria sido. A austeridade foi completamente contraproducente, as pessoas
sofreram horrores e isso prejudicou imenso a economia.
Mas pelo
menos parte da dívida pública foi assumida para salvar dívida privada,
incluindo dos bancos, portugueses e alemães. O que significa que são os
contribuintes portugueses que estão a pagar para salvar esses bancos?
Sim, é verdade.
Sim, é verdade.
Numa união europeia,
numa união monetária, governos e instituições europeias puseram os interesses
dos bancos à frente do bem estar das pessoas?
Essa é a
questão essencial. … Mas quando o problema alastrou a toda a UE, o que
aconteceu foi que a zona
euro passou a ser gerida em função do interesse dos bancos do centro– ou seja,
França e Alemanha – em vez de ser gerida no interesse dos cidadãos no seu
conjunto. O que é profundamente injusto e
insustentável. …
Qual e a solução agora?
É preciso
um discurso de verdade. Não acredito que Merkel seja capaz de o fazer porque
teria de admitir os erros. Seria preciso que algum líder ou político alemão
explicasse a verdadeira história sobre o que aconteceu. Mas tem de haver um
reconhecimento da verdade. …
O que
sugere para Portugal poder começar a crescer?
É preciso
uma reestruturação dos bancos, um perdão de dívida tanto pública como privada,
é preciso investimento do Banco Europeu de Investimentos (BEI), dos fundos
estruturais da UE e através dos ganhos de um perdão de dívida que reduza os
pagamentos dos juros. Se os bancos estiverem a funcionar como deve ser, também
haverá crédito ao investimento. E é preciso reformas, porque durante esta
crise, as reformas defendidas pela Comissão e Alemanha foram, no essencial, redução
de salários. Isto foi baseado num falso diagnóstico. …
E para a
UE ? Qual é a solução para a crise? Falar de maior integração, de união
política e orçamental tem sentido?
Não creio
que seja preciso maior integração para resolver a crise. O plano em três pontos
que dei a Durão Barroso em 2010 – reestruturação de bancos, reestruturação de dívidas,
investimento e reformas – … E é
preciso dar aos Governos muito mais liberdade e flexibilidade para contrair
crédito e para gastar – para isso, é preciso deitar fora o
Tratado orçamental – embora
prevendo, em última análise, a possibilidade de default. …
Sobre os
resgates em si: disse que no caso do programa da Grécia as projecções
macro-económicas eram totalmente irrealistas e que as condições impostas a
Portugal foram “bárbaras”. Quem foi responsável por isto, o FMI ou a Comissão
Europeia?
Foi a troika
que o fez em conjunto, mas penso que o essencial da
responsabilidade da parte orçamental dos programas é da Comissão. …