2018-09-29
A privatização do Serviço Nacional de Saúde é o grande objetivo da direita
----- Caiu amáscara: a privatização do Serviço Nacional de Saúde é
o grande objetivoda direita ------
Pedro Coelho dos Santos Profissional
do SNS, membro da Comissão Política do PS - em 2018-09-29
no"Observador"
Para além das polémicas internas no PSD,
o que mais se destacou na sua anunciada política fez cair a máscara pois a
fórmula é bem conhecida: começa-se no reforço das PPP e acaba-se a privatizar o
SNS.
Assiste-se nos últimos tempos a uma
verdadeira estratégia da Direita – política, de algumas ordens
profissionais e dos media – para descredibilizar o Serviço Nacional de
Saúde (SNS). Os exemplos
concretos dessa estratégia chegam-nos diariamente e a verdadeira intenção fica
agora clara com a recente revelação da estratégia do PSD para a saúde:
privatize-se o SNS!
A todos aqueles que há já uns anos
largos acompanham a saúde, como é o caso do autor destas linhas, existem vários
sinais que não passam despercebidos na espuma dos dias e que são mais do que
são meras coincidências. Como por exemplo o discurso desabridamente político das ordens
profissionais mais representativas do setor, aparentemente mais interessadas em
ter um lugar de destaque no palco político (em alguns casos até pelas
aspirações políticas futuras que têm os seus responsáveis) do que atuar
verdadeiramente nas suas áreas de intervenção.
Ou ainda pelas ligações – que por si só
nada têm de mal, não faço aqui qualquer processo de intenção – existentes entre
vários dos habituais críticos e o setor privado na saúde. Outros exemplos
poderiam ser dados desta nebulosa que encobre, muitas das vezes, as verdadeiras
intenções dos “atores” da e na saúde.
Sejamos claros: a direita política
esforça-se por ocultar as suas responsabilidades no retrocesso do SNS no
período da troika. Assim, para desviar atenções, nada melhor de que
criar ruído constante sobre a saúde (área sempre apetecível do ponto de vista
mediático e social) e sobre as responsabilidades do atual governo no estado das
coisas.
Da mesma forma que aquele porta-aviões a
quem desligaram os motores não parou de imediato, mantendo-se a deslizar sobre
as águas por um longo período, também os efeitos da governação da coligação
PSD/CDS não cessaram imediatamente após a sua saída do Governo. É relativamente fácil de
compreender e confirmar que a estratégia de “ir mais longe do que aquilo que
previa o acordo com a troika”, que foi aquilo que de mais marcante ficou do
período de governação 2011-2015, ainda hoje faz sentir os seus efeitos na saúde
do SNS.
Degradação de muitos dos indicadores do
SNS, desmotivação e fuga de profissionais, brutal corte do financiamento e
insensibilidade social foram as marcas da governação PSD/CDS na área da saúde.
Por muito que custe aos intervenientes e a todos os que tiveram
responsabilidades das mais diversas índoles nessa época, foi esse o legado para
o SNS de Paulo Macedo no Ministério da Saúde e de Pedro Passos Coelho em São
Bento.
Diz-nos aquele dito popular, que encerra
em si uma grande sabedoria, que “é mais fácil destruir que construir”. Assim é
também no SNS.
Será por isso infinitamente mais difícil
fazer recuperar o SNS do brutal ataque a que esteve sujeito no referido período
de 2011-2015. É seguramente tarefa para mais do que uma legislatura e
sabendo-se que o país não passou, de um momento para o outro, a ser rico, a
recuperação do SNS só será possível com a definição de uma estratégia de médio/longo
prazo e que tenham – todos os intervenientes – a serenidade e paciência que se
exige para que os resultados apareçam.
E vários indicadores atuais mostram já a
inversão do cenário negro que se viveu no SNS com o anterior governo. Muitos
outros exemplos poderiam ser dados, mas aqui ficam alguns:
- A melhoria
dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos para primeiras consultas ao
nível “muito prioritário”;
- A
diminuição do número de utentes a aguardar primeira consulta hospitalar;
- O aumento
do número de profissionais de saúde que trabalham nos serviços;
- A
realização de importantes investimentos nas infraestruturas do SNS (Centro
Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Centro Hospitalar Universitário
de Coimbra, Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, Centro Hospitalar
Lisboa Ocidental, Centro Hospitalar de Setúbal, Hospital do Espírito Santo
– Évora, só para apontar alguns exemplos);
- A
construção de quatro novos Hospitais (Hospital de Lisboa Oriental,
Hospital Central do Alentejo, Unidade Hospitalar do Seixal e Unidade
Hospitalar de Sintra);
- A melhoria
dos indicadores ao nível da transplantação de órgãos;
- O número
de utentes inscritos que têm um Médico de Família atribuído;
- A
diminuição das médias de tempos de espera para várias patologias (como por
exemplo nas neoplasias malignas e nos bypass coronários);
- A melhoria
ao nível da resposta cirúrgica, com o aumento do número de doentes
operados.
Sejamos claros: apesar de vários
indicadores apresentarem melhorias, muitos são os desafios que o SNS enfrenta ainda.
Também aqui a lista é mais extensa do que alguns dos exemplos que se dão:
- A melhoria
da acessibilidade aos cuidados de saúde em várias áreas;
- A
programação, tão atempada quando possível, das necessidades ao nível dos
recursos humanos;
- Os
desequilíbrios existentes na disponibilidade e distribuição de médicos de
várias especialidades no território continental;
- A
necessidade de aumentar o financiamento via Orçamento do Estado;
- A falta de
autonomia dos gestores hospitalares (conselhos de administração, diretores
de serviço, etc.), tornando a tomada de decisão um processo moroso e pouco
eficiente;
- O combate
ao desperdício e à ineficiência;
- A
necessidade de antecipar e adequar a capacidade de resposta ao
significativo envelhecimento da população num futuro relativamente
próximo.
Subsiste também um crónico problema
comunicacional, que se arrasta há várias décadas. Os feitos alcançados pelo SNS
e pelos seus profissionais muito dificilmente conseguem eco no espaço
mediático.
Pelo contrário, os dramas humanos
(sempre com muita emotividade à flor da pele), os conflitos (que são o sal do
jornalismo) e os factos negativos (se é uma boa notícia não é notícia) são
aquilo que chega ao público através da mediação dos órgãos de comunicação
social. E depois segue-se a sofrível qualidade do trabalho de muitos dos nossos
políticos, que atuam quase exclusivamente em função da agenda mediática,
fazendo política com base nas notícias dos jornais, das rádios e das
televisões…
Das PPP à privatização: um pequeno passo
Cavalgando aquilo que do SNS nos chega
através dos media, apoiado na atuação descaradamente política de ordens
profissionais, veio recentemente o PSD apresentar o documento “Uma política de
saúde para Portugal”. Merece bem a pena uma leitura, nem que seja para se
detetarem várias contradições.
O Partido que se envergonha de usar o
cravo ao peito (ok, concedo, alguns dos seus militantes fazem-no, honra lhes
seja feita) é o mesmo que diz que “o SNS é uma das maiores realizações, no
campo social, da sociedade portuguesa pós 25 de Abril”. O mesmo Partido que fez
ao SNS aquilo que se sabe é o mesmo que diz que garantir a toda a população o
acesso a cuidados de saúde “é um dos fatores decisivos na sociedade portuguesa
que importa preservar e defender”.
Mas o corolário deste conjunto de
dissimulações fica às tantas perfeitamente claro. “O que importa é que o
sistema de saúde sirva a população e o país e não se é público ou privado”,
pode ler-se.
Esta “nova visão do SNS, desprovida de
tabus ideológicos”, diz o PSD, “não se compadece com visões ideológicas da
oposição entre público e privado”. Fica assim claro ao que vêm.
O que esta nova visão do SNS ignora é
que apenas uma gestão pública (com verdadeira autonomia) assegurará a não
descriminação entre utentes em função da sua capacidade económica. Não é e não
será nunca aceitável um SNS apenas para os pobrezinhos, em que quem tem
capacidade para ter um seguro de saúde terá mais facilidade e rapidez no acesso
a cuidados de saúde.
Não é e não será nunca aceitável um SNS em
que os privados fujam a sete pés dos casos de saúde mais complexos e por isso
mais dispendiosos do ponto de vista financeiro, deixando os utentes “mais
complicados” sem o devido tratamento. Não é e não será nunca aceitável um SNS
movido pelo lucro, pois é esse o principal objetivo dos prestadores privados,
que viveriam do diferencial entre aquilo que recebessem na contratualização com
o Estado e aquilo que efetivamente gastassem, algo que é absolutamente perverso
e instigador de uma lógica de prestação de cuidados de saúde numa lógica de
serviços mínimos.
Para além das polémicas internas no seio
do próprio PSD, o que mais se destacou nesta anunciada política para o SNS é um
reforço das Parcerias Público-Privadas (PPP) na saúde. Caiu a máscara.
Ao menos fica agora verdadeiramente
claro o verdadeiro anseio da da Direita política para o futuro do SNS. A
fórmula é por demais conhecida: começa-se no reforço das PPP e acaba-se na
privatização do SNS.
Algo que qualquer cidadão, com
verdadeira consciência social e que compreenda aquilo que é o SNS, com todas as
qualidades e os seus defeitos, não poderá aceitar. Por isso mesmo,
o combate a esta visão da Direita política e a esta nova “visão” do PSD é algo
que deve mobilizar os portugueses e é algo que deve ser tido em conta aquando
das opções que os cidadãos terão de tomar nas eleições legislativas que se
realizam no próximo ano.
Profissional do SNS, membro da Comissão
Política do PS
Etiquetas: Privatização do SNS, Serviço Nacional de Saúde