2014-11-25
"Justiça e Vingança" - O caso Sócrates
Independentemente
do que Sócrates possa vir a ser acusado e do que possa vir a ser
comprovado aquilo a que estamos a assistir é a um circo mediático com
vistas a um assassínio político prévio, antes de qualquer julgamento.
A forma
como está a ser tratado o ex-primeiro ministro - independente dos factos
ou das culpas - têm também consequências diretas e imediatas na agenda
político-partidária. Um comentarista na SIC Notícias, esta 2f, entre as 22 e
as 23h, Ricardo Jorge Pinto, salvo erro, augurava até, não sei se por desejo
ou suspicácia, que nesta situação António Costa poderá mesmo resignar
das funções de SG do PS !!
A raiva
paranoica em torno de Sócrates que ganhou largos sectores da política, dos media e da
justiça está exemplarmente espelhada na forma como este processo foi montado:
televisões no aeroporto à espera do "malvado", tudo o que era suposto
ser "segredo de Justiça" noticiado com estrondo pelo Sol
(que fez mais uma edição especial, hoje 2ªf ) e pelo Correio da Manhã.
Corrupção e
outros crimes que a "porta-voz da justiça", Felícia Cabrita, nos
anunciou devem ser combatidos com a máxima firmeza custe a quem custar
seja Sócrates, Portas (submarinos), Passos Coelho (Tecnoforma e
CPC) ou Cavaco (BPN) mas acrescentar à prestação serena da Justiça o circo
mediático a que estamos a assistir, pode satisfazer raivas mas não ajuda a defender os direitos
dos cidadãos nem a imagem do país.
Ofereço-vos aqui as considerações que o ex-bastonário Marinho e Pinto produziu aqui.
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Justiça e vingança
António Marinho e Pinto
Há, em
Portugal, cidadãos que nunca poderão ser humilhados pela justiça como está a
ser José Sócrates: os magistrados.
A detenção do
antigo primeiro-ministro José Sócrates levanta questões de ordem política, de
ordem jurídica e de cidadania. Mais do que a politização da justiça, ela
alerta-nos para a judicialização da política que está em curso no nosso país.
José Sócrates
acabou, enquanto primeiro-ministro, com alguns dos mais chocantes privilégios
que havia na sociedade portuguesa, sobretudo na política e na justiça. Isso
valeu-lhe ódios de morte. Foi ele quem, por exemplo, impediu o atual Presidente
da República de acumular as pensões de reforma com o vencimento de presidente.
A raiva com que
alguns dirigentes sindicais dos juízes e dos procuradores se referiam ao
primeiro-ministro José Sócrates evidenciava uma coisa: a de que, se um dia, ele
caísse nas malhas da justiça iria pagar caro as suas audácias. Por isso, tenho
muitas dúvidas de que o antigo primeiro-ministro esteja a ser alvo de um
tratamento proporcional e adequado aos fins constitucionais da justiça num
estado civilizado.
É mesmo
necessário deter um cidadão, fora de flagrante delito e sem haver perigo de
fuga, para ser interrogado sobre os indícios dos crimes económicos de que é
suspeito? É mesmo necessário que ele, depois de detido, esteja um, dois, três
ou mais dias a aguardar a realização desse interrogatório?
Dir-me-ão que é
assim que todos os cidadãos são tratados pela justiça. Porém, mesmo que fosse
verdade, isso só ampliava o número de vítimas da humilhação. Mas não é verdade.
Há, em Portugal, cidadãos que nunca poderão ser humilhados pela justiça como
está a ser José Sócrates: os magistrados. Desde logo porque juízes e
procuradores nunca podem ser detidos fora de flagrante delito.
Em Portugal,
poucos, como eu, têm denunciado a corrupção. Mas, até por isso, pergunto: seria
assim tão escandaloso que um antigo primeiro-ministro de Portugal tivesse
garantias iguais às de um juiz ou de um procurador? Ou será que estes, sim,
pertencem a uma casta de privilegiados acima das leis que implacavelmente
aplicam aos outros cidadãos?
A justiça não é
vingança e a vingança não é justiça. Acredito que um dia, em Portugal, a
justiça penal irá ser administrada sem deixar quaisquer margens para essa
terrível suspeita.