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2019-09-17

 

O Museu Salazar travestido de Centro Interpretativo do Estado Novo


Sem alarmismos, afirmo que o “povo de esquerda” está cada vez mais insuportavelmente ignorante, e, apesar disso, exige determinar o que os historiadores devem fazer.” 

É Raquel Henriques da Silva directora do Instituto Português de Museus de 1997 a 2002, em carta ao director do PÚBLICO de 2019-09-13 reagindo ao movimento contra o Museu Sala-zar em Santa Comba Dão. E continua: “O Estado Novo e o seu chefe são objectos fundamen-tais de estudo e divulgação problematizadora da história de Portugal do século XX… “
Dado que me incluo no “povo de esquerda” vou tentar minorar a minha “ignorância” ponderando os argumentos da autora do escrito sobre o projectado Museu Salazar que passou a ser referido pelo pseudónimo de Centro de Interpretação do Estado Novo” dada a vasta oposição que suscitou nomeadamente um documento de repúdio com 18 mil assinaturas e outro de presos políticos com 204.
Começo por informar a Srª ex-directora de museus que o povo de esquerda ou parte dele não contesta tanto a criação de um “Centro de Interpretação do Estado Novo” mas a sua localização na terra natal do ditador, na vizinhança da Casa Salazar, da Rua Salazar, da Escola Salazar, do jardim Salazar.

Fortaleza de Peniche
O povo de esquerda ou pelo menos eu, não se incomoda nada com a criação de um “Centro de Interpretação do Estado Novo”, por exemplo nos actuais museus criados nas antigas prisões políticas, na do Aljube ou, melhor ainda, na da Fortaleza de Peniche.
Aqui sim, toda a gente perceberia, incluindo o “insuportavelmente ignorante povo de esquerda” que não se tratava de criar um local de romaria para os saudosos do regime fascista do Estado Novo ou para as organizações de extrema direita nacionais e europeias cuja articulação Steve Bannon,  o organizador da campanha eleitoral de Trump, se tem empenhado em dinamizar e colocar em rede.
Um museu Salazar em Peniche dava certas garantias de que da acção do déspota se revelaria além do melhor também o pior. Entre o melhor poderia informar-se que livrou Portugal da 2ª Guerra Mundial e até se poderia explicar porquê: Salazar talvez colocasse de bom grado Portugal na 2ª GM mas…ao lado de Hitler! No entanto com o país refém da “secular aliança” com a velha Albion e o previsível assalto desta às colónias portuguesas em tais circunstâncias além da previsível reacção dos EUA tal opção tornava-se inviável.
A simpatia de Salazar pelo regime do Fuhrer, autor de inomináveis crimes contra a humanidade, ficou bem patente no luto nacional, com bandeira a meia haste, decretados pelo o homem de Santa Comba Dão após o suicídio de Hitler, em 30 de Abril de 1945, quando o Exército Vermelho chegou às portas do bunker, em Berlin, onde se recolhia.
Também a seu favor se poderia argumentar que com a sua iniciação como seminarista se manteve virgem e por conseguinte “puro”. Misógino  e “puro” salvo melhor investigação das suas relações com uma certa visitante francesa. Também a seu favor há o argumento de que não roubou nem enriqueceu e podemo-nos interrogar, para quê? Sem querer concluir que fosse um corrupto em potência, nada leva a pensar em tal, tenhamos presente que o ditador vivia num palácio rodeado de tudo o que necessitava e… sem mulher e sem filhos para quê ter uma fortuna sem ter a quem a deixar. Em contrapartida a sua política foi a de tornar os portugueses cada vez mais pobrezinhos para que Portugal e suas riquezas ficassem na mão de uma dúzia de famílias, os Melos, os Champalimaud, os Espírito Santo, os latifundiários donos da terra Alentejana e Ribatejana.

Salazar e Franco

Situado na fortaleza de Peniche, o Museu Salazar, trajado ou não de “Centro de Interpretação do Estado Novo”, haveria a garantia de que não seria esquecido o terror ! O terror das polícias políticas, da PVDE e das sucessoras PIDE e DGS, as torturas sistemáticas até à beira da morte e da loucura dos presos políticos. O horror das prisões, do Aljube, do Forte de Caxias, da Fortaleza de Peniche, da sede da PIDE em Lisboa e no Porto, a morte lenta ou violenta nos campos de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, de S. Nicolau em Angola, da Machava em Moçambique, ou de Oe-Kussi em Timor.
Houve presos políticos que para além das inauditas torturas e suplícios a que foram repetidamente submetidos passaram o melhor da sua vida na prisão: como Manuel Rodrigues da Silva, 23 anos, como Francisco Miguel, 22 anos, como José Magro 20 anos e tantos, e tantos outros, anos sem fim. E Salazar conhecia tudo isso bastante bem dos seus regulares encontros de trabalho com sucessivos directores das polícias políticas.


Portugal na guerra colonial -Angola é nossa! É nossa!! É nossa!!!

No Alentejo e não só, a GNR chegava ao ponto de prender trabalhadores, preventivamente, em vésperas do 1º de Maio, para tentar prevenir hipotéticas manifestações.
Não havia liberdade de reunião, nem de expressão com a censura prévia a toda a comunicação social. Manifestações, greves, sindicatos que não os controlados pela PIDE, estavam proibidos.
Toda este terror e intimidação existia não por degenerescência mental do homem de Santa Comba Dão mas para impedir que os milhões de Portugueses, condenados ao atraso, à ignorância, à pobreza, à miséria, tivessem êxito na sua revolta contra a política que favorecia o escandaloso enriquecimento dos “donos disto tudo”. Assim o Governo do Dr Salazar conseguiu ao fim de quase meio século de governação a proeza de reduzir Portugal à situação de país mais pobre, mais atrasado e mais analfabeto da Europa Ocidental e onde era santificada a menorização da mulher num quadro legal que a colocava na estrita tutela do marido.
E que dizer dos milhares de portugueses condenados à morte e estropiados nas guerras coloniais? E que pensar do regime de semi-escravatura dos povos das colónias portuguesas e das dezenas de milhar de mortos de africanos que lutavam pela sua dignidade, por justiça, pela libertação, pela independência?
Um estudo publicitado por José Pedro Castanheira, no Expresso, em 2013, revelou que
 a prisão política da Machava era a pior das prisões portuguesas de África durante a guerra colonial, onde se espancava e torturava até à mortes e onde ainda em 1973 se encontravam presos 1.049 africanos suspeitos do crime terrível de serem simpatizantes da Frelimo.


Salazar beija mão do cardeal Cerejeira  chefe da Igreja Católica portuguesa

Como foi possível que o regime salazarista se aguentasse quase meio século? Duas armas foram fundamentais, o terror policial e o condicionamento das mentes pela Igreja católica portuguesa, dirigida pelo seu amigo, o cardeal Cerejeira com quem conviveu na juventude durante 11 anos no
Centro Académico de Democracia Cristã, em Coimbra.

Portanto, em suma, uma boa indicação de que o essencial da terrível governação fascista não seria escamoteada seria a localização do tal museu, camuflado ou não com a designação de Centro de Interpretação do Estado Novo, no Aljube, no Forte de Caxias ou na Fortaleza de Peniche. Admito até que “a insuportável ignorância do povo de esquerda” tendesse a diminuir.

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