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2022-03-15

 

O HUMANISMO OCIDENTAL É DECENTE?

É um esclarecedor artigo do jornalista PEDRO TADEU, no Diário de Notícias, em 2022/03/09 sobre a desinformação, sobre a campanha de mentiras relativamente à guerra na Ucrânia. Na realidade uma guerra entre as superpotências EUA e Rússia que tem como vítima no imediato a Ucrânia invadida pela Rússia e todos os povos da Europa, no plano económico e social, em seguida, considerando que não se chegue ao apocalipse da guerra nuclear. 
                                                   Eis o texto de Pedro Tadeu:

"Por ser um bom cidadão do mundo ocidental condeno a invasão russa da Ucrânia, participo em manifestações contra Putin, choro os mortos de Kiev, comovo-me com o drama dos refugiados ucranianos, sou solidário com as vítimas da brutalidade russa e recuso comprar produtos russos. E faço-o com convicção.

Mas isto não chega, isto é humanismo genérico, serve para qualquer um em qualquer parte do mundo - o humanismo ocidental é especial, o humanismo ocidental é único, o humanismo ocidental é original, o humanismo ocidental exige mais de mim...


O humanismo ocidental é seletivo: ignorou os 12 mil haitianos enviados pelos Estados Unidos para a prisão de Guantánamo e a invasão do país em 1994; ignorou a instigação e a participação da NATO nas guerras da Jugoslávia e os seus 150 mil mortos; ignorou as duas Guerras do Golfo, a mentira que desculpou uma delas e os 100 mil mortos diretos que os combates provocaram; ignorou mais 100 mil mortos que o Iraque "protegido" pela coligação internacional lá instalada provocou; ignorou a presença norte-americana durante 20 anos no Afeganistão e os 65 mil mortes que ali ocorreram; ignorou os envolvimentos, desde 2001, diretos ou indiretos, de forças ocidentais na Síria (estimam-se 400 mil mortes); ignora o que se passa na Somália e no Iémen; ignora a ocupação da Palestina por Israel e, nos últimos anos, os 21 500 mortos desse conflito.

O humanismo ocidental tem coração mole para um lado e coração de pedra para o outro. As guerras espalhadas pelo mundo com envolvimento do Ocidente somam, em 30 anos, quase um milhão de mortos, a grande maioria civis, mas o bom cidadão ocidental não chora por eles.

O humanismo ocidental é dúbio. Condena vigorosamente a prisão do opositor de Putin, Alexei Navalny, mas deixa apodrecer na cadeia o denunciador das brutalidades das tropas americanas e da NATO, Julian Assange.

O humanismo ocidental é criterioso. Manifesta-se quando críticos de Putin são envenenados no estrangeiro mas arquiva no esquecimento o cientista inglês David Kelly que, misteriosamente, suicidou-se dois dias depois de depor no parlamento sobre a falsificação de provas da existência de armas de destruição maciça no Iraque. E o jornalista que deu essa notícia em primeira mão foi despedido.


O humanismo ocidental é esclarecido. Classifica a imprensa estatal russa de instrumento de propaganda "tóxica" mas glorifica o World Service da BBC, pago pelo Ministério dos Estrangeiros britânico e onde muitos jornalistas portugueses que lá trabalharam foram obrigados, durante décadas, a pedir autorização superior para fazer qualquer tipo de entrevista... e essa autorização só vinha depois de lida a lista de perguntinhas a fazer!


O humanismo ocidental é dinâmico. Indigna-se aos gritos com a censura de Putin ao jornalismo independente, mas refila baixinho quando proíbem a Russia Today de emitir no Ocidente ou quando os potentados das redes sociais, que ninguém controla, filtram o que o povo pode ou não pode dizer.


O humanismo ocidental enerva-se com a brutalidade policial contra manifestações políticas em países longínquos e contra as prisões indiscriminadas de gente comum, mas cala-se, conformado, quando isso é feito nos seus países contra os que recusam vacinar-se, contra os que exigem direitos para os negros, contra os sindicalistas, contra os imigrantes pobres e de pele escura. O humanismo ocidental já nem se lembra de George Floyd.

O humanismo ocidental é espertalhão. Explica todas as intervenções militares do Ocidente no resto do mundo com a necessidade de defender a democracia, o contexto histórico e sociológico das regiões, as tensões estruturais das economias locais, as rivalidades das religiões, as divisões tribais, as fronteiras mal definidas, a selvajaria dos ditadores locais. Mas para comentar a guerra ucraniana só aceita começar a análise por um facto: Putin invadiu no dia 24 de fevereiro o país de Zelensky. Falar do que está para trás, dos 13 mil mortos do Donbass, do crescimento da NATO para leste, por exemplo, é trair a Ucrânia, é trair o Ocidente, é trair a humanidade - e se o fazes, és mesmo má pessoa!


O humanismo ocidental é ingrato. Garante que a Rússia não é do Ocidente, exige que ignoremos 2 mil anos de cristandade partilhada, as leituras de Dostoiévski, Tolstoi, Tchekhov, Gorki; as músicas de Tchaikovsky, Stravinsky, Shostakovich, Prokofiev; os filmes de Eisenstein, Tarkovsky; os pensamentos de Bakunine, Lenine ou Trotsky. O humanismo ocidental acredita que nada deve do que é à Rússia. 

Eu adoro os valores teóricos do humanismo ocidental, são um exemplo para o mundo, a sério, mas não aguento a constante prática violenta do humanismo ocidental, uma vergonha neste mundo, a sério."


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