Conheça a vida de uma das figuras portuguesas mais
importantes da nossa história, Garcia de Orta, o médico judeu.
Portugal
é um país que uma história longa, conta com quase 900 anos! Este é um
número revelador da antiguidade deste país, num percurso histórico cheio de
episódios marcantes. Portugal chegou a tornar-se dos mais poderosos do
nosso planeta. Embora o nosso país não esteja atualmente entre os mais
poderosos, até está longe de ter essa importância, no passado a influência
dos portugueses foi notória, em diferentes continentes.
Ao
longo da sucessão de séculos, foram vários os momentos históricos
relevantes, vários foram os portugueses que se destacaram e colocaram o seu
nome na lista de figuras emblemáticas do país. Garcia de Orta foi um dos
portugueses que se destacaram entre os demais, a sua obra tornou-o numa das
figuras que Portugal deve recordar e homenagear.
Garcia de Orta, o médico judeu condenado à morte
depois de morto
Garcia de Orta (1500 - 1568)
O
nome Garcia da Orta é bastante conhecido entre os portugueses. No nosso
país existem várias Instituições com o seu nome. Há Escolas Secundárias,
Hospitais, ruas, praças, hotéis, com o nome Garcia de Orta. No entanto,
muitos desconhecem o trabalho desta pessoa que viveu no século XVI…
Vida
Provavelmente
foi em 1500 que Garcia de Orta nasceu, em Castelo de Vide. Os pais de
Garcia de Orta, os seus nomes eram Leonor e Fernando de Orta, foram judeus
refugiados de Espanha e fugiram da grande perseguição encetada pelos reis
católicos espanhóis no ano 1492.
Garcia de Orta, o médico judeu
condenado à morte depois de morto
Estudos
Garcia
de Orta estudou Filosofia Natural, Medicina e Botânica em Salamanca e
Alcalá de Henares, em Espanha. Posteriormente, voltou, a Castelo de Vide em
1523, local onde exerceria medicina. Em 1525 instalou-se em Lisboa, na
capital tornou-se médico do rei. Garcia de Orta ingressa na Universidade de
Coimbra em 1530, onde se estabelece como professor de Filosofia.
A Índia
Em
1534, Garcia de Orta, procura tirar partido da abrangência do território
controlado pela coroa portuguesa. Ele partiu para a Índia, como “physico”
de Martim Afonso de Sousa. Este homem foi seu protetor e um grande amigo,
Garcia de Orta até dedicaria a Martim Afonso a obra Colóquios dos Simples e
Drogas e Cousas Medicinais da Índia (1563).
A
sua partida também se deve ao medo de ser alvo de perseguição da Inquisição
portuguesa, devido às suas origens. Ele amava o conhecimento e desejava
conhecer o mundo, por isso, aproveitou a oportunidade para dar azo à sua
curiosidade. Na Índia conhece um dos portugueses mais importantes da nossa
história, Luís de Camões, de quem se tornou amigo. Após se ter instalado em
Goa, foi dado o foro de Bombaim a Garcia de Orta.
Pioneiro
Ao
longo de diversos séculos, os diferentes povos, recorreram à Natureza para
a criação de “medicamentos” naturais. Foram criados muitos chás, mezinhas e
emplastros de folha com o propósito de curar diferentes males. O poder
curativo de determinadas plantas foi usado para recuperar a saúde. Antes
das pílulas e injeções que hoje se usam com facilidade, estes conhecimentos
revelaram-se cruciais para o progresso científico. Muitos dos medicamentos
que ainda hoje se utilizam contêm na sua composição ingredientes de origem
vegetal.
Garcia
de Orta, deu o seu contributo para a evolução da medicina botânica, ao
fazer a divulgação das plantas do Oriente. O trabalho de Garcia de Orta foi
pioneiro em diversas áreas, nomeadamente em botânica e em farmacologia.
Garcia de Orta também se interessou em antropologia e exerceu medicina na
Índia portuguesa. Ao longo dos seus estudos dedicou-se à experimentação e a
sua procura por conhecimento era constante.
Garcia
de Orta foi dos primeiros naturalistas a trazer para a Europa informação
pormenorizada sobre plantas medicinais exóticas. Ele tornou-se no primeiro
europeu a descrever a origem de plantas exóticas e de drogas orientais,
sendo rigoroso na identificação das respetivas propriedades terapêuticas.
Garcia de Orta, o médico judeu
condenado à morte depois de morto
O trabalho
Goa
é capital do Estado Português da Índia e Garcia de Orta pode desenvolver o
seu trabalho ao longo 30 anos. Nesse tempo ele estudou e descreve as
plantas da Índia. Ele percebe quais deviam ser as suas aplicações. No seu
trabalho identifica espécies novas (ou desconhecidas) e retifica muitas
informações falsas sobre algumas plantas que eram tidas como verdades. O
convívio que Garcia de Orta tem com médicos árabes e hindus, torna-o numa
referência.
O
português escreveu a obra emblemática Colóquios dos Simples e Drogas e
Cousas Medicinais da Índia (1563). Nesta obra em que ele explora diferentes
áreas, encontram-se conteúdos de medicina, farmacologia e filosofia
natural. Garcia de Orta revoluciona os conhecimentos do Velho Continente
Europeu com esta obra. O autor português contraria o saber dos Antigos,
afirmando os valores da experiência e das aquisições científico-naturais.
A obra
O
livro Colóquios dos Simples e Drogas
e Cousas Medicinais da Índia (1563) foi uma obra de grande
impacto. Ao longo do tempo são feitas inúmeras edições. Esta obra tornou-se
muito procurada, sendo realizadas diversas traduções e adaptações ao longo
dos séculos seguintes.
Os
séculos XVI, XVII e XVIII reconheceram o valor da obra Colóquios dos
Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia ao existirem tantas traduções
e adaptações. Esta obra de Garcia de Orta tornou-se um dos maiores
contributos de Portugal para a ciência da época. O espírito científico e
experimental do Renascimento ficou mais rico com este elemento criado por
um português.
O
botânico português combateu erros graves dos “doutos”, revolucionou os
conhecimentos da insípida farmacopeia europeia do seu século. Garcia de
Orta representou uma mudança clara, deu um dos maiores contributos como
médico do seu século ao aplicar à botânica alguns princípios do método
científico, nomeadamente a necessidade de observação direta dos fenómenos
que se estão a estudar.
Orta
apresenta as diferentes plantas medicinais com todo o rigor, revela os
vários nomes por que são conhecidas, indica a sua proveniência, revela as
rotas comerciais das mesmas até chegar a Goa, além de descrever a
morfologia das plantas e os seus diferentes usos.
As
descrições são tão rigorosas e precisas que atualmente é possível
identificar cada planta pelas características que são apresentadas e muitas
das indicações terapêuticas dadas no livro mantêm-se atuais. Além de
destacar espécies novas (ou não identificadas até à data) dá informações
sobre plantas mal conhecidas.
Orta
também fala das especiarias, que eram importantes para o Império Português,
nomeadamente a canela, a pimenta, o
cravo-da-índia ou o gengibre. Existem plantas que são recomendadas pelas
efeitos gástricos e purgativos, outras pela sua ação enquanto agente do
fluxo sanguíneo, outras que devem ser usadas para tratamento de doenças de
pele.
Morte
Garcia
de Orta faleceu em 1568, em Goa. Tal como acontecia nas damnatio
memoriae do Império Romano, o médico português foi condenado
postumamente. O Tribunal do Santo Ofício acabou por condená-lo em 1580, post-mortem,
pelo crime de judaísmo, o mesmo que o fez perder a sua irmã.
Na
sequência dessa condenação, o corpo de Garcia de Orta foi desenterrado e os
seus ossos foram queimados. Após os restos mortais terem sido removidos da
Sé de Goa “Garcia de Orta” foi condenado à fogueira, simbolicamente.
Reação ao livro
Garcia
de Orta destacou-se entre os pioneiros da botânica médica e da ciência
moderna. O seu espírito crítico e independente foi exibido numa época
histórica em que dizer uma simples verdade podia custar a vida da pessoa.
A
obra de Garcia de Orta foi autorizada a ser impressa pela Casa da
Suplicação e pela Inquisição. A
Inquisição estabeleceu-se na Índia no ano de 1565. Garcia de Orta tinha 64
anos na época e apenas viveria mais três. Viveu com grandes dificuldades
financeiras após a obra, mas foi poupado pela Inquisição.
A
fúria inquisitorial visou várias pessoas, diferentes elementos da sua
família não tiveram a mesma sorte que o botânico, nomeadamente a sua irmã
Catarina. Ela foi queimada num auto-de-fé em 1569, tendo sido condenada à
fogueira pelo crime de judaísmo.
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