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2018-09-11

 

ANSELMO BORGES E O PAPA FRANCISCO

ENTREVISTA A ANSELMO BORGES


Padre da Sociedade Missionária Portuguesa, licenciado em Teologia, é defensor do fim do celibato obrigatório. É professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e na de Coimbra e acredita que são necessárias mais mulheres na Igreja.

·         Revista Sábado    6 Sep 2018   Por  Vanda Marques (texto) e Ricardo Meireles (fotos)

Fátima foi apenas uma experiência religiosa de crianças, defende Anselmo Borges
O padre e teólogo fala sobre o que classifica de “ataques vis” ao Papa Francisco e sobre os escândalos sexuais na Igreja

Só na Pensilvânia foram mais de mil crianças vítimas de abusos por parte de padres da Igreja Católica. Uma situação que foi encoberta durante anos. Na Irlanda, o escândalo tem uma dimensão maior: fala-se em mais de 14.500 vítimas de abuso sexual, desde 2002. E com um ponto em comum: os actos foram encobertos e não denunciados. O Papa Francisco deslocou-se à Irlanda para pedir perdão às vítimas e na mesma altura surgiram alegações – de dentro da Igreja Católica – de que ele próprio os teria escondido. Abriu-se uma guerra civil com os ultraconservadores. Será que Francisco vai resistir a tantos ataques?
Anselmo Borges, padre e professor universitário, defende que este Papa é o mais próximo de Jesus e acredita que estes “ataques vis” não o vão derrubar. Mas falta reformar a Igreja e criar um novo modelo de padre. Homens casados a celebrar a eucaristia, mais mulheres em lugares cimeiros e o celibato como opcional são algumas das medidas que acredita serem importantes. Autor de vários livros – como Francisco. Desafios à Igreja e ao Mundo – e colunista do Diário de Notícias, defende a liberdade de opinião, mesmo que isso incomode.

Como vê esta tempestade sobre o Vaticano?

O próprio Papa Francisco já disse que tem inimigos, portanto, ao operar uma transformação na Igreja, e também no mundo, surgem estes ataques vis, como é o caso do ex-embaixador Viganò.

Como vê a alegação, feita pelo ex-núncio dos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò, de que o Papa teria encoberto os abusos sexuais cometidos pelo cardeal norte-americano, Theodore McCarrick?

O que é que o Papa fez, perante este ataque vil? Foi dizer aos jornalistas que cumprissem o seu dever. O jornalismo internacional veio constatar que se tratava de um ataque vil, sem provas. Repare que Viganò em 2012 elogiou publicamente McCarrick. Isto não passa de uma maneira de dividir a Igreja, para tentar ferir o Papa, que se tornou um líder político-moral global. O Papa já colocou mulheres dentro de instâncias cimeiras no Vaticano, fez muitas mudanças e quer uma verdadeira reforma da Cúria e muitos sentem-se abalados nos seus privilégios.

Que transformação é esta?

Concretamente, o Papa chegou e apercebeu-se do que está em jogo e disse logo que o clericalismo é a peste da Igreja e também foi frontal com a Cúria Romana, ao dizer que a corte é a lepra do papado. O Papa quer que a Igreja se volte para o Evangelho – que é uma notícia boa e de felicitar para toda a humanidade. Ele não só atacou o clericalismo e a corte, como veio dizer que a Igreja não pode ter a sua moral centrada na obsessão do sexo. É preciso uma nova abertura, concretamente aos homossexuais, aos católicos recasados, para que possam ter acesso à comunhão. Além disso, gostava de
acrescentar que este lobby vem também da política.

Porquê?

Porque o Papa há muito tempo que vem sublinhando várias coisas. Por exemplo: chamar à atenção para o capitalismo desregrado e que é incompatível amar a Deus e fazer do dinheiro um deus; apelar à preservação e defesa da natureza, o que abala muitos interesses. Outro tema polémico: o Mediterrâneo não pode ser um cemitério, ele tem apelado, dentro da prudência, para o abrir de portas aos refugiados. Vai contra alguns interesses políticos e sobretudo económicos.

Pensa que o Papa Francisco se irá aguentar no cargo?

Esses senhores que se desiludam, o Papa nem se demite, nem se deprime. Até porque ele já disse, expressamente contra esses senhores, que não sai a pontapé.

Existem em Portugal estes ultraconservadores que se manifestam contra o Papa?

Ainda há dias vi um membro da Fraternidade Pio X a dizer que o Papa se devia demitir porque é herético. Esta gente esquece que Jesus foi crucificado pela religião oficial, pelos que dominaram o aparelho. Não creio que tenham expressão. Temos uma Igreja um pouco resignada, mas não vejo uma expressão significativa contra o Papa. Aliás, a conferência episcopal portuguesa acaba de manifestar todo o apoio ao Papa.

Esta mensagem por parte do Papa de condenação dos abusos pode ajudar a mudar a situação e pôr fim a estes escândalos?

Isso há muito que devia estar em vigor. Veja o caso do Bispo do Funchal, que afastou um padre por suspeita de pedofilia. Bento XVI já dizia: tolerância zero a esses abusos. O Evangelho é claro: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois dos que são como elas é o Reino de Deus.” E também tem uma palavra verdadeiramente terrível: “Ai de quem escandalizar uma criança. Mais valia atar-lhe uma mó de moinho ao pescoço e deitá-lo ao mar.” Jesus é muito duro quanto a isto. É preciso salvaguardar as crianças. Mas atenção, há que perceber que os padres pedófilos são uma percentagem muito pequena no mundo dos pedófilos. É bom dizer que nem os padres nem a Igreja têm monopólio da pedofilia. Dito isto, o caso da Igreja, do clero, é terrivelmente dramático. Que os padres representam uma minoria no mundo dos pedófilos não me dá consolação. As pessoas confiavam na Igreja e nestes casos houve uma traição. E aconteceu o pior: para tentar salvar os privilégios da instituição, pretendeu-se encobrir e ir contra as vítimas. Isto é contra o Evangelho. Os bispos encostaram-se para salvaguardar o prestígio da instituição. Mas a Igreja só existe para servir o Evangelho. Acreditamos em Deus, não acreditamos nos bispos, nos cardeais, muito menos na Cúria Romana. Pode parecer brutal o que digo.

Como foi possível um encobrimento deste tipo de comportamentos?

Para tentar salvaguardar a instituição continuaram os menores oprimidos, e isso é intolerável. O Papa tirou o cardinalato a este McCarrick. Mas têm de ser reforçadas as medidas canónicas contra o encobrimento e é preciso colaborar com a justiça civil. O Papa está sempre a dizer que temos de caminhar em conjunto, a carta aos católicos fala da co-responsabilização de todos.

Durante a visita do Papa à Irlanda, para pedir perdão por outros escândalos de pedofilia, uma das vítimas disse que “a história vai julgá-lo pelas acções e não pelas intenções”. Concorda que o mais importante agora é tomar medidas?

Penso que é preciso tomar medidas, a nível mundial, e reformar a Cúria de cima a baixo. A Cúria Romana é responsável por mais ateus do que Karl Marx, Nietzsche e Freud juntos. É preciso colocar mulheres na Cúria. Como é que os homens se arrogaram de que só eles é que têm poder na Igreja? Se mais mulheres estivessem no poder da Igreja, esta tragédia não teria a extensão que teve. Além disso, é preciso abrir os arquivos, onde está muita coisa escondida, e de uma vez por todas saber o que se passou. É preciso proximidade das vítimas. Veja só, em indemnizações para as vítimas, na Austrália e nos Estados Unidos, são 5 mil milhões de euros. É preciso fazê-lo, mas os católicos não dão dinheiro para isto.

No seu livro Deus, religiões e infelicidade fala de uma obsessão de o clero controlar a vida sexual dos seus fiéis. Porquê?

É preciso a Igreja acabar com a obsessão do sexo, há muitos anos que prego isso. Voltamos ao clericalismo, os membros do clero arrogaram-se de serem os melhores, os mais próximos de Deus, que administravam o sagrado. E ainda com o celibato, achavam-se os mais sagrados e puros e por isso determinavam toda a moral sexual.

Acha que o celibato está relacionado com estes abusos? Isto tem de mudar?

Por princípio, Jesus não obrigou ao celibato. Começou-se no séc. XI com o Papa Gregório VII e foi imposto a toda a Igreja no Concílio de Trento, no séc. XVI. Há estudos que mostram que não haverá uma relação de causa-efeito entre celibato e pedofilia, mas… O celibato obrigatório e a formação tradicional nos seminários pode levar a sexualidades distorcidas. Sou a favor do celibato opcional. Também defendo que é preciso uma avaliação psicológica dos que querem ser padres. Outra mudança importante será a ordenação dos homens casados, que acontecerá ainda com este Papa. E a ordenação de mulheres, pois nada impede que presidam à eucaristia. Isso não será para breve.

A única mulher de destaque na Igreja é a Nossa Senhora. Mas já disse que Nossa Senhora não apareceu em Fátima. Porquê?

A Nossa Senhora não apareceu em Fátima e qualquer pessoa que não tenha metido a massa encefálica no frigorífico sabe isso. É que a realidade visível aparece a todos. Se [Nossa Senhora] aparecesse, toda a gente via. Não acredito nas aparições, mas aceito que as crianças tiveram uma experiência religiosa, mas de crianças e à maneira de crianças. Também enquadram ali o que ouviam, os pregadores que falavam do inferno, da Primeira Guerra Mundial. Depois houve ali arranjos e rearranjos. De tal maneira que se condena o comunismo e não o nazismo. Já viu?

Então o que é hoje Fátima?

Hoje Fátima é um milagre que fez milhões de pessoas em aflição irem lá e algumas convertem-se. Tenho muito respeito pelo sofrimento humano, mas temos de evangelizar Fátima. Quanto ao sacrifício: sacrifício pelo sacrifício não vale nada. Um Deus que precise de mim a andar de rastos – que passe bem sem mim. Compete aos padres mostrar às pessoas que Deus é pai e mãe e não precisa que andem de rastos.

Continua a rever-se na Igreja Católica, instituição que já descreveu como “machista e misógina” e a “última monarquia absolutista do Ocidente”?

Seja como for, não há perfeição. Mas terá de ser uma instituição mais democratizada. Foi através desta Igreja que ouvi falar de Jesus, portanto não é fugindo da Igreja que procedo bem. Estou interessado no Evangelho e em Jesus e na reforma da Igreja. Nunca abdiquei do que penso.

Sempre disse o que pensa, isso prejudicou-o?

O clericalismo está unido ao carreirismo, para fazer carreira na Igreja é preciso ser um bocadinho hipócrita, mentir, não ter pensamento próprio. A que é que isso leva? Não há liberdade de opinião dentro da Igreja. O clericalismo fez com que não houvesse liberdade de expressão. Eu não fiz carreira. Eu não tinha jeito para isso.

Porque quis ser padre?

Fiz-me padre porque procurava a salvação eterna. Desde muito jovem, 19 anos, que procurava o sentido último da vida. Pensava: isto tem de ter um sentido. Morre-se e acaba tudo? Qual é o sentido da minha vida e da história? Em Jesus encontrei a promessa da vida eterna.

Mas foi repreendido?

Sim. Um bispo foi dizer ao director do ISET (Instituto Superior de Estudos Teológicos) que eu dizia heresias. O director disse-lhe que escrevesse que heresias eram. E pronto. Terá havido outros episódios, alguns de que o director nem tenha tido conhecimento.

Revê-se mais neste Papa ou em Bento XVI?

Conheci Ratzinger, um grande teólogo, uma pessoa tímida, reservada, muito afável. Foi com ele que começou esta tolerância zero para a pedofilia. Mas há uma coisa que me magoa muito que foi a condenação de tantos teólogos [mais de 140]. Francisco é um cristão, um pouco à imagem do que foi Jesus. Não tem medo da morte e está com todos. Até com aqueles com quem ninguém está: como os pobres ou as mulheres – foi visitar uma casa de recuperação de prostitutas. É uma figura verdadeiramente histórica dentro da Igreja e para a humanidade. E com ele nunca mais houve condenações de teólogos.
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