2014-12-22
O Tea Party em S. Bento
O tea party em S. Bento
MÁRIO VIEIRA
DE CARVALHO no Público de 21/12/2014
Finalmente, Passos desatou a
língua e começou a proclamar, sem eufemismos, o seu programa. Não aquele
programa socialdemocrata escrutinado
nas eleições, mas sim o programa fundado nas suas crenças pessoais, jamais
escrutinado pelo seu próprio partido e muito menos pelo povo português. Fá-lo
com uma euforia inaudita, qual cabo de guerra já derrotado e acossado no seu
Bunker que, de súbito, lesse nos astros um sinal da divina Providência. Cercado
dos escombros e ruínas da “destruição criativa”, partilha agora connosco,
diariamente, em voz alta, o sonho duma radiosa vitória final: a promessa duma
revolução milenar, que trará a redenção a Portugal, à Europa e a toda a
humanidade.
Ficou
a saber-se que, para Passos, tudo tem de ser um negócio lucrativo: a começar
pela Saúde e a continuar por aí fora: na Segurança Social, na Educação, na
Ciência, na Cultura, nos transportes públicos, redes viárias etc., etc. De tudo
isso o Estado deverá retirar-se para dar lugar aos privados. Só lhe falta
explicitar se o princípio se aplica também à Administração Pública e aos órgãos
de soberania, mas é de esperar que venha a fazê-lo em breve. Passos não deixará
escapar esse precioso detalhe do seu programa de capitalismo utópico”!
Com a privatização integral das
funções do Estado, o governo, o parlamento e os demais órgãos de soberania
tornar-se-ão supérfluos. Serão substituídos poruma ou mais empresas de
multisserviços, que desempenharão eficientemente as tarefas requeridas, pagas
caso a caso pelos indivíduos que delas careçam.
Cada um por si. Nunca mais haverá
“todos a pagar para o benefício de alguns...” Nesses amanhãs de sonho, em que
os males do “socialismo” – diz ele – serão esconjurados, mas que já entrevemos
pela pequena amostra dos seus três anos de governação, Portugal baterá todos os
records: será o país com as mais elevadas taxas de exclusão e discriminação
sociais, desemprego, desemprego jovem, capital humano não qualificado, pobreza,
pobreza infantil, trabalhadores no ativo que só sobrevivem graças ao apoio dos
bancos alimentares, destruição da capacidade produtiva, criminalidade violenta,
delinquência juvenil, suicídios, depressões, enfermos sem assistência, envelhecimento
demográfico, desertificação, etc. Uma vez alcançado o primeiro lugar em todos
esses rankings, acontecerá o milagre e cada qual viverá feliz para sempre, pois
não terá de contribuir com um pataco para o bem comum.
Liquidar o Estado – e não:
melhorar o Estado – é o seu programa. Por isso, recusa liminarmente as virtudes
da despesa pública, mesmo que seja investimento estratégico com efeito
reprodutivo. Daí que não tenha feito a reforma do Estado e se contente com
cortes cegos. E daí a sua hostilidade aos
programas PRACE e SIMPLEX dos
governos de José Sócrates, que constituíram uma verdadeira reforma do Estado e
que cumpriram inteiramente os seus objetivos: melhorar a eficiência e a
qualidade dos serviços públicos, reduzindo os custos de suporte. Isso não
interessa a Passos, empenhado como está na sua cruzada contra o “socialismo”,
isto é, contra tudo o que se pareça, de longe ou de perto, com o modelo social
europeu.
Uma tal cruzada surpreende pela
sua retórica extremista, pois rompe necessariamente com ambas as bandeiras da
sua família política – não só a “social”, mas também a “democrata”. Não
esqueçamos a matriz fascista do primeiro “laboratório” do neoliberalismo (o
Chile de Pinochet), onde o Estado instaurou uma ditadura terrorista para impor
a privatização integral da economia.
Tão levianamente radical como o
discurso de Passos, nos dias de hoje, só mesmo o do tea party nos EUA. Este ainda não chegou à Casa
Branca, mas já se instalou em S. Bento.
Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL)
Etiquetas: Mário Vieira de carvalho, Passos Coelho., Tea Party