2020-05-09
O 1º Ministro sabe quase tudo
O Governo, fiel aos acordos relativos ao Novo Banco, fiel a Bruxelas e à banca internacional, foi ao nosso dinheiro e deu 750 milhões de euros à Lone Star, um fundo privado norte-americano do predador multimilionário John Grayken dono de 75% do Novo Banco.
O artigo que se segue é de Pedro Santos Guerreiro no Expresso de 2020-05-09 :
" O primeiro-ministro sabe
tudo. Sabe de cor os apoios a sócios-gerentes e a recibos verdes, o número de
disciplinas nas escolas e de máscaras nos transportes públicos, o que vai
acontecer nas praias e nos festivais de música, o primeiro-ministro nunca é apanhado
em falso numa entrevista. Só não sabe uma coisa: que foram transferidos mil
milhões para o Novo Banco.
O mesmo primeiro-ministro
que não diz gastar um cêntimo na TAP sem controlar não controla cem mil milhões
de cêntimos para o Novo Banco.
Está tudo errado. É chocante saber que nem António
Costa abriu os olhos para o dinheiro nem o ministro das Finanças pestanejou em
transferi-los. É claro que a oposição vai pôr em causa a justiça na repartição
de sacrifícios na pandemia. E é previsível que agora se diga e sublinhe e
repita que “para os bancos há sempre dinheiro”. Até porque é verdade. Como
verdade é o seguinte: já não podia ser de outra forma, porque todo o sistema de
apoios ao Novo Banco foi assim montado.
Chamar ‘banco bom’ ao Novo Banco foi como chamar
‘Pai Natal’ a quem dá presentes. Ambos não existem. O ex-BES carregou milhares
de milhões em créditos maus que foi vendendo ao preço da uva mijona, pois era
mesmo uva que não poderia dar vinho. Fê-lo porque era preciso. E fê-lo porque
pôde: havia capital garantido no Fundo de Resolução (outro nome ‘Pai Natal’,
aliás, para dizer que o dinheiro financiado pelo Estado não é do Estado) para
cobrir os prejuízos daí resultantes. E como eles se têm empilhado nos últimos
anos.
O acordo foi feito com
Bruxelas e só tinha, em geral, duas alternativas: ou se deixava o banco falir
ou se fazia um aumento de capital gigante à cabeça. Optou-se por garantir o
capital ao longo de alguns anos, na esperança, aliás, de que ele fosse vendido.
Foi, é verdade; a Lone Star ficou com 75% de mil milhões de euros, que hoje o
banco não vale. E nós fomos enchendo a vala às pazadas de mil milhões. É quase tudo
dinheiro do Estado, tirando as contribuições de outros bancos, contrariados em
subsidiar um concorrente que se aniquilou enquanto BES. Acredita que os bancos
vão pagar ao Estado o dinheiro agora emprestado durante 30 anos? Eu não, mas
espero estar cá para ver.
No acordo desenhado em 2017 com o BCE, o Novo
Banco conseguiu o que provavelmente nenhum banco do mundo tem: que injeções
futuras de capital, por estarem garantidas pelo Estado, já contem como capital.
Foi assim que os rácios em 2019 foram cumpridos, já incluíam a injeção de mil
milhões que fantasmagoricamente foi processada esta semana. E se não tivesse
sido feita? Bom, então o banco entrava instantaneamente em processo de
recuperação. Percebe a armadilha?
O Novo Banco está a ser salvo por uma máquina
comercial com grande força nas empresas e com vendas de ativos tóxicos que
supostamente não existiam, que causam prejuízos, que forçam aumentos de
capital. Em tempos de pandemia, esperar-se-ia que o Governo pelo menos
reduzisse a fatura, diluindo-a por mais anos. O ministro das Finanças percebeu
que estava de mãos atadas e o primeiro-ministro de olhos vendados. E como não
sabe como há de explicar isto aos portugueses que estão a sofrer na pele a
crise económica brutal, há de fazer piruetas políticas.
Os bancos são essenciais nesta crise, porque por
eles passa o dinheiro para as empresas, eles decidem quais vivem e quais
morrem. Que não morram eles, o que começa por reconhecer que este ano vão ter
prejuízos, em vez de mascararem as perdas futuras atrás das moratórias de
crédito que o Governo aprovou. Porque de pagar prejuízos futuros estamos
fartos. E, no caso do Novo Banco, até os prejuízos passados. Para o ano isto
acaba, na última transferência. Ponham um lembrete na agenda do
primeiro-ministro, por favor."