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2020-03-08

 

A ARA na BA3 em Tancos... há 49 anos.


Era 8 de Março e também domingo há 49 anos. 

Domingo, 8 de Março de 1971, ainda estamos aqui neste apartamento no cruzamento da Av de Roma/Av EUA a rever todos os movimentos, todos os cuidados, a rever toda a matéria. Daqui a pouco partimos para a Base Aérea 3, em Tancos. Eu levo o Volkswagen "Carocha" com as 20 cargas explosivas e incendiárias até para lá da ponte da Chamusca e depois trocamos de carro. Coutinho que tem carta de condução levará o "Carro do Povo" bem carregado e eu volto com o seu já veterano Opel Record verde até à estação de Santarém onde os aguardarei. Se voltarem... Sim, hão-de voltar!

O Ângelo de Sousa era miliciano a tirar o curso de piloto de helicópteros na BA3 e à Porta de Armas do quartel, regressando do fim de semana, disse ao sargento de serviço à entrada, "vamos ali ao bar que aqui o nosso alferes (é o Coutinho, jornalista do Século, fardado de oficial da Força Aérea) deu-me boleia." O António João Eusébio estucador da construção civil o terceiro operacional desta arrojada aventura, ia vestido de soldado da Força Aérea e não precisou de dizer nada. 

Regressaram atrasadíssimos à estação de Santarém onde eu os esperava - desesperava com o atraso para além de todo o previsto e atirava para longe a tormenta de maus pressentimentos.

Eis o que diz José Pedro Castanheira no texto e António Pedro Ferreira mostra na fotografia, no Expresso









""Às primeiras horas do dia 8 de Março de 1971, uma sequência de mais de 20 explosões destruiu o principal hangar da Base Aérea n.º 3, em Tancos, no coração do maior polígono militar do país. No interior estavam 28 aviões e helicópteros da Força Aérea, que ficaram praticamente destruídos. A espetacular sabotagem – a maior perpetrada em território nacional contra as guerras coloniais em Angola, Moçambique e Guiné – foi conduzida por um comando clandestino da ARA, a Acção Revolucionária Armada, o braço guerrilheiro do PCP."
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Segue-se documento "secreto" reproduzido no livro ARA obtido por mim na Torre do Tombo, nos arquivos da PIDE, quando prepararei o livro



Após a montagem dos explosivos e cargas incendiárias nos aviões e helicópteros que serviam nomeadamente de treino para os pilotos que seguiam para a guerra colonial os nosso "aviadores" voltaram a sair pela porta de armas batendo a pala (continência) ao oficial e reuniram-se comigo em Santarém. Regressámos a Lisboa e o Ângelo de Sousa, que assim desertava, refugiou-se no apartamento acima referido na Av Roma/Av EUA, até ser encaminhado clandestinamente para Paris de onde mais tarde voltou com a sua namorada  Fernanda Castro para a luta clandestina contra o fascismo salazarista do "Botas".
Com o 25 de Abril casaram e tiveram umas filhas lindas, a Sara, a Raquel e a Rute. Tudo nomes bíblicos explicava-me ele
O Ângelo de Sousa foi a peça chave desta acção. No nosso encontro no Bairro Azul em Lisboa um mês antes da sabotagem disse-me: o quarteleiro empresta a chave do hangar a oficiais e sargentos que vão lá roubar gasolina dos aviões para os seus carros, ao fim de semana. Mas não tens carro! advertia-o eu. Mas eu digo que é para o carro do meu colega Ferreira.
Trouxe a chave num fim de semana fiz um molde em sabão amolecido e fiz um chave que o Ângelo depois testou com êxito.
Enquanto não partiu a salto para Paris frequentava-lhe o partamento levando-lhe as necessárias vitualhas apesar de o local não ser nada adequado para ser frequentado por clandestinos mas foi o que o Vasco, meu ex-colega do IST, me arranjou.

A PIDE desesperada e necessitando apresentar serviço acusou e prendeu um sargento só porque na investigação descobriu que residia próximo da casa do Ângelo, em Espinho:
Eis como descrevo o caso no livro ARA a páginas 152 e seguintes:

Sargento inocente preso e expulso das Forças Armadas


" Depois da sabotagem de Tancos a PIDE/DGS distribuiu milhares de fotografias do Ângelo de Sousa por todos os postos da Guarda Fiscal, pelas esquadras da PSP e postos da GNR. Enraivecida e necessitando de mostrar serviço fez prisões ao acaso. Uma delas foi a do sargento de Infantaria do quadro permanente Óscar Soares que não conhecia o Ângelo mas tinha o azar de morar em Espinho próximo da sua residência e além disso frequentou um curso de explosivos na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, ali bem ao lado da Base Aérea 3. 
... O sargento Soares fazia anos, trinta e um anos exactamente e resolveu pedir cinco dias de licença a que tinha direito. Meteu-¬se no seu carro a caminho de Tomar onde tinha marcado revisão para ele na Auto-Tomar, Lda. Foi então ao chegar ao Entroncamento que o dia, em vez de se revelar comemorativo e feliz se revelou fatídico. Quase teve um acidente ao atravessar-se-lhe, com uma travagem brusca, na estrada à sua frente a grande velocidade, um carro donde saíram a correr dois bandidos de pistola em punho que num ápice lhas apontavam à cabeça. Bandidos, pensou ele. Quando se identificaram como agentes da PIDE/DGS pensou estar a salvo logo que verificassem que ele era um sargento do exército e confirmassem o equívoco. Estupefacto viu que isso nada remediou. 

«Embora me tivesse identificado fui logo ameaçado com dois tiros na cabeça pelo chefe de brigada… Disse que tinha ordens do meu comando para me levar para Lisboa. Fui empurrado para o fundo de um Morris 1300 branco sendo logo despojado do que levava nos bolsos. Ao chegar à sede da DGS, puseram-me nu, sofrendo vexames na minha dignidade pessoal e ameaças de espancamento começando logo o interrogatório sobre um indivíduo de nome Ângelo de Sousa que desconheço… Passei assim três dias e três noites sem interrupção, sem ser consentido qualquer descanso, sempre ameaçado e enxovalhado nomeadamente pelo inspector Pires.» Foi com estas palavras que o sargento Soares fez, tempos depois, uma exposição ao general Arnaldo Schultz, então director do Instituto de Altos Estudos Militares.

O general era conhecido de um dos seus familiares mas apesar de ser um dos duros do regime pouco lhe pôde valer. É nessa mesma exposição que o jovem e inocente sargento relata: 

«Depois fui transferido para o Forte de Caxias e de seguida para prisão militar, o Forte da Trafaria. Ao fim de dois dias entregaram-me de novo à DGS, que afirmou ter ordens do senhor Chefe de Estado Maior para ser levado à civil tendo entrado de novo naquele Organismo para novo interrogatório e tortura do sono por mais quatro dias e noites. Findo este período de tortura fui para o reduto Norte do Forte de Caxias em regime de rigoroso isolamento durante dois meses.» 

Queixa-se na exposição ao general de não lhe terem deixado nenhum objecto pessoal, de não lhe autorizarem correspondência, nem visitas da família, nem… oh cândida ingenuidade «não o terem informado dos seus direitos»!!! e mais um rol de coisas que justamente o indignavam e surpreendiam mas eram triviais para quem andava à «chuva», àquela chuva! A que era totalmente alheio.
Já depois de ter dados suficientes para ilibar o sargento e o deixar em paz a PIDE/DGS deu ordens para ser expulso do Exército como desertor (Ordem do Exército n.º 14 de 20-05-71).

Mais tarde, depois de muitos empenhos, o sargento Soares conseguiu ser reintegrado no Exército (OE de 30 de Julho de 1971) mas o seu reingresso no quadro só foi considerado a partir de 5 de Junho. Ficou dado como desertor três meses, foi transferido de unidade, perdeu antiguidade, dificultaram-lhe a carreira. Nem o carro lhe devolveram! «Para não ser parvo e andar a confundir a PIDE/DGS!» Só depois do 25 de Abril de 1974 começou a ser feita justiça. "

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