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2014-05-25

 

Crise bancária passou a soberana. Assim o Zé conforma-se e paga


O sol aqueceu a esplanada, o cafezinho arrebitou a conversa e o Sô Zé aventurou-se a interpelar o vizinho.

- Oh Senhor Antunes explique lá isso da crise aqui ao pessoal da rua. Dizem que a crise era dos bancos e afinal nós é que pagamos?

- Bem, a crise é soberana. Realmente a crise era bancária, começou em 2008 nos Estados Unidos e alargou-se logo à Europa.

- Mas os bancos anunciavam todos os anos milhões e milhões de lucros como puderam assim, de repente, entrar em crise?
- O negócio dos bancos é receber juros do dinheiro que emprestam. Quanto mais emprestam mais juros ganham, mais enriquecem os seus acionistas através dos dividendos que cada ano o banco distribui no valor de muitos milhões e maiores ordenados ganham os seus administradores, sempre acima e muito acima, de 1 milhão por ano.

- Parece-me bem.

- O problema é que com a desregulação dos bancos, com a criação da banca paralela, fundos de investimento, com a revolução dos últimos 15 anos nos sistemas financeiros, na criação de “produtos complexos” e negócios à velocidade da luz à escala mundial o sistema financeiro, a banca, faz o que quer. Para ampliar muito os lucros os bancos enveredarem por uma conduta aventureira de ganhos imediatos fabulosos com o aumento de empréstimos para compra de casa, “compre casa, compre! Compre!! Compre!!! que o banco empresta o dinheiro”, empréstimo para tudo e mais alguma coisa a privados e às famílias com os cartões de crédito. Emprestar e emprestar, para ganhar juros e mais juros e comissões para isto e para aquilo, sem querer saber se a recuperação do crédito estaria adequadamente garantida.

- Como assim? Sem garantias de pagamento o negócio de emprestar dinheiro pode ser ruinoso. Então os bancos não têm lá especialistas para avaliar o risco?

- Mas não estão muito preocupados com isso porque influenciando os governos, tendo os seus homens nos governos e nos parlamentos, têm a certeza que os governos obrigarão o povo a pagar os prejuízos dos banqueiros com os impostos ou com cortes de salários, de subsídios, de reformas, cortes no orçamento do Serviço Nacional de Saúde, na Educação.

- Então e as fortunas dos banqueiros ficam a salvo?

- É para isso que eles têm os seus homens junto do governo e do poder político em geral de tal modo que eles é que são, de facto, o verdadeiro poder.

Mas não foi só nesses empréstimos duvidosos que muitos bancos foram à ruina . Os bancos transformaram-se em super-casinos, inventaram "produtos financeiros" por vezes tão complexos que só os emissores entendiam o que aquilo era, CDS's, Swaps, etc que vendiam e compravam nas bolsas de todo o mundo. Isso fez fortunas do dia para a noite a muitos "especialistas financeiros" e deu lucros fabulosos aos bancos. Mas eram lucros fabulosos imediatos e com risco de brutais falências. O lado casino do sistema financeiro internacional é bem retratado pelo número de operações financeiras em todo o mundo das quais só uma percentagem ínfima diz respeito à economia real.

- Esses negócios financeiros de alto risco incluindo a atividade de "casino" acabou por dar para o torto, não é isso?
- Exatamente.

- Então não deviam ser os banqueiros e esses especialistas financeiros a arcar com os prejuízos? Quando o negócio deu lucro o lucro era deles quando levou à ruina pagamos nós que não estávamos no negócio?

- É isso mesmo. Vamos ver uns exemplos. Imaginemos uma empresa pequena que faliu e ficou a dever meio milhão de euros aos bancos ou outros credores.

- Quem é que vai ter de pagar?

- Os donos da empresa os seus 3 sócios, quem os manda fazer maus negócios!
- Ah... é Lógico
- Vejamos o caso de uma empresa média com dez sócios que faliu e ficou a dever 5 milhões de euros.

- Não me diga que é o Estado que vai pagar o prejuízo?

- De modo nenhum. 5 milhões, não é gente assim tão importante. Pagam os seus 10 sócios, quem havia de ser? O contribuinte, não?!

E agora imaginemos o caso de uma grande empresa, um banco português, por exemplo, que em virtude da sua atividade de casino e de empréstimos de risco apresenta um "buraco" de 5, 10 ou 20 mil milhões de euros como sucedeu nos EUA e pela Europa. Estou a falar de bancos "sérios" como o BES ou o Goldman Sachs e não de associações de pequenos mafiosos, amigos do Presidente, como os do BPN.

- Isso já é muito dinheiro.
- Muito dinheiro. Gente de respeito. O governo não pode deixar o banco ir à falência. Isso constituiria uma catástrofe, um perigo sistémico!!
- Perigo sistémico? Sistémico? Isso deve ser perigoso não? Mas que é isso exatamente?
- Eu explico. Os donos, os grandes accionistas do banco, chamados de “referência”.

- De referência!? Hum…isso há-de ser gente muito importante ?…

- É um conjunto de multimilionários portugueses mas também alemães e franceses e ainda angolanos e norte-americanos grandes acionistas de bancos que emprestaram dinheiro ao banco português. Não podemos arruinar essas pessoas que são grandes empreendedores e fazem imensa falta à sociedade. Seria um desprestígio para o país. Uma vergonha. Mais, a própria sociedade ficaria em grande perigo.
-Grande perigo? Mas porquê?- Ora porquê... que pergunta!... Bem… o melhor é mesmo perguntar-lhes a eles, aos multimilionários. Eles lá sabem.
- Então que fazer?
- Ora o BCE, o FMI e a UE, com o apoio e aplauso do governo que elegemos, Passos Coelho e Paulo Portas com o apoio e proteção do nosso presidente Cavaco Silva, dizem que é obrigatório que o prejuízo seja pago pelos contribuintes, pela população em geral. Senão é uma catástrofe "sistémica"!!
- Mas essa gente ganhou fortunas. Os bancos todos os anos anunciavam lucros fabulosos e então nisso não se toca? Então quando o banco dá lucro o lucro é deles se dá prejuízo o prejuízo é nosso?


- Ora aí está, o meu amigo começa a perceber o que é um “perigo sistémico” coisa horrível, catastrófica. Para os lucros deles, é claro.

É gente importante que pode oferecer empregos dourados e redourados a governantes, a deputados, a magistrados, onde ganharão 10, 20 ou 30 vezes mais do que ganhavam no governo, no parlamento ou nos tribunais. São pessoas de respeito que Durão Barroso da Comissão Europeia, que Christine Lagarde do FMI ou. Mário Draghi. do Banco Central Europeu cumprimentam com uma importante vénia. É gente de muito respeito.

- Mas não estou a perceber. Isso é a crise bancária e seria uma enorme injustiça e uma desavergonhada desfaçatez sermos nós a pagar as dívidas dos bancos mas parece que temos de pagar é apenas a dívida soberana ou dos países ou lá o que é? Essa é que parece que nos cabe a nós todos ter de pagar pois se ela é a dívida do país...


- Ora aí é que está o busílis, Sô Zé. Obrigado a pagar a dívida dos bancos o povo podia revoltar-se e pôr a Ordem em perigo. Uma coisa horrível. Por isso muito habilmente, a conselho prudente dos bancos, os governos transformaram a crise bancária em crise soberana. O Estado salvou os bancos, nacionalizou a dívida e paga-a com o nosso dinheiro. Crise soberana o Zé Povinho protesta mas não tanto.
 
- Mas não havia uma dívida excessiva dos Estados?
- Sim havia, em Portugal e muitos outros países da UE como a Grécia ou a Espanha ou a Alemanha mas sem a crise bancária e com uma política que não fosse a que a Alemanha impôs aos países do Sul da Europa a crise não teria tido a gravidade que teve e que condena a maioria dos portugueses ao empobrecimento, a economia e as conquistas sociais a regredirem muitos e muitos anos.
No início da crise a dívida soberana de Portugal, cerca de 68% do PIB, era equivalente à da Alemanha mas o governo conservador de Merkel impôs como solução a política de austeridade a todo o custo, que agravou a economia, o desemprego, a emigração, aumentou a pobreza e aumentou e muito a dívida do Estado português. A intervenção da Troica em Portugal, convocada e aplaudida pelo governo de Passos/Portas levou a que a dívida do Estado passasse, em três anos, de 90 para 130% do PIB mas teve o condão de permitir que, com o empréstimo de 78 mil milhões de euros, de que pagaremos 34,4 mil milhões em juros, salvássemos os bancos alemães e franceses que fizeram empréstimos arriscados em Portugal. A Alemanha que agora dá ordens à UE impôs regras que convêm aos bancos e grandes grupos económicos alemães mas prejudicam os países do Sul da Europa. Por isso, pensando nos bancos alemães, não admira que o governo conservador alemão diga que a intervenção da troica foi um sucesso em Portugal agora que o governo português e o PR digam o mesmo é que é uma afrontosa e cínica mentira.

- Hum... tou a perceber.

 

Comments:
E eu que pensava que a culpa era do Socras!...
...
Este texto merecia ser lido por todos os alunos das Escolas!



 
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