2018-03-03
STIGLITZ em DAVOS ( Fev / 2018)
Desde 1995 que vou ao Fórum
de Davos mas nunca saí tão desalentado como este ano
Não, não sou eu, é Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001, que o diz.
Joseph Eugene Stiglitz foi presidente do Conselho de Assessores Económicos no governo de Bill Clinton (1995-1997) e vice-presidente senior para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial, onde veio a ser economista chefe.
Escreve no Expresso que, no Suplemento de Economia de 2018-02-24, traz este seu artigo:
DAVOS (1) -· Tenho assistido à conferência anual do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça onde a chamada elite global se reúne para discutir os proble-mas do mundo- desde 1995. Nunca saí tão desalentado como este ano. O mundo está a ser assolado por problemas quase incontroláveis. A desigualdade está em ascensão, especialmente nas economias avan-çadas. A revolução digital, apesar do seu potencial, também implica riscos sérios para a priva-cidade, a segurança, os empregos e a democracia - desafios que são agravados pelo crescen-te poder monopolístico de uns poucos gigantes de dados americanos e chineses, que incluem o Facebook e o Google. As mudanças climáticas representam uma ameaça existencial para a economia global como a conhecemos.
Talvez mais desanimadoras que estes problemas, contudo, sejam as respostas. Na verdade, aqui em Davos, CEO provenientes de todo o mundo começam a maioria dos seus discursos reafirmando a importância dos valores. As suas atividades - proclamam - visam não só a maximização dos lucros para os acionistas, mas também a criação de um futuro
melhor para os seus
trabalhadores, para as comunidades em que trabalham e para o mundo de um modo geral. Podem até referir os riscos colocados pelas mudanças
climáticas e pela desigualdade.
Mas quando os discursos
terminaram este ano despedaçou-se qualquer ilusão que restasse
sobre os valores que motivam os CEO de Davos. O risco
que mais parecia preocupar estes
CEO era a reacção contra o tipo de globalização que construíram
- e com a qual beneficiaram imensamente.
Não surpreende que estas elites económicas tenham dificuldade em compreender a extensão
com que este sistema falhou
a grandes faixas da população na Europa e nos Estados Unidos,
fazendo estagnar os rendimentos reais da maior parte das famílias
e com que a parte do trabalho no rendimento
baixasse
substancialmente . Nos EUA, a esperança de vida desceu pelo segundo ano consecutivo; para as pessoas com uma educação apenas de nível secundário, o declínio verifica-se há muito mais tempo.
Nem um dos CEO dos EUA cujos discursos ouvi (ou ouvi referir) mencionou o fanatismo, a misoginia ou o racismo
do Presidente dos EUA, Donald
Trump, que estava presente no evento. Nem
um deles mencionou
o fluxo imparável de declarações ignorantes, mentiras deslavadas e ações impetuosas que erodiram a posição do Presidente dos EUA - e, portanto, dos EUA - no mundo. Nenhum mencionou o abandono de sistemas para a determinação da verdade, e da própria verdade. Na verdade, nenhum dos titãs corporativos da América mencionou as reduções governamentais no financiamento para aciência, tão importantes para o fortalecimento da vantagem comparativa da economia dos EUA e para a sustentação dos ganhos no nível de vida dos americanos. Nenhum mencionou a rejeição a que a administração Trump votou as instituições internacionais, ou os ataques à imprensa ou à justiça nacional - que correspondem a um assalto
ao sistema de controlo que sustenta a democracia dos EUA.
Não, os CEO em Davos
lamberam os beiços face à legislação fiscal recentemente aprovada por Trump
e pelos
republicanos do Congresso, e que entregará centenas de milhares de milhões • de dólares
às grandes empresas e às pessoas abastadas que as detêm e as gerem
- pessoas como o próprio Trump.
Estão imperturbados pelo facto de que a mesma legisl.ação levará, quando for completamente implementada, a um aumento de impostos para a maioria
da classe média
- um grupo cuja riqueza tem vindo a declinar durante
os últimos 30 anos.
Mesmo no seu mundo tacanhamente materialista, onde o crescimento importa mais que tudo o resto, alegislação fiscal
de Trump não deveria ser celebrada. Afinal, diminui os
impostos sobre, a especulação imobiliária - uma atividade que em nenhum lugar , produziu prosperidade sustentável, mas que contribuiu para o aumento
das desigualdades em todo o mundo.
A legislação também aplica um imposto sobre universidades como Harvard e Princeton
- onde foram originadas várias ideias e inovações importantes -e levará a uma diminuição da despesa pública
ao nível local, em partes
do país que se desenvolveram precisamente porque fizeram investimentos públicos na educação e nas infraestruturas. A administração Trump está claramente disposta
a ignorar o facto óbvio de que, no século XXI, o êxito na
verdade exige mais investimento na educação.
Para os CEO
de Davos, parece
que os cortes fiscais
para os ricos e para as suas
corporações, juntamente com a desregulamentação, são a resposta para todos os problemas do país. A economia do gotejamento (trickle-down economics), defendem, acabará por garantir que toda a população retire benefícios económicos. E os bons corações
dos CEO são
aparentemente tudo o que é
necessário para assegurar que o ambiente fica protegido, mesmo sem regulamentação relevante.
Porém, as lições da história são bem claras.
A economia do gotejamento não funciona.E uma das principais razões
pela qual o nosso ambiente se encontra num estado tão precário é que as empresas, por si só, não
cumpriram as suas responsabilidades sociais. Sem regulamentação eficaz e sem um preço real a pagar pela
poluição, não existem quaisquer motivos para acreditar que se portarão de forma diferente do que já fizeram. Os CEO de Davos
estavam eufóricos
com o retorno ao crescimento,
com os seus lucros e salários crescentes. Os economistas relembraram-lhes que este crescimento não é sustentável, e que nunca foi inclusivo. Mas estes argumentos têm pouco impacto num mundo em que o materialismo é rei.
Por isso, esqueçam os lugares comuns sobre valores, recitados pelos CEO nos parágrafos de abertura
dos seus discursos. Pode faltar-lhes a fraqueza do personagem de Michael
Douglas no filme,
de 1987, "Wall Street", mas a mensagem não mudou:"A
cobiça é boa." O que me deprime é que, embora a mensagem seja obviamente falsa, tanta gente que ocupa o poder acredite
que é verdadeira.
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Davos - a 1,560 m de altitude, a cidade mais alta dos Alpes suíços, é uma estância de turismo de luxo e de desportos de inverno.